A intervenção do Estado

A intervenção estatal

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4 de junho de 1999, 20h58

A INTERVENÇÃO POLÍTICA ECONÔMICA NAS RELAÇÕES DE ORDEM PRIVADA.

Diante da inserção espistemológica da filosofia Aristotélica, cabe-nos estabelecer os critérios da questão da ética e da política, para delinearmos entendimentos contemporâneos sobre o tema.

Nessa contemplação da lógica dialética, buscamos no logos o sentido da atuação do governante face aos governados, ao qual identificamos a ausência do metron, e das virtudes do homem excelente, disposto na filosofia Platônica.

A política pode ser vista como o governo dos homens e a administração das coisas, e, num plano global, a organização e a administração dos Estados.

Na melhor concepção filosófica, a finalidade do estadista (pessoas que exercem função de comando, ao qual pertencem à espécie soberana), é a manutenção de seres vivos ou, mais precisamente seres humanos, não, contudo, enquanto indivíduos, mas como membros de grupos.

O fenômeno da política pode ser analisado enquanto arte, enquanto ciência, enquanto ideologia, como filosofia, como metafísica, como ética e como teologia.

Todos esses aspectos revelam perspectivas segundo as quais se pode estudar o mesmo fenômeno.

Em Platão podemos encontrar o estudo da política segundo alguns desses aspectos, pois se preocupa com a conformação entre a realidade do modelo humano e a realidade das idéias existentes no modelo divino.

Dá conotação também a ação política, que tem por objetivo exatamente transportar o modelo divino para o nível do modelo humano.

Aristóteles, no contexto de sua filosofia mais realista, procura delinear que “A Cidade só é, pois comunidade verdadeiramente política quando se torna comunidade ética”.

No abrigo dessas idéias, fortificamos o sentido da autoridade da lei, como instrumento de atuação do governante justo, prudente e virtuoso, no agir segundo o logos, cujo reino repousa no bem-viver da comunidade da polis.

Com isso, passamos a esculpir a atual posição política econômica (ethos) do governante, diante de uma polis diversificada e interligada pelas relações econômicas globais.

Destarte, acrescentando a idéia filosófica da temática, é deveras oportuno ressaltar que : ” Na Filosofia retratada no Estatuto da Lei de Platão, a preponderância da epistemologia política sobre a lei e o costume não implica uma pura e simples condenação dessas últimas. O governante (político), porque não é deus, não pode exercer sua providência em toda parte, ao mesmo tempo. Dessa forma, a lei representa o substituto imperfeito, mas cômodo sem obrigar o legislador. A lei adquire assim uma legitimidade derivada; ela é uma imitação imperfeita mas não arbitrária da justa medida (metron) imanente ao cosmos; ela é, pois, metafisicamente fundada (Solange Vergnières).

Recentemente a alteração no cenário econômico do pais, provocou a indexação da moeda norte americana, descontrolando de forma exacerbada as relações de ordem privada.

Neste quadro, transportando o fato atual para o cenário filosófico, comportamos ao exame da atitude (ethos) do governante, quanto ao bem -viver da cidade (polis).

Contrariamente a epistemologia filosófica, o governante dissipou os ideais do justo político.

A atitude autárquica desencadeou na instabilidade do princípio da liberdade e da igualdade, no proposto modelo democrático Aristotélico.

No sentido pedagógico, analisamos o acontecimento, posto a reflexão da “teoria da imprevisão”.

Nesse sentido, nas questões de Direito Civil, a “teoria da imprevisão” se destaca no que concerne a fatos “economicamente relevantes” que modifiquem o pactuado entre as partes.

A convenção dos interesses das partes contratantes, no entanto, posto a sujeição a vulnerabilidade a que se submete o cidadão de uma polis, nos ditames políticos e dos demais membros dessa comunidade, desencadeou na lei reguladora de interesses, o sentido de primar pela liberdade e igualdade do modelo do sistema democrático.

Dessa idéia, por intermédio dos magistrados laborou-se o que se denomina o “Código de Defesa do Consumidor”.

Nesse diploma legislativo (Código Ético -ethos), o que se busca na comunidade organizada, é estabelecer princípios de proteção ao mercado de consumo, dentre os quais, reconhecimento da posição de vulnerabilidade do Consumidor; conquanto sendo este princípio – a base do sistema.

Com isso, dispõe a lei em comento, ser direito básico do consumidor, “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivo e difusos, havendo inclusive, a facilitação da defesa de seus direitos, com a inversão do ônus da prova em seu favor”.

No entanto, face a atuação do politicus – do governante democrático, as relações convencionais dos cidadãos da cidade, perdeu-se do sentido legislativo (da lei).

Dessa forma, o consumidor titular de um direito reconhecido pela comando da lei, recorre ao juízo dos magistrados, como guardiães das leis, no sentido de buscar a equidade (Aristóteles) .

Dessa forma, a ação dos cidadãos da cidade é legítima, preponderando os seguintes aspectos:

a) imprevisibilidade da economia, na propositura de uma democracia deformada;.

Nesse sentido, cabe notar descrição filosófica

“Em Contra Mídias, Demóstenes louva a lei porque ela permite a todos viver sem temor; a democracia é o regime no qual cada um sabe que “ninguém virá agarrá-lo à força, nem maltratá-lo, nem feri-lo. Os cidadãos podem, portanto, estar certos de não viver entre si como fazem os animais, como o fazem as cidades entre elas.

b) procedimentos adotados pelas instituições financeiras, no sentido das convenções abarcarem a inserção de moeda americana, o que é vedada expressamente pelo diploma consumerista, que é norma cogente de ordem pública e de interesse social interesse da comunidade da polis.

O que se verifica, espistemologicamente, é a intervenção do Estado no âmbito da política econômica, culminando na “imprevisão de estado econômico”, ao qual resultou no desequilíbrio das relações de ordem privada.

De forma a demonstrar a licitude dos argumentos, vale dizer lições atuais de Direito Econômico, cuja influência demonstra a elevação da temática ao campo filosófico.

Nessa retórica do contexto, abarcamos o entendimento de João Bosco Leopoldino da Fonseca, “In Direito Econômico, R.J., Ed. Forense, pág. 35, in verbis”

“Afirma a este respeito Orio Giacchi: ‘ A atividade econômica exercitada pelo Estado acha-se aqui sempre defronte à necessidade de uma ação conforme com o campo em que ela se desenvolve, isto é, dirigida ao máximo proveito, em contraprestação potencial, mesmo que nem sempre atual, à necessidade não menos cogente de fazer corresponder esta ação ao fim geral ao qual ela deve tender, isto, é o máximo bem-estar da comunidade a conseguir-se com pleno respeito da justiça legal e ética.

Este imanente contraste de caráter geral aprofunda-se e se exaspera toda vez que o fim econômico que o estado deveria alcançar com a sua atividade econômica, como qualquer outro operador no campo econômico, se choca não tanto contra razões gerais de legalidade, de justiça ou de interesse da comunidade, mas com específicas posições políticas, de caráter interno ou internacional, as quais para o Estado, ou ao menos para seus governantes naquele dado momento histórico, superam enormemente as razões econômicas.”(L’Intervento dello Stato nell’Attivittà Economica, II Diritto dell’Economia”, vol. 13, nº 4, pp. 397, 421, 1967)

Nesse parecer, a indexação da moeda norte americana, posto a atuação na política econômica da cidade, pode ser considerada “fato imprevisível” para justificar pedido de revisão do juízo dos magistrados do convencionado, haja vista a estabilidade da política econômica do Governo, havida desde 1994, introduzida com o plano real.

Conquanto, cobrindo a expectativa da defesa do cidadão da polis, quanto ao aspecto da “imprevisibilidade”, a política monetária introduz diferenciais nas relações de ordem privada, de modo a levar a interferência do direito, na acepção de compor o confronto da espistemologia jurídica, ética, política e filosófica.

Nessa condição iterativa, moldamos o seguinte sentido filosófico: “O juízo dos magistrados é “justo” se ele satisfaz a duas condições:

a) Um juiz é justo não porque se refere a uma idéia pessoal do justo, por melhor que ela seja, mas porque julga conforme à lei; não faz justiça em seu próprio nome, mas em nome da cidade. Aristóteles acrescenta que “o magistrado educado pela lei julga bem”; o juízo intelectual, ainda vez, é condicionado por ethos que recebeu o impacto da constituição.

b) O bom juiz não é somente juiz leal, é juiz capaz de suprir a lei nos campos em que ela está ausente, dando prova de equidade. Sabe-se que a equidade pode se manifestar em dois níveis diferentes . A equidade designa, primeiro, a maneira mais perfeita de ser moralmente justo, além da lei da cidade. Diz respeito, pois, à dikaiosyne (virtude de justiça) e ao justo absoluto não à dike.

Dessa forma, cumpre acrescentar aspectos ideológicos e espistemológicos, sobre direito econômico, de maneira a embasar a tese da aplicabilidade ao caso vertente sublimado da “teoria da improvisão”, ob. citada, pág. 25, in verbis:

“A esse respeito assinala Antônio Trócoli” é evidente que, no campo das últimas décadas, os fenômenos econômicos e sociais têm vindo apurando e acelerando tanto os acontecimentos políticos dos países e dos povos, que necessariamente o direito, como receptor e canalizador desta problemática, não pode subtrair-se (…). O fenômeno jurídico em última perspectiva conota uma ferramenta, um instrumento de coesão, de conserto, de paz. Pelo contrário, o econômico se apresenta como uma força de desagregação, de tirania, da mesma forma que a economia é a ciência da escassez, que pretende adequar meios limitados perante a limitação de fins. Com isso gera e provoca, dentro da consciência social, fatores de choque, de dissociação, que o jurídico trata de canalizar, de ordenar, buscando o equilíbrio dessa convivência transtornada pelo fenômeno econômico. O direito então seria um pouco a compatibilização das liberdades através de uma ordem. Talvez seja seu objetivo fundamental. Digamos, como tentativa de síntese, que enquanto o econômico é a força vital criadora de energias que incita o direito, ocorre que, ao mesmo tempo, o perturba determinado os desequilíbrios. O direito, não só o ordenamento positivo mas os princípios e modelos, trata de conter esses energias geradoras de choque e confronto sociais, de ordenar…

(“Influência de la Economia en el Derecho” in Derecho Privado Econômico, 1970, p.5).

Assim sendo, perfeitamente aplicável a “teoria da imprevisão” ao fenômeno da indexação da moeda norte americana, de modo a submeter ao juízo dos magistrados o restabelecimento da igualdade comprometida.

Por fim, é na prova da equidade é que veremos as iniquidades serem extirpadas, no sentido de lograr a presença da verdadeira democracia – da excelência moral do político – da justa medida – do justo – do bem-viver da comunidade.

Bibliografia

Aristóteles, A Política, SP., Paulus;

Barker, Sir Ernest – Teoria Política Grega, Brasília, Ed.,Unb;

Ética e Política em Aristóteles, Solange Vergnières, SP., Paulus;

Fonseca, João Bosco Leopoldino da Fonseca, Direito Econômico, R.J., Forense.

Platão, A República, Brasília, Ed.,Unb;

Reale, G. História da Filosofia, vol. I, SP, Paulinas;

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