Continuação: Abuso das administradoras de cartões de crédito
18 de setembro de 1999, 0h00
Abuso das Administradoras de Cartões de Crédito sob Prima Ordem Jurisprudencial
Cobrança na Fatura Mensal de Uso Indevido por Furto, Roubo ou Extravio
Nos contratos descritos anteriormente, somente o consumidor poderá se valer desta prerrogativa, desde que esteja amparado pela comunicação prévia à administradora à ocorrência do furto, roubo ou extravio. Entretanto, em ambos os contratos, o consumidor poderá se responsabilizar com pagamentos, pois a responsabilidade da administradora será em conformidade com os contratos limitada ou facultativa.
Entretanto, devemos lembrar que o artigo 1523 do Código Civil, que exige o pressuposto da culpa para a responsabilização civil das pessoas jurídicas. O Código de Defesa do Consumidor adota a responsabilidade objetiva por fato do serviço: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
O empreendedor só se libera dos riscos se provar a ocorrência das hipóteses do § 3º do art. 14, a saber: “I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.
Assim, podemos concluir que a cláusula protestativa da Administradora dos Cartões deve ser declarada nula, pois a responsabilidade será essencialmente da Administradora. Vejamos a seguinte ementa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Responsabilidade civil. Cartão de crédito furtado. Compras efetuadas antes da comunicação do furto. Fato do serviço. Riscos do empreendimento. Falta de cautela do estabelecimento vendedor. Inexistência de culpa exclusiva do titular do cartão. Responsabilidade da empresa exploradora do negócio.
Como prestadora de serviços, correm por conta da empresa exploradora de cartão de crédito os riscos do seu empreendimento.
Destarte, cabe-lhe arcar com os prejuízos decorrentes do furto, roubo ou extravio do cartão, salvo prova inequívoca de ter o evento ocorrido por fato exclusivo do titular. A demora na comunicação do furto não se erige em causa adequada se a prova evidencia que ela teria sido inócua em face da falta de cautela do estabelecimento vendedor e por terem sido efetuadas as compras antes do prazo normal de comunicação. Pelo fato culposo do estabelecimento vendedor, que não atentou para a assinatura grosseiramente falsificada, o titular do cartão não pode ser responsabilizado por não ter com aquele nenhum vínculo jurídico.
Nulidade Contratual pelo Uso Protestativo da Cláusula Mandato:
O Artigo 51, inc. VIII do Código de Defesa do Consumidor considera nulas as cláusulas que “imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor”.
Nos dois contratos das Administradoras de Cartões de Crédito, é possível indicar ao menos duas modalidades em que se manifesta a cláusula mandato:
a) A cláusula pela qual o consumidor constitui sua bastante procuradora a Administradora, a quem confere, de forma irrevogável, poderes para o fim de caso necessário e a qualquer tempo, emitir uma letra de câmbio relativa à dívida principal e encargos, ou correspondentes ao valor de qualquer das parcelas ou débitos em razão do contrato, podendo, inclusive, substabelecer no todo ou em parte;
b) A cláusula em que o titular do cartão de crédito outorga à Administradora do Cartão um mandato especial para representá-lo junto a toda e qualquer instituição financeira, incluindo nesse mandato os poderes para obter, em nome e por conta do consumidor, financiamento por valor não excedente ao saldo devedor apurado em conta, podendo a administradora para tanto negociar e ajustar prazos, acertar as condições e o custo do financiamento e demais encargos da dívida cobrados pelas Instituições Financeiras e assinar contratos para o financiamento.
A questão acima refere-se à abusividade da cláusula mandato nos contratos firmados com as Administradoras de Cartões e que afeta o equilíbrio das relações contratuais e portanto, sob a égide do Artigo 51 do CDC a nulidade absoluta da referida cláusula. Consolida-se plenamente a desvantagem exagerada do consumidor associado em detrimento da Administradora do Cartão e o resultado do desequilíbrio das posições contratuais. Vejamos o que pensa o nosso SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RESP 144375/SP DATA:03/11/1998
Ministro CESAR ASFOR ROCHA (1098)
CIVIL. NULIDADE. NOTA PROMISSÓRIA CONSTITUÍDA A PARTIR DE MANDATO INSERIDO EM CLÁUSULA. CONFLITO ENTRE OS INTERESSES DO REPRESENTANTE E DO REPRESENTADO. PRECEDENTES.
Não tem validade a cambial emitida a partir de mandato outorgado pelo devedor, no bojo do contrato com titular de cartão, em favor da empresa credora. (É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste” – verbete n. 60 da Súmula desta Corte).
Nulidade da Cobrança em Excesso nas Multas Contratuais e Honorários. Restituição de Cobranças de Cobrança Ilegais
Nos Contratos de Adesão das Administradoras de Cartões de Crédito temos uma série de abusividades contratuais no que tange aos excessos de cobrança de multas contratuais e honorários advocatícios, bem como a perda quase total da taxa de adesão para as Administradoras. Devemos entretanto, lembrar que:
1) Multa contratual: Conforme o art. 52, parágrafo primeiro, do Código de Defesa do Consumidor a multa de mora, ou seja, a que é cobrada por atraso do devedor, é limitada a 2%. Esse percentual de dois por cento foi introduzido no Código através da Lei 9298/96, no mês de agosto desse ano. Assim, os consumidores que, a partir daquela data, tenham pago multas por atraso em valor superior àquele percentual, têm direito à devolução do que pagaram a mais, acrescido de juros e correção monetária. As cláusulas contratuais que contenham percentuais de multa superiores ao previsto no Código, são abusivas, e portanto, nulas.
2) Honorários advocatícios: As cláusulas que se referem aos honorários advocatícios, nas quais é imposto um percentual, geralmente, de 20% (vinte por cento) sobre o valor da cobrança, somente contra o consumidor, também ferem a Lei, porque o correto seria estabelecer de igual modo contra o fornecedor, nos termos do art. 51, XII do Código, segundo o qual são nulas, de pleno direito, as cláusulas que obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança da sua obrigação sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor.
3) Cláusula mandato: São as cláusulas que autorizam o fornecedor (ex.: uma administradora de cartão de crédito) a representar o cliente como seu procurador (mandatário) para obter recursos financeiros destinados ao pagamento dos débitos por ele contraídos.
Essas cláusulas dão poderes ao próprio fornecedor para assinar contratos de financiamento, abrir conta e movimentar valores financeiros, acertar prazos, juros e encargos da dívida, repactuar taxas de juros (sem limite) e emitir títulos representativos do débito perante instituições financeiras (quaisquer que sejam). São nulas porque, além de unilaterais, desequilibram o contrato, impõem representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo cliente, ofendendo princípios fundamentais do sistema de defesa do consumidor.
Juros Limitados nos Cartões de Crédito segundo a Ordem Jurisprudencial
Devemos inicialmente transcrever o importante pensamento do Jurista JOSÉ AFONSO DA SILVA respeito dos juros limitados: “Está previsto no parágrafo terceiro do artigo 192 que as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze pôr cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar. Este dispositivo causou muita celeuma e muita controvérsia quanto a sua aplicabilidade. Pronunciamo-nos, pela imprensa, a favor de sua aplicabilidade imediata, porque se trata de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do artigo.
Devemos ainda expor que a maioria dos doutrinadores são favoráveis a limitação dos juros constitucionais em 12 % ao ano os Juristas: Régis Fernandes de Oliveira (RT666/233), Edvaldo Brito (A Constituição Brasileira, 1988, vários autores, Forense Universitária, p. 393 e segs.), Eros Roberto Grau, Sergio Gischklow Pereira, Araken de Assis (artigo e decisões publicadas em A Luta contra a usura, Organização Fernando Gasparian, Coordenação de Roberto Fernandes de Almeida, Graal ed. p. 37 à 123), José Afonso da Silva, Nagib Slaib Filho e Luis Roberto Barroso. E isto se aplica aos Contratos de Adesão das Administradoras de Cartões de Crédito, principalmente no sistema rotativo. Vamos analisar entretanto, a posição da jurisprudência a respeito da limitação dos juros nos Contratos de Cartão de Crédito
TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DO PARANÁ APELACAO CIVEL 0104491-9 – APUCARANA – Ac. 9074
JUIZA DULCE MARIA CECCONI – OITAVA CAMARA CIVEL
APELACAO CIVEL – ACAO DE COBRANCA – CONTRATO DE CARTAO DE CREDITO – DEBITO COMPROVADO – ART. 192, 3 , DA CONSTITUICAO FEDERAL – NORMA QUE INDEPENDE DE NORMA INFRACONSTITUCIONAL PARA SUA APLICACAO, ANTE A IMPOSSIBILIDADE DE AFRONTA AO LIMITE MAXIMO (12% AO ANO) NELA ESTABELECIDO.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO SANTA CATARINA APELACAO CIVEL 39598 – JOINVILLE
DES. AMARAL E SILVA – TERCEIRA CAMARA CIVEL
JUROS – CARTÃO DE CRÉDITO NÃO BANCÁRIO – EXIGÊNCIA ACIMA DA TAXA LEGAL – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO. “A circunstância do título ter sido emitido pelo devedor, voluntariamente, com os requisitos formais, não elide a ilegalidade da cobrança abusiva de juros, sendo irrelevante a instabilidade da economia nacional. O sistema jurídico nacional veda a cobrança de juros acima da taxa legal” (STJ – Min. Sálvio de Figueiredo). Sendo incontroverso que a promissória inclui juros excessivos, cobrados por quem, não integra o sistema financeiro nacional, procedem os embargos para que a execução prossiga sobre a quantia efetivamente devida.
Proibição da Prática do Anatocismo Financeiro pela Administradora de Cartão
O anatocismo, realmente a lei veda a sua prática, ao impedir a contagem de juros dos juros, mesmo em se tratando de Administradora de Cartão de Crédito, pois a previsão do art. 4º, do Decreto nº 22.626, de 07.04.33 – Lei de Usura, não foi revogada pela Lei nº 4.595/64.
E o Egrégio Supremo Tribunal Federal, pela Súmula 121, consagrou tal orientação: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.
Responsabilidade Civil pelos Danos Gerados pela Indevida Inscrição nos Serviços do SPC pela Administradora do Cartão de Crédito
Finalmente devemos ressaltar que uma indevida inscrição dos nomes de consumidores nos cadastros do Serviço de Proteção ao Crédito poderá gerar uma série de danos que devem ser indenizáveis pela Administradora. Vejamos os principais precedentes dos nossos Tribunais a respeito do assunto:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RESP 165727/DF QUARTA TURMA Ministro SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA
DIREITO DO CONSUMIDOR. INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SPC. FURTO DO CARTÃO DE CRÉDITO. DANO MORAL. PROVA. DESNECESSIDADE. COMUNICAÇÃO AO CONSUMIDOR DE SUA INSCRIÇÃO. OBRIGATORIEDADE. LEI 8.078/90, ART. 43, § 2º. DOUTRINA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. FIXAÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I – Nos termos da jurisprudência da Turma, em se tratando de indenização decorrente da inscrição irregular no cadastro de inadimplentes, “a exigência de prova de dano moral (extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular” nesse cadastro.
II – De acordo com o artigo 43, § 2º do Código de Defesa do Consumidor, e com a doutrina, obrigatória é a comunicação ao consumidor de sua inscrição no cadastro de proteção de crédito, sendo, na ausência dessa comunicação, reparável o dano oriundo da inclusão indevida.
III – É de todo recomendável, aliás que a comunicação seja realizada antes mesmo da inscrição do consumidor no cadastro de inadimplentes, a fim de evitar possíveis erros, como o ocorrido no caso. Assim agindo, estará a empresa tomando as precauções para escapar de futura responsabilidade.
IV – Não se caracteriza o dissídio quando os arestos em cotejo não se ajustam em diversidade de teses.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
APELAÇÃO 2591 /1999 – Reg. 07/05/1999 – DES. PAULO LARA
Responsabilidade Civil. Inclusão do nome em rol de devedores. SERASA. Dano moral configurado. Tendo a empresa de cartões de crédito incluído, indevidamente, o nome do autor no rol dos devedores do SERASA, o que importa em anunciar à praça a sua inadimplência, configurado restou o dano moral, a exigir reparação, em dosimetria equilibrada, como feito pelo prolator da sentença, em cinqüenta salários mínimos, em consonância com os parâmetros, para hipóteses similares, normalmente adotados por esta Câmara. Improvimento do apelo. (GAS)
BB ADMINISTRADORA DE CARTOES DE CREDITO S/A
MANOEL BARBOSA DA SILVA
PORTANTO, SOMENTE COM O PRESENTE ESTUDO PODEMOS APROFUNDAR A QUESTÃO E ALERTAR AOS CONSUMIDORES E ADERENTES AOS CONTRATOS DAS ADMINISTRADORAS DE CARTÕES DE CRÉDITO DOS ABUSOS COMETIDOS E NUMA VISÃO JURISPRUDENCIAL E MANIFESTAÇÃO ATUAL DOS NOSSOS TRIBUNAIS A RESPEITO DOS TEMAS EM DISCUSSÃO PARA A MANUTENÇÃO DO EQUILIBRIO ECONÔMICO E CONTRATUAL.
Mais informações sobre o exposto no artigo no site http://www.direitobancario.com.br
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!