Privilégio e Legitimidade

Celso de Mello analisa as conseqüências da CPI do Judiciário

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6 de maio de 1999, 0h00

Sejam quais forem as conclusões finais da CPI do Judiciário, um resultado fundamental para a consolidação da democracia ela já apresentou, na opinião do presidente do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello: a demonstração de que o Judiciário não pode ser uma instância de poder imune ao processo social de fiscalização.

Para ele, os juízes e os tribunais hão de ter a consciência de que os seus comportamentos, além de ajustados a rigorosos padrões éticos, estão pautados pelos estritos limites impostos pela Constituição e pelas leis da República.

Quaisquer desvios de caráter ético-jurídico, argumenta, devem merecer imediata censura social, pois o cidadão tem o direito de exigir que os órgãos do Poder Judiciário sejam depositários de sua confiança, e não destinatários de sua repulsa.

Para o ministro, “os fatos gravíssimos atribuídos a magistrados em posição de responsabilidade na direção de seus tribunais estimulam, de maneira inevitável, a necessidade, hoje inadiável, de instituir um sistema de controle das atividades administrativas do Poder Judiciário”.

Embora defenda posição contestada pela maioria de seus pares – o que lhe rendeu, na semana passada, irada correspondência de 57 juizes federais gaúchos, inconformados as declarações do ministro contra a promiscuidade entre instituições da República e corporações profissionais – o ministro adverte que está

em jogo não só a credibilidade institucional, mas a legitimidade dos magistrados, que, enquanto agentes públicos, não podem pretender-se imunes às regras da democracia.

O coeficiente de legitimidade das instituições estatais a que se refere, afirma Celso de Mello, decorre do respeito à prerrogativa de supervisão social e de controle do cidadão sobre a coisa pública. Um princípio que não deve só existir em dimensão teórica e abstrata, mas que deve ter máxima efetividade, “sob pena de o estado democrático de direito fraudar a concepção e os próprios fundamentos sobre os quais se assenta”- o que teria por conseqüência a frustração das expectativas da cidadania.

Na opinião de Celso de Mello, o princípio da divisão funcional do poder não admite que qualquer órgão do estado disponha de poderes ilimitados. “Por isso é essencial que haja um efetivo sistema de controles recíprocos entre os órgãos depositários das atribuições estatais” – defende o presidente do STF – “para que nenhum órgão estatal se converta em instância hegemônica de poder”.

Fiscalizar o exercício do poder e coibir abusos, dentro dessa perspectiva, diz o ministro, significa repelir concepções autoritárias que visam a dar expansão desordenada e ilimitada às atribuições que cada órgão da soberania nacional desempenha.

Como referência de controle social, o presidente do STF cita a experiência do México. Lá, a exemplo do que já ocorre em outros países, adotou-se, há pouco tempo, o “Consejo de la Judicatura”, um órgão de composição heterogênea (quatro magistrados mais três pessoas estranhas ao Poder Judiciário) destinado, dentre as suas várias atribuições, a fiscalizar o comportamento dos magistrados judiciais e a impor-lhes, até mesmo, sanções expulsórias, ressalvados os juízes da Suprema Corte, os quais, à semelhança do modelo institucional brasileiro, estão sujeitos ao julgamento político (“impeachment”) do Senado da República.

Para o ministro, além das experiências que emergem do direito comparado, a própria América Latina, especialmente a partir do seu processo de redemocratização, vem demonstrando notável capacidade de aperfeiçoar seus sistemas de administração da Justiça, exemplos que, ao menos para efeito de confrontação crítica, o Brasil não deve ignorar.

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