Imputabilidade Penal

Artigo contrário a proposta que tramita no Congresso Nacional para red

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2 de junho de 1999, 0h00

ARTIGO- OPINIÃO JURÍDICA

IMPUTABILIDADE PENAL – Redução da idade de 18 para 16 anos

Por Myriam Holzer

Há algum tempo atrás um colega (advogado) precisava elaborar um parecer defendendo tese contrária a proposta que tramita no Congresso Nacional, reduzindo o limite superior de inimputabilidade penal de 18 (dezoito) para 16 (dezesseis) anos.

Por ser ele completamente favorável a esta proposta, inclusive por ter perdido um amigo, morto por um menor de 18 anos, não se sentiu a vontade em elaborar tal artigo. Pediu-me, então, para fazê-lo.

Embora eu não atue na área penal e meus poucos conhecimentos se limitassem ao estágio de dois anos junto ao Ministério Público há 10 anos atrás, resolvi aceitar o desafio, analisar o material e redigir tal parecer, cuja maior parte passo a transcrever.

Assunto polêmico, a proposta reduzindo o limite superior de inimputabilidade penal de 18 (dezoito) para 16 (dezesseis) anos, tem encontrado ferrenhos defensores, embora sob meu ponto de vista, seus argumentos sejam fracos e dissonantes da realidade física, material, humana e social do país.

Analisando material e artigos a respeito, a defesa desta redução da idade fundamenta-se, resumida e essencialmente, nas seguintes alegações:

1. O crescimento da violência e da criminalidade juvenil nos últimos anos, tornando-se comum a prática de crimes graves por menores de 18 anos. Alega-se que o ECA (Estatuto da Criança de do Adolescente) impede a punição do menor infrator ou que o menor de 18 anos não pode ser punido.

2. O poder de discernimento dos jovens, tendo em vista o desenvolvimento da sociedade e, em especial, dos meios de comunicação e informação ao seu alcance possibilita entender, discernir o caráter criminoso do fato, devendo, portanto, comportar-se de acordo com esse entendimento e assumir a responsabilidade pelos atos delituosos que praticar.

3. O jovem de 16 anos pode votar, sendo-lhe outorgado direitos plenos para o exercício da cidadania política, salvo as exceções. Entretanto, por ser inimputável nesta idade, é permitido ao eleitor maior de 16 anos que goze de todos os direitos políticos, mas não responda pela prática de crimes eleitorais.

Básica e resumidamente, sem floreios, são estes os argumentos que tem ensejado a defesa da redução do limite superior de inimputabilidade de 18 para 16 anos de idade.

A meu ver, estas opiniões não devem ser apoiadas, muito embora devam ser respeitadas, até porque são, na sua maior parte, extremamente bem redigidas e fundamentadas, se analisadas isoladamente, fora de todo contexto social, humano e legal.

Infelizmente, a violência crescente tem gerado adeptos desta medida, como se sua adoção fosse solucionar este e outros graves problemas essencialmente de cunho social. Trata-se da velha mania de se criar lei, quando não se consegue nem aplicar a legislação em vigor.

Analisemos, então, baseado nos argumentos favoráveis aqui apresentados, porque esta medida não deve ser aplicada:

1. Do aumento da violência e aplicação do ECA:

Existe uma grande distorção de verdades, com o escopo de se fazer crêr que o jovem de 16 anos não é punido ou responsável pelos atos que pratica.

Ele não apenas é responsável, como está sujeito a uma série de medidas sócio-educativas, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que consistem desde advertência até obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, até a internação, que é a medida de privação de liberdade.

É fato público e notório que o ECA foi criado, após inúmeros estudos e pesquisas, onde constatou-se que o adolescente, como pessoa que ainda vive o processo de amadurecimento físico, psicológico e emocional, merece além de uma simples censura e castigo da sociedade, a oportunidade de, através das medidas pedagógicas, mudar seu comportamento.

Saliente-se que, onde tem sido adequadamente aplicado, como por exemplo no Rio Grande do Sul, o índice de criminalidade neste segmento da população tem sido sensivelmente reduzida.

Na prática também tem sido observada, em inúmeras oportunidades, que enquanto o co-autor adolescente já julgado, sentenciado e privado de liberdade, estando em cumprimento de medida prevista no ECA, seu parceiro imputável muitas vezes sequer teve seu processo em juízo concluído, estando freqüentemente em liberdade.

Assim, é necessário separar imputabilidade de impunidade. O adolescente de 16 anos só não é punido e corrigido (o que é mais importante), quando não se aplica o ECA, ao contrário do que afirmam os que defendem a redução da idade.

Por outro lado, o grande aumento da violência e criminalidade praticado por pessoas cada vez mais jovens, nada mais reflete que graves problemas sociais existentes no país, já que são negados, cada vez mais, à população em geral, educação, alimentação, saúde, emprego, prevenção de doenças, de gravidez, de sociabilização, etc., etc. e etc.

Inexistindo solução ou melhora das péssimas condições sociais a que tem sido expostas as crianças e adolescentes do país, não será processando ou condenando criminalmente os jovens de 16 anos a serem encarcerados em presídios, que se resolverá ou diminuirá a violência do país.

Isto sem adentrar no mérito das condições a que estarão sujeitos nos presídios, que não comportam nem mesmo os criminosos maiores de 18 anos.

Apenas para lembrar, é opinião unânime que nosso sistema penitenciário está falido, constituindo um dos maiores fatores de reincidência e de criminalidade violenta, ou seja, não reeduca, não ressocializa, não recupera o criminoso. Ao contrário, perverte, deforma, corrompe.

Portanto, diminuir a idade limite superior de inimputabilidade penal de 18 para 16, não pode ser vista como solução para o aumento de violência crescente que estarrece o país. Pregar este tipo de solução, sem se resolver este rol de problemas graves existentes no seio da sociedade é uma maneira, no mínimo, extremamente cínica de encarar a questão.

O ECA, se for aplicado e aplicado de forma correta, é a solução mais plausível e, ao contrário do alegado, não gera impunidade, ainda que os jovens de 16 anos continuem inimputáveis.

No momento, não precisamos de mais leis. É necessário apenas que se cumpram as já em vigor.

2. DO PODER DE DISCERNIMENTO

Outro grande argumento a favor do rebaixamento, diz respeito ao poder de discernimento dos jovens que, atualmente, por vários fatores, entre eles a facilidade de acesso a todo tipo de informações, garante o amadurecimento precoce dos jovens, se comparado a 10 ou 20 anos atrás.

Novamente, se analisado isoladamente, este argumento não deixa de ser verdadeiro.

Porém, o rol de informações ao alcance destes jovens pode ser benéfica ou maléfica, informar ou deformar, já que se tratam de indivíduos, cuja personalidade está em desenvolvimento e são altamente influenciáveis, até por questões de auto-afirmação.

Assim, tal argumento, ao contrário de justificar a redução, deve ser motivo de proteção, pois as informações não são absorvidas da mesma forma que por uma pessoa adulta.

Ressalte-se, ainda, que o discernimento no tocante a ilicitude de determinadas condutas pode ser observado até mesmo em crianças de cinco anos e, portanto, não pode servir critério para redução do limite etário de punibilidade.

Ademais, como já ressaltado acima, apesar de mais informado, o jovem de 16 anos continua sendo uma pessoa em crescimento físico e emocional, cuja personalidade ainda está em desenvolvimento.

E, no caso de cometer alguma infração ou delito, será punido de acordo com o previsto no ECA, já que por ser ainda amoldável, tem capacidade e possibilidade de beneficiar-se dos processos pedagógicos ali previstos.

3. DO DIREITO AO VOTO

O fato jovem poder votar aos 16 anos, não deve ser condição para que possa ser responsável penalmente.

Em primeiro lugar, o voto aos 16 anos é facultativo, a imputabilidade é compulsória.

Doutra parte, o fato de ser facultado ao jovem de 16 anos votar, não justifica a redução do limite etário em pauta, pois a legislação brasileira fixa idades diferentes, para diversas situações.

Como bem ressaltou o E. Dr. João Batista Costa Saraiva, em seu artigo “A idade e as razões, não ao rebaixamento da imputabilidade penal”, publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 5, n. 18, p. 77/85, abr./jun., 1997:

“ A questão de fixação de idade determinada para o exercício de certos atos da cidadania decorre de uma decisão política e não guarda relações entre si, de forma que a capacidade eleitoral do jovem aos dezesseis anos – facultativa – se faz mitigada. Nossa legislação, a exemplo das legislações de diversos países, fixa em 21 anos de idade a maioridade civil. Antes disto, por exemplo, não há casamento sem autorização dos pais e somente após se faz apto a praticar, sem assistência, atos da vida civil.

A propósito a legislação brasileira fixa diversos parâmetros etários, não existindo uma única idade em que se atingiria, no mesmo momento, a “maioridade absoluta”. Um adolescente pode trabalhar a partir dos 14 anos e, no plano eleitoral, estabelece que o cidadão para concorrer a Vereador dever ter idade mínima de 18 anos; 21 anos para Deputado, Prefeito ou Juiz de Paz; 30 anos para Governador e 35 anos para Presidente, Senador ou Ministro do STF ou STJ.”

“Assim, mesmo sendo discutível a decisão constituinte de outorgar o voto facultativo aos 16 anos, o fato de per se não leva a conclusão de que o adolescente nesta idade deva ser submetido a outro tratamento que não aquele que o Estatuto lhe reserva em caso de crime – mesmo eleitoral. “

Portanto, como bem colocado no nos mesmo artigo acima mencionado:

“Não há critério subjetivo de capacitação e sim decisão política. Tanto é assim que Jesus Cristo, que morreu aos 33 anos, a par de sua indiscutível capacidade de discernimento, no Brasil não poderia exercer a Presidência da República.”

Por todo o exposto, a par da inúmera pressão a favor da redução do limite superior de inimputabilidade penal de 18 para 16 anos, os motivos são fracos e não resistem se confrontados com a realidade dos fatos.

Não se justifica a aprovação desta Emenda. O que precisa ser feito com urgência é se exigir dos poderes constituídos, a obediência a determinação constitucional que estabeleceu “Prioridade Absoluta” para cumprimento, em todo país, das medidas que o ECA prevê.

Desta forma, se conseguirá aquilo que serve de justificativa para a aprovação desta Emenda, ou seja, redução da criminalidade, da violência praticada por adolescentes, punição, reeducação, reajustamento e ressocialização sem reincidência. –

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