Responsabilid. Civil do Advoga

Responsabilidade Civil do Advogado

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15 de junho de 1999, 0h00

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

Cláudia Barbosa da Cruz e Letícia Carapeto Benrdt

Nas palavras de Savatier, eminente jurista francês, “responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas e/ou coisas que dela dependam” . O interesse em restabeler o equilíbrio econômico-jurídico alterado por este prejuízo é a causa geradora da responsabilidade civil.

No que tange à esta matéria a doutrina pátria divide-se em duas grandes correntes: teoria subjetiva (da culpa) e teoria objetiva (do risco).

A primeira delas, surgida no Direito Romano (a partir da Lex Aquilia), entende para ser devida a indenização, pelo agente causador à vítima, a existência do nexo de causalidade, o prejuízo ou o dano, e a culpa. Esta teoria é adotada em nosso Código Civil no seu artigo 159, com ênfase na obrigação de que reparar o dano causado depende de atividade voluntária do agente, tendo como baluarte Rudolf von Ihering.

Já a denominada teoria do risco, requer tão-somente o nexo causal e o efetivo dano, sendo adotada no direito brasileiro apenas nas circunstâncias expressas em lei – ela é a exceção à regra teoria da culpa –, tendo como ardoroso defensor José de Aguiar Dias. Isto é, nesta teoria a responsabilidade deixa de resultar da culpabilidade, para derivar exclusivamente da causalidade material.

Em que pese a dicotomia supracitada, há autores, como Caio Mário da Silva Pereira e Rui Stoco, que compartilham do entendimento segundo o qual a convivência das duas teorias seria a melhor solução . A culpa exprimiria a noção básica e o princípio geral definidor da responsabilidade, aplicando-se a teoria objetiva (do risco) nos casos especialmente previstos em lei – notadamente o que ocorre em alguns artigos do Código de Defesa do Consumidor.

Conforme se adote uma ou outra, acata-se a distinção entre responsabilidade contratual e extra-contratual. Isto, em razão de os defensores da doutrina objetivista prescindirem, em qualquer caso – seja responsabilidade contratual ou não –, da existência de culpa; que, para a corrente subjetivista, é elemento fundamental da bifurcação, na medida em que a responsabilidade aquiliana está embasada nesta, enquanto para a contratual, geralmente, é dispensável.

Via de regra, na responsabilidade proveniente do contrato, ao autor da ação, lesado pelo descumprimento, basta provar a existência deste e seu inadimplemento, devendo o réu demonstrar ser o dano decorrente de uma causa estranha a ele; enquanto na responsabilidade delitual, o lesado deve provar, também, a culpa, isentando-se o ofensor de responder pela indenização se o autor não se desincumbir desse ônus.

No atinente à responsabilidade civil do advogado não pairam dúvidas sobre seu caráter contratual, sendo um autêntico exemplo de mandato, previsto a partir do art. 1.288 do Código Civil Brasileiro.

Ademais, inegável suas obrigações serem oriundas de uma convenção preexistente entre este e seu cliente, e não de normas de cunho público . A par disso, a Lei n.º 8.906/94 visa a fornecer orientação para o desempenho desta.

Tal convenção implica obrigação de meio e não de fim, onde o patrono compromete-se a envidar esforços com a finalidade de alcançar a vitória na demanda, sem se vincular efetivamente ao resultado. Em sendo executada proficientemente a obrigação, não se lhe pode imputar nenhuma responsabilidade pelo insucesso.

Em outras palavras, suas obrigações, devem ser desempenhadas de forma diligente, salvaguardando os interesses que lhes foram confiados. E, normalmente, circunscrevem-se em representar a parte em juízo, bem como aconselhá-la profissionalmente.

E mais, a responsabilidade civil do advogado isenta-se da regra relativa à contratual, tangente à dispensa da configuração de culpa. Isto é, torna-se imprescindível a efetiva culpa do patrono, compreendendo-a como “conditio sine qua non” da responsabilidade.

É essa a solução mais justa e socialmente conveniente pelas seguintes razões: a segurança que a responsabilidade objetiva confere às potenciais vítimas do dano, protegendo os bens dos indivíduos contra quaisquer lesões decorrentes da atividade de outrem, é neutralizada pela paralisação de iniciativas que a ponderação das possibilidades de dano produzirá no homem de ação, se este não tiver garantia de estar isento de responsabilidade no caso de ter procedido com todo o cuidado, diligência e competência; substituir ao diretamente lesado o autor não culposo do prejuízo é, na falta de circunstâncias especiais tão arbitrário, sob o ponto de vista da justiça como da escolha da vítima pelo acaso.

Não só pelo acima exposto e pela conclusão lógica de se tratar de obrigação de meio, mas também por haver expressa previsão legal, tanto no art. 14, § 4º da Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), como no art. 32 da Lei n.º 8.906 de 04 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia), torna-se necessária a demonstração de conduta culposa.

Naquele há ressalva feita à responsabilidade pessoal do profissionais liberais, dentre os quais se encaixam os advogados, no sentido desta só poder ser declarada mediante a verificação de culpa; e deste último diploma legal depreende-se ser o advogado responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

Estes, ou seja, tanto o dolo – pleno conhecimento do mal e direta intenção de o praticar –, como a culpa – stricto sensu –são englobados pela culpa “latu sensu”.

E, a culpa (em sentido amplo), no que concerne à responsabilidade civil do advogado circunscreve-se ao erro de fato e ao erro de direito grave, devendo ser caracterizados no âmbito da irrecusabilidade ou inescusabilidade. Em outras palavras, só cabe indenização para o erro irrecusável, fruto da ignorância do causídico, sendo presumível para o exercício de uma profissão a habilitação necessária, a perícia, a atenção e a prudência exigidos pela deontologia.

Portanto, quanto aos erros de direito, só cabe ressarcimento para os graves: ir contra a jurisprudência corrente; desconhecer ou desprezar texto de lei de aplicação freqüente; fazer interpretação abertamente absurda; ajuizar ação prescrita ou absolutamente inadequada; perder prazos que conduzam ao insucesso da causa; omitir providências que, tomadas a tempo, impediriam sacrifício ou perecimento do direito do mandante; emitir parecer errôneo .

No tangente aos erros de fato, o advogado é responsável por todos cometidos no desempenho do mandato, podendo consistir em se ausentar na audiência de modo a prejudicar a causa; não levar, em audiência de instrução, testemunhas não intimadas para tanto, quando disto se comprometeu.

Também, outra fonte da responsabilidade do advogado é a desobediência às instruções do constituinte, seja, variando as que foram traçadas, seja excedendo os poderes ou utilizando os concedidos em sentido prejudicial ao cliente. Adita-se a isto, não ser compreensível o amplo poder do mandatário de dispor livremente dos direitos do outorgante, em contraposição ao dever de seguir suas instruções. Até porque o causídico tem o direito de renunciar ao mandato se com estas não concordar, devendo representar o mandatário até a sua substituição por outro profissional, ou pelo prazo de dez dias seguintes à notificação de sua renúncia .

Interessante não olvidar o fato de as instruções poderem consistir em exigência de interpor recurso. Entende, J. M. Carvalho Santos ser imperioso o recurso quando houver possibilidade de reforma da sentença, sendo imprescindível a prova de que tal ocorreria. Na prática, dificilmente, haverá total impossibilidade de reforma da sentença, em razão da dinamicidade do direito, e sobretudo por ser imprevisível a Câmara para qual o recurso será distribuido – considerando-se a diversidade de entendimentos sobre a mesma matéria num mesmo Tribunal.

Do advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil e credenciado a militar no foro judicial não se exige apenas competência (que se presume ante o credenciamento obtido) e dedicação na defesa de seu cliente – conforme dito anteriormente –, há ainda o dever de sigilo profissional para com seu cliente. Ou, na dicção do Estatuto, em seu art. 33, obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.

A responsabilidade do causídico perante terceiros é excepcional. Quando este toma a iniciativa de associar na defesa da causa, a ele confiada, um colega, não assume para com este a obrigação pessoal pelo pagamento de honorários, nem afiança o cliente perante o outro advogado, salvo quando sabia que o cliente era insolvável, hipótese em que falta às normas inerentes à sua profissão liberal empenhando sua responsabilidade. No entanto, ainda nesta hipótese, o advogado é responsável perante o terceiro pelos atos prejudiciais do colega.

Outra questão, a qual requer algumas linhas, trata-se de serem ou não devidos honorários quando da verificação de responsabilidade civil do profissional. Em que pese o entendimento em contrário de Aguiar Dias e Maria Helena Diniz, conclui-se pela afirmativa, eis que indenizar significa reparar integralmente o dano causado a vítima, torná-la indene. Em outras palavras, somando-se o quantum indenizatório aos honorários, haveria enriquecimento injusto desta.

Acrescenta-se a isso, o que parece bastante razoável, a existência de reiteradas decisões dos tribunais reconhecendo o direito a honorários, mandando-os descontar da indenização a ser paga ao constituinte lesado.

No concernente às corriqueiras cláusulas de irresponsabilidade, peculiares à responsabilidade contratual, cujo fundamento é o princípio da autonomia da vontade, consistem na estipulação – via de regra unilateral – na qual um contratante, excetuando-se a uma norma jurídica, isenta-se de responder civilmente perante outro. Entretanto, somente são válidas quando não confrontam preceito cogente de lei. Isto é, a exceção só pode ser feita a normas tuteladoras de interesses individuais.

Diante de todo exposto, para cumprimento de sua prestação, deve o advogado empregar a favor do cliente os recursos permitidos pelo ordenamento jurídico, os quais estejam a seu alcance, de acordo com suas condições pessoais e circunstâncias da causa. Entre estes deveres – decorrentes do contrato de mandato – encontram-se o de informar o mandante sobre sua posição jurídica, possibilidade de êxito, andamento e tramitação do processo, propostas de acordo, resultados decisórios, oportunidades para recurso e suas expectativas, bem como despesas processuais.

E, no intuito de se precaver contra eventuais ações intentadas por clientes, imperativo faz-se comportamento compatível com o acima exposto, além de elaboração de registros de toda conduta processual informada a estes. Deste modo, não haverá sucesso em feitos intentados sob o respaldo da má-fé de mandantes (atuais ou passados), comprovando que agiu corretamente, usando dos meios previstos na legislação, acompanhando todas as fases processuais e nelas atuando diligentemente.

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