Reedição das medidas provisóri

Inconstitucionalidade da Reedição de Medidas Provisórias

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14 de junho de 1999, 0h00

Constituição da República Federativa do Brasil: Os 10 anos do uso (abuso) das Medidas Provisórias

Da inconstitucionalidade da reedição de medidas provisórias.

INTRODUÇÃO:

(TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, HISTÓRICO DO INSTITUTO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS NO BRASIL)

De bom alvitre iniciar a presente exposição, esclarecendo pontos básicos para a compreensão do que vem a ser medida provisória, seu impacto no mundo jurídico e o caráter ditatorial do qual se tem revestido.

O Brasil, assim como muitos outros países, adota a Teoria da Tripartição dos Poderes. Em uma análise bastante simplista, coerente com a rápida exposição que pretendemos fazer, teóricos como Locke e Montesquieu, partindo da máxima de que “o poder corrompe”, partiram em busca de soluções que pudessem limitar, se não eliminar, o fenômeno do abuso do poder estatal.

Sendo o Estado uma ficção que tem por razão de existência o bem comum, o bem de uma coletividade, não se poderia aceitar que o mesmo tivesse suas forças direcionadas para a consecução de fins particulares.

Desta forma, vislumbrou-se a divisão das tarefas que compõem o exercício efetivo e eficaz do Poder: a criação das normas de convívio social, a administração do convívio social (atendendo às normas mencionadas) e o mecanismo de resolução de conflitos, não somente os suscitados mas também os que precisam ser reprimidos com o uso da força, atendendo aos anseios da coletividade.

Então, o que hoje se conhece por Teoria da Independência entre os poderes, nasceu de uma tentativa de se restringir o uso do poder, dividindo-o entre diferentes “detentores do poder”, a fim de que uns fiscalizassem o exercício do poder por parte dos outros, de modo a evitar abusos.

Assim, evidencia-se que não são três diferentes poderes. Sua existência é intrínseca. São diferentes parcelas de um mesmo poder, cada qual tendo ficado com uma das funções supra mencionadas.

No entanto, o fato de possuir uma função que lhe seja primordial, não exclui o exercício das outras funções, desde que em caráter reduzido e excepcional. Isto significa que, por exemplo, o Poder Judiciário também pode exercer funções administrativas e legislativas: a primeira, ao administrar a estrutura do judiciário e a segunda, ao criar normas internas.

A essência da existência do Judiciário é a resolução de conflitos na sociedade com base em suas leis (sociedade) e nos princípios de justiça e eqüidade, mas não lhe estão vedadas as outras funções que excepcionalmente venha a desempenhar.

De posse destas informações é que se pode conceber que o Poder Executivo, o encarregado da administração do Estado, tenha como prerrogativa, também de caráter excepcional, a edição de Medidas Provisórias.

Medida provisória é um projeto de lei, com força de lei, emanado pelo Chefe do Poder Executivo, em casos de Urgência e Relevância, e que deve ser apreciado e aprovado pelos membros do Poder Legislativo, a fim de que se incorpore de forma definitiva ao ordenamento jurídico nacional. Não sendo esta aprovada pelo Legislativo, ou não tendo sido apreciada, perde a mesma a eficácia após 30 dias de sua entrada em vigor, voltando a viger o direito anterior.

Em nosso sistema legal, nosso Estado Democrático de Direito, é o Poder Legislativo o responsável legítimo pela parcela do poder estatal concernente à função legislativa, de modo que, a capacidade de legislar do Poder Executivo lhe é subordinada, lembrando que o representante da coletividade que exerce a chefia do poder Executivo não tem legitimidade para a prática de atos de normativização, a não ser nos casos em que haja urgência e relevância.

Assim, verifica-se que a faculdade da edição de tais medidas por parte do Poder Executivo representam uma exceção à regra geral da divisão de poderes, e justamente por isto, deve ser utilizada parcimoniosamente.

O artigo 84, de nossa Constituição Federal, dispõe em seu inciso XXVI, o seguinte:

Art.84. Compete privativamente ao Presidente da República:

XXVI – editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do artigo 62.

Dispõe o art. 62:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.

Parágrafo Único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

Da leitura do dispositivo supra mencionado, se depreende que sua forma de se perpetuar no Universo Jurídico nacional é radicalmente diferente do que acontecia com o antigo Decreto-Lei, instituído pelo art. 58 da Carta de 1967.

O decreto-lei se convertia em lei, quando ao término do prazo de 60 dias, o Poder Legislativo não tivesse desaprovado tal decreto, sendo que a simples não-apreciação do decreto era o suficiente para que houvesse a conversão de que se fala.

A redação do artigo 58 da Constituição de 1967 era a seguinte:

“Art. 58. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não resulte aumento de despesa, poderá expedir decretos com força de lei sobre as seguintes matérias:

I – segurança nacional;

II – finanças públicas.

Parágrafo único. Publicado o texto, que terá vigência imediata, o Congresso Nacional o aprovará ou o rejeitará, dentro de sessenta dias, não podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação, o texto será tido como aprovado”. (grifo nosso)

A nossa medida provisória, pelo menos em tese, se não for aprovada, deixará de existir, cabendo ao Congresso Nacional dirimir as questões de Direito Intertemporal nascidas da malfadada edição.

Tendo trilhado os rumos iniciais da discussão, passamos a abordar os argumentos favoráveis e os não favoráveis à Constitucionalidade da Reedição das medidas provisórias, para ao fim, concluir com nossa opinião a respeito desta prática.

ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À CONSTITUCIONALIDADE DA REEDIÇÃO:

Conforme já explicitado, a faculdade do Presidente da República de editar medidas provisórias, ou seja, se utilizar de uma capacidade legislativa para a qual,a priori, não estaria legitimado, é oriunda de circunstâncias excepcionais, para as quais o legislador Constituinte decidiu abrir uma exceção. Desta forma, sua natureza é jurídico-constitucional.

O artigo 62 da CF/88, determina que uma medida provisória, tão logo seja editada, deve ser imediatamente encaminhada para votação no Congresso Nacional. A urgência em tais casos é tamanha que o dispositivo constitucional prevê que, estando em recesso o Congresso, este se reunirá em sessão extraordinária em, no máximo, cinco dias.

Ressalte-se que é uma faculdade “vigiada” do Poder Executivo de editar tais normas. No entanto, ainda se classifica como faculdade, como prerrogativa, como Direito.

É princípio geral de Direito, que a cada Direito subjetivo corresponde uma obrigação para outrem, seja ela positiva ou negativa, ou seja, exigindo um comportamento comissivo ou omissivo.

No caso em análise, ao direito do Presidente da República de editar uma medida provisória corresponde uma obrigação positiva do Congresso Nacional de votá-la, já que inexiste a conversão automática da MP em decreto-lei, como outrora.

Ora, o que não pode ocorrer jamais é ficar um indivíduo lesado em seu direito subjetivo porque a pessoa, ou entidade, que tem o dever de viabilizar o seu exercício, não cumpre com sua obrigação.

Sob este prisma, a reedição das medidas provisórias não votadas é não somente justa, como legítima, com base nos princípios gerais do Direito, porque não pode ficar prejudicado o Direito do Presidente da República de editar e ter votados os seus projetos de lei, com fulcro no artigo 62 da Constituição, se o Congresso Nacional não cumpre com o seu dever constitucional.

Assevere-se que ao alegar urgência e relevância, o Chefe do Executivo não está exercendo tal prerrogativa em seu nome, mas sim, em nome dos que representa, do povo brasileiro, configurando mais um motivo para que tal direito seja respeitado conforme dita a Constituição.

Contra aqueles que sustentam que o prazo de trinta dias, para ser levada a medida a votação, é um prazo exíguo, muito curto, só resta lembrar-lhes que o mesmo foi estipulado pelo próprio Poder Legislativo, e que tendo se passado 10 anos da elaboração de nossa Constituição, se este fosse realmente o problema, já teria sido solucionado pelos membros do Legislativo, com uma alteração Constitucional.

ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS À CONSTITUCIONALIDADE DA REEDIÇÃO:

Iniciemos tal exposição com a apreciação do artigo 67 de nossa Carta Magna:

Art. 67. A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional. (grifo nosso)

De acordo com o que já foi dito sobre a Constituição de 67 e seu artigo 58, o silêncio do Congresso em face de um decreto-lei importava em sua tácita aprovação, de forma que ao término dos 60 dias, se não houvesse manifestação do Poder Legislativo no intuito de repelir o conteúdo do Decreto-lei, este deixava de ter o status de projeto de lei com força de lei, para efetivamente se tornar uma lei.

O Constituinte de 88, preocupado em não repetir os erros do passado, foi taxativo na redação do parágrafo único do art.62: “As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação (…)”.

Não há o que se discutir: em não havendo conversão em lei, a MP perde sua eficácia. Desta forma, a não conversão em lei, seja por via comissiva ou por via omissiva, importa em rejeição do projeto de lei.

A reedição, sob este prisma, é inconstitucional face ao artigo 67 da Constituição Federal, porque nada mais é do que um outro projeto de lei, com o mesmo conteúdo de um projeto já rejeitado, sendo apresentado na mesma sessão legislativa.

Por completo inaceitável diferente entendimento, tendo em vista que se o Congresso Nacional, legítimo detentor desta função, só pode reapresentar projeto de lei já rejeitado quando houver proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer de suas Casas, como permitir que o detentor excepcional desta função o faça a seu bel-prazer ?

DESCARACTERIZAÇÃO JURÍDICO-POLÍTICA DO INSTITUTO:

Não pode deixar de ser mencionada neste estudo, a maneira como o instituto jurídico tem sido descaracterizado pelo seu uso político indiscriminado.

É claro o fato de que o governo adotou a tática de incumbir muito mais trabalho ao Poder Legislativo do que ele pode efetivamente processar, de forma a fazê-lo funcionar mal, ou até mesmo impedí-lo de funcionar. – Logo, um número quase sobrenatural de medidas provisórias é mensalmente lançado sobre o nosso já “eficiente” Legislativo, sendo de fato, impossível que atenda ele à esta demanda.

Outro fato político descaracterizador do Instituto, é a ocorrência da chamada “Ditadura das minorias”. Devido à existência e necessidade de um determinado quorum constitucional para a votação das MP’s, o próprio governo, com uma mínima bancada representativa que eventualmente possua, pode obstruir a votação em questão, logrando obter quantas reedições quiser e puder.

CONCLUSÃO:

Inexorável constatar que a prática em questão é não somente inconstitucional, como também, imoral. Representa uma violação não somente material à Constituição, mas uma violação ao próprio espírito da Carta Magna e de todos os princípios que informam o Instituto. É uma violação direta à Teoria da Separação dos Poderes, ou funções, na qual um dos representantes da coletividade, enquanto detentor do poder, subjuga os demais acorbertado por uma pseudo legalidade à qual, infelizmente o nosso Supremo Tribunal Federal se curvou, julgando legal a pratica da reedição das Medidas Provisórias.

Rio de Janeiro, 15 de Maio de 1998.

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