Sotelo defende Erário paulista

Governo paulista reverte decisões judiciais e poupa R$ 7,7 bi

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13 de julho de 1999, 0h00

Pagar indenizações tornou-se um item que concorre hoje nos orçamentos governamentais com rubricas como Educação e Saúde. Se um dia já se disse que governar é abrir estradas, hoje a frase de Washington Luiz serviria à paródia de que governar é pagar dívidas.

Essa situação dá relevo ao papel do advogado público encarregado de estancar os oceanos de indenizações nem sempre razoáveis, nem sempre justas.

Responsável pela defesa do Erário paulista, o procurador-geral do Estado, Márcio Sotelo Felippe orgulha-se de ter poupado aos cofres públicos pelo menos R$ 7,7 bilhões em decisões revertidas na Justiça, desde o início do governo Covas.

A Procuradoria-Geral do Estado é composta hoje por cerca de 900 advogados públicos que atuam nos campos de contencioso, consultoria e da Assistência Judiciária. Segundo os dados do Sindicato dos Procuradores do Estado (SindiproesP), o quadro está desfalcado com mais de 600 vagas não preenchidas. A estrutura seria insuficiente também em termos materiais – a PGE sequer está informatizada.

Ainda assim, Sotelo Felippe afirma que a Procuradoria tem cumprido adequadamente seu papel. Nesta entrevista, ele informa que o estoque de precatórios judiciais do Estado, acumulados desde a década de 80 é de cerca de R$ 5 bilhões, sendo que o governo atual já pagou R$ 1,6 bilhão.

Consultor JurídicoO país está experimentando uma febre litigiosa. No que toca aos governos, práticas antes admitidas hoje são consideradas condenáveis e passíveis de indenização. A responsabilidade objetiva do Estado perante a Justiça tornou-se um item pesado no orçamento. Quais são as tendências, hoje, nessa matéria?

Márcio Sotelo Felippe – O Estado de São Paulo acaba de promulgar a Lei de Procedimentos Administrativos que prevê, entre outras coisas, um procedimento específico para o recebimento das indenizações pelas quais o Estado é responsável.

É difícil imaginar o impacto disto, mas é preciso ter em mente que o ente público tem ação regressiva contra o responsável nos casos de culpa ou dolo. Não deve ser a sociedade quem deve arcar com este ônus.

Deve ainda ser ressaltado que a orientação vigente na minha gestão, mesmo antes da lei de Procedimentos, era o de propor ao Governador, nos casos de notória violação de direitos por parte de agentes públicos, a indenização às vítimas. Foi assim no caso da Favela Naval e do 42º DP, e o Governador concordou com ambos.

CJNesse aspecto, a reforma do Judiciário pode mudar a situação? Parece razoável o relatório do Aloysio ter embutido discussão sobre pagamento de precatório em contexto destinado a resolver problemas da Justiça e não do Executivo?

Márcio Sotelo – A questão dos precatórios é do Judiciário, do Executivo e de toda a sociedade. Há muita desinformação e simplismo em relação a isto. A dívida acumulada dos precatórios é herança de mais de 15 anos – nós estamos pagando ainda precatórios anteriores a 1988.

Este estoque de dívida foi crescendo graças à sistemática constitucional vigente, que no tempo da inflação permitia que os entes públicos pagassem menos de 10% da obrigação, tudo rigorosamente de acordo com a norma constitucional – formalmente em ordem, portanto.

Agora, paga-se, em termos reais, muito mais do que se pagava antes. Ao contrário do que parece acreditar o senso comum, é agora que os entes públicos estão pagando os precatórios. Nos quatro anos e meio de governo Covas, pagou-se 1,6 bilhão de reais, contra aproximadamente 1 bilhão nos últimos oito anos.

Agora, simplesmente não é racional imaginar que seja possível pagar todo o estoque acumulado imediatamente. No caso de São Paulo, a dívida é de cerca de 5 bilhões. A sociedade não pode ficar sem Estado durante cinco meses para que só se pague precatórios. É preciso ter paciência e propor mesmo soluções constitucionais que dêem um elemento de racionalidade à questão.

CJQuais são as sugestões da PGE para a reforma do Judiciário? Como o senhor vê a presença de dois Procuradores do Estado de SP no proscênio dessa discussão: um na presidência da Câmara outro na relatoria da reforma? O senhor assina embaixo do relatório do Aloysio? E das mudanças do Temer?

Márcio Sotelo – A instituição não teve tempo hábil para discutir uma proposta. Tudo correu muito rápido. Fizemos alguns debates e mandamos algo para o Deputado Aloysio mais a título de contribuição das pessoas que se dispuseram a debater do que a título de posição da instituição.

Pessoalmente, acho o controle externo proposto pelo Aloysio muito pouco externo, muito tímido.

A mudança proposta em relação à Justiça do Trabalho é administrativa, e não propriamente jurisdicional. Tem recebido críticas injustas, como se ele tivesse proposto a revogação do Direito do Trabalho, e não uma mudança administrativa na prestação da jurisdição. Penso que o incidente de inconstitucionalidade e a súmula vinculante precisam ser mais debatidos pela sociedade, não sei porque fazer uma reforma dessa envergadura com tanta pressa.

Claro que a PGE de São Paulo sente-se honrada com a presença dos deputados nesse cenário. Aliás, temos tradição de grandes quadros nesta República, basta lembrar de Ulisses Guimarães e Franco Montoro.

CJE o que dizem os astros sobre a relação Estado X particular no âmbito paulista? Como é disputar com a estrutura de que dispõe o Estado contra os superescritórios muitíssimo bem pagos?

Márcio Sotelo – Nós temos nos saído muito bem. Compensamos o que não temos em termos de estrutura com o porte intelectual de nossos quadros e com a disposição de servir ao interesse público. Conseguimos grandes vitórias, como a suspensão do precatórios indecentes, um de 1 bilhão de reais e outro de 700 milhões.

Estamos fazendo uma vitoriosa revisão nas ações de desapropriação indireta, as chamadas ambientais, evitando a sangria dos recursos públicos de que é tão carente nosso Estado, recursos que fazem falta em investimentos sociais e na melhoria de vida do povo paulista.

Nossa vitória na Adin 1.098, no STF, evitando o recálculo dos precatórios em ofensa à coisa julgada, economizou para o Estado aproximadamente 6 bilhões. Talvez tenha sido a maior, ou uma das maiores, causas já julgadas pelo Judiciário. Diante desses fatos, penso que nosso cliente – o Estado, vale dizer, o povo de São Paulo – não tem do que se queixar de seus advogados.

CJQuem manda mais: o poder político ou o poder econômico?

Márcio Sotelo – Eu pondero o seguinte: uma distinção formal enuncia que o poder econômico, constituído pelos grandes empresários, controla a produção social e a distribuição de seus resultados, ao passo que o poder político controla o aparelho estatal.

Mas parece claro que essa é uma dicotomia simplificadora, cada vez mais improvável de ser constatada na prática numa época em que já se tornou ostensiva a imbricação entre “ambos” os poderes.

A observação histórica demonstra que, salvo em conjunturas políticas excepcionais (por exemplo, nos chamados regimes bonapartistas), essa dicotomia não tem funcionalidade real na prática, pois o poder econômico existente na sociedade termina por erigir-se também em poder estatal.

É certo que há uma autonomia de cada uma dessas esferas. Mas, se estivermos verdadeiramente dispostos a buscar o que ou quem no mais das vezes inspira, institui, organiza e move a política, não tardaremos a cruzar em nosso caminho com os personagens do noticiário econômico ou com seus representantes intelectuais. Mas também não acredito em análises simplificadoras e deterministas, é uma questão terrivelmente complexa.

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