Contratos de leasing

Equivalência cambial nos contratos de leasing: uma falsa polêmica.

Autor

23 de julho de 1999, 0h00

Desde que, em janeiro de 1999, a mudança da política cambial do governo provocou uma forte variação no preço do dólar, instaurou-se nos meios jurídicos e na mídia uma discussão a respeito da situação em que se viram os arrendatários que haviam contratado com variação cambial, cujas obrigações viam-se, assim, aumentadas de inopino, significativamente.

Alguns aventuraram-se a dizer que a cláusula de variação cambial seria simplesmente nula; posição que, no entanto, não foi mantida por muito tempo, ante a clareza do texto legal (artigo 6º, da lei 8.880, de 27 de maio de 1994), que expressamente permite a celebração de contratos de arrendamento mercantil com variação cambial, quando os recursos captados pela arrendadora sejam oriundos do exterior.

A razão de ser desse dispositivo não é nenhum “privilégio” concedido às empresas de leasing. Ocorre que esses recursos estrangeiros por elas captados devem ser considerados de “boa qualidade”, por mais de uma razão: primeiro, entram no país com data certa para sair (no vencimento), não se tratando de dinheiro volátil, capaz de desaparecer em conseqüência de qualquer “susto” pregado nos investidores em razão de crises internas ou externas; segundo, são recursos aplicados pelas arrendadoras direta e exclusivamente na aquisição de bens para arrendar, ou seja, na produção e não na especulação financeira; terceiro, como fonte de captação, os empréstimos externos são mais baratos do que os internos. Por isso, descontada a variação cambial, o custo financeiro dos contratos lastreados em capital externo fica usualmente inferior à metade do custo daqueles celebrados com recursos captados internamente.

Pelas estatísticas da ABEL (Associação Brasileira de Empresas de Leasing), foram perto de um milhão e meio os contratos celebrados em 1997 e 1998, por pessoas físicas, com variação cambial. Esse total, que é certamente significativo, representa, no entanto, apenas cerca de 18% (dezoito por cento) do total dos contratos firmados no mesmo período; ou seja, nos dois últimos anos antes da desvalorização, foram cerca de 270.000 as pessoas físicas que contrataram com variação cambial. Dos demais, a imensa maioria (perto de 80%) são contratos com contraprestações prefixadas em reais, havendo um pequeno percentual em que adotou-se a variação pela TR ou pela TBF.

Esses números levam a duvidar de outra crítica que foi e tem sido muito alardeada pelos que agora se insurgem contra a cláusula de variação cambial: a de que os arrendatários teriam sido ludibriados para aceitar a cláusula de variação cambial, sem serem devidamente alertados dos riscos envolvidos. Se isso fosse verdade, não haveria como justificar que a imensa maioria deles preferiu os contratos com valores prefixados em Reais, mesmo pagando pelo menos o dobro do custo financeiro (convém registrar, também, que este custo, nos contratos de leasing prefixados em reais, tem ficado em torno dos 50% ao ano, muito abaixo das outras modalidades do sistema financeiro).

E, de fato, embora o número de um milhão e meio de pessoas pareça grande, é, na verdade, menos de um por cento da população. É pouco mais de dez por cento dos que declaram Imposto de Renda. Fica abaixo da tiragem semanal somada das três maiores revistas do país (VEJA, Isto É e Época, que totalizam 1,92 milhão de exemplares, segundo reportagem publicada na revista ÍCARO, número 176).

Não se trata, portanto, de um contingente de desinformados. Tanto assim que, do milhão e meio de arrendatários (pessoas físicas), apenas 270.000 preferiram arriscar a variação cambial – e mesmo com toda a celeuma criada pela imprensa e com a sucessão de medidas judiciais aparelhadas Brasil afora por entidades dedicadas a defender consumidores, as empresas de leasing já registram que, daqueles arrendatários que passaram a ter dificuldades em razão da alta do dólar (na verdade, a maioria continuou pagando suas obrigações regularmente), mais de 60% (sessenta por cento) já renegociaram seus contratos, adequando os valores à sua capacidade mensal de pagamento e voltando a ficar em paz. Os 40% faltantes ou estão simplesmente inadimplentes (e provavelmente também estariam, mesmo que o dólar não tivesse subido), ou estão se beneficiando de alguma liminar judicial, pagando prestações corrigidas monetariamente pelo INPC. O nível total de inadimplência do setor, no entanto, estabilizou-se perto dos 5% (cinco por cento), o que é muito, mas não é tanto quanto seria de se esperar caso efetivamente a alta do dólar tivesse tido o efeito catastrófico que alguns tentam aparentar. É significativo o fato de que, de cada cem contratos celebrados, noventa e cinco chegam a bom termo.

Esses são os dados que efetivamente permitem a correta análise da questão. Mostram, primeiro, que a “imprevisão” alardeada não é assim tão evidente. Se imprevidentes houve, foram minoria. Mostram, ainda, que a maior parte dos atingidos pela alta do câmbio, precisamente por saber o risco que corria, absorveu a novidade, ou já se compôs de modo a superá-la. E, na verdade, como o custo financeiro dos contratos em dólar é cerca de metade do custo dos contratos em reais, muito mais do que um prejuízo esses arrendatários tiveram foi a redução de uma vantagem: se for feita a comparação concreta de dois contratos, um em reais prefixados, outro em dólares maxivalorizados, verá quem quiser ver que a soma total das prestações pagas por um e outro arrendatários não fica muito diferente. Ao contratar em dólar, o arrendatário assumiu um risco, que, se não manifestado, lhe proporcionaria uma vantagem significativa; manifestado o risco, no entanto, é razoável que ele perca a vantagem esperada, pois essa é uma álea normal do contrato que assinou.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!