As Cooperativas de Trabalho

Cooperativas de Trabalho e o Vínculo Empregatício

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8 de julho de 1999, 0h00

AS COOPERATIVAS DE TRABALHO E O VÍNCULO EMPREGATÍCIO *

Considerando a tendência de terceirização na prestação de serviços acessórios por parte das empresas visando a redução de custos e o enxugamento da estrutura administrativa, objetivamos no presente tecer considerações sobre as sociedades cooperativas, em especial quanto aos aspectos trabalhistas decorrentes da relação contratual mantida entre estas e as demais pessoas jurídicas.

1. Evolução Legal e Constitucional

As Sociedades Cooperativas podem ser conceituadas, de forma ampla, como associações voluntárias de pessoas que contribuem com seus bens e/ou serviços para o exercício de atividade econômica de proveito comum, com natureza civil, afim de obter para si, as vantagens advindas desse agrupamento, sem fins lucrativos.

No que tange ao tratamento legal, encontram-se reguladas pela Lei 5.764, de 16.12.1971, com as alterações promovidas pela Lei nº 6.981, de 30.03.1982, a qual define a Política Nacional do Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências.

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a dispor sobre o tema, elaborando política de estímulo ao desenvolvimento das cooperativas, com a inexigibilidade de autorização para a criação das sociedades cooperativas, protegendo-as contra a intervenção estatal em seu funcionamento (artigo 5º, inciso XVIII), bem como o apoio e estímulo da lei ao cooperativismo e a outras formas associativas (art. 174 e parágrafos).

2. A Similaridade das Cooperativas com as Sociedades Comerciais

O contrato das sociedades cooperativas, nos termos do art. 3º da Lei nº 5.764/71, é celebrado por pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício e determinada atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro, o que caracteriza como sociedade de natureza civil.

Enquanto as sociedades comerciais têm por objeto o exercício habitual de ato de comércio com o intuito de lucro, caracterizando-se como sociedades mercantis, as sociedades cooperativas, por sua própria natureza jurídica, atuam como sociedades de suporte, intermediando operações entre o mercado consumidor, a mão-de-obra e as fontes produtoras, além de coordenar e distribuir as tarefas para seus associados. A princípio, não são constituídas com a finalidade de lucro.

Entretanto, tal afirmação deixa de fazer sentido na medida em que as operações de venda, aquisição ou fornecimento de bens, produtos e serviços, não envolvam os atos cooperativos, afastando-se da relação operacional entre a sociedade cooperativa e os seus associados-cooperados, pela comercialização de seus produtos e serviços com terceiros não-associados.

A própria Lei nº 5.764/71, em seu art. 79, define o ato cooperativo:

“Art. 79 – Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associadas, para a consecução dos objetivos sociais.

Parágrafo Único – O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.

É importante ressaltar que as importâncias devolvidas pelas sociedades cooperativas aos seus associados, provenientes exclusivamente da execução de atos cooperados, são consideradas como retorno ou sobras, e não como rendimentos ou lucros distribuídos, entendimento este expressado por ocasião do Parecer Normativo nº 522/70, da Coordenação do Sistema de Tributação da Secretaria da Receita Federal.

Segundo Wilson Alves Polônio (in Manual das Sociedades Cooperativas, ed. Atlas, 1998), o animus de apurar lucro, está presente nas operações realizadas entre as cooperativas e terceiros não-associados, pois os associados cooperados, em última instância, são os beneficiários do produto da venda efetuada pela cooperativa e, estes sim, têm o objetivo de lucro, não obstante possam constituir-se, no mais das vezes, por pessoas físicas.

Por sua vez, a legislação previdenciária considera as sociedades cooperativas como “empresa” para fins de incidência das contribuições destinadas à Seguridade Social, estabelecendo tratamento tributário idêntico às demais pessoas jurídicas, como se observa no disposto pelo art. 15, Parágrafo Único da Lei nº 8.212/91, com as alterações promovidas pela Lei nº 9.732, de 11.12.98:

“Art. 15 – Considera-se:

I – empresa – a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional;

II – empregador doméstico – a pessoa ou família que admite a seu serviço, sem finalidade lucrativa, empregado doméstico.

Parágrafo Único – Considera-se empresa, para os efeitos desta Lei, o autônomo e equiparado em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras.” (grifos nossos)


Em suma, tendo em vista que o aspecto precípuo que distingue as sociedades cooperativas das sociedades comerciais deixa de existir, torna-se cristalina a sua semelhança com as sociedades anônimas e as de responsabilidade limitada. Os pontos de divergência e de semelhança entre as sociedades cooperativas e as comerciais podem ser observados no Quadro Comparativo a seguir:

COOPERATIVAS

– Sociedade de Pessoas

– Nº ilimitado de Cooperados

– Distribuição de Sobras

– Presta serviço aos cooperados

– Administração democrática

– Remuneração variável conforme trabalho

– Relação Civil

– O associado é trabalhador autônomo

– Cada cooperado um voto

– Impossibilidade de transferência da participação

SOCIEDADES COMERCIAIS

– Sociedade de Capital

– Nº de Sócios/Acionistas por vezes limitado

– Distribuição de Lucros ou Dividendos

– Gera lucros para os sócios/acionistas

– Administração financeira (sócio majoritário)

– Salário pré-estabelecido

– Relação Trabalhista

– O empregado é subordinado

– Mais ações, mais votos

– Possibilidade de transferência das ações/quotas

3. Dos Gêneros de Sociedades Cooperativas

As sociedades cooperativas podem adotar qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, vindo a ser classificadas de acordo com o seu objeto, ou ainda pela natureza das atividades desenvolvidas por elas ou por seus associados.

Seguindo esta linha de entendimento destacam-se as cooperativas de contribuições pecuniárias (crédito, produção, consumo, consórcios, habitacionais) e as de trabalho, resumidamente discriminadas a seguir:

a) cooperativas de crédito: concessão de empréstimos a seus associados, em condições financeiras mais vantajosas pois não há a intervenção de instituição financeira.

b) cooperativas de consumo: aquisição e fornecimento direto de mercadorias para os cooperados (compra e venda), sem a participação de entrepostos e/ou especuladores na sua comercialização.

c) cooperativas de produtores: intermediação na venda de produtos entre a fonte produtora (cooperados produtores) e o mercado consumidor, com a diminuição do ciclo mercantil.

d) cooperativas habitacionais: proporciona a construção e/ou a aquisição de unidades habitacionais aos associados cooperados

e) cooperativas de trabalho: possibilita a melhora dos salários e condições de trabalho, a princípio sem a condição de exclusividade (vínculo empregatício) entre os associados e o tomador dos serviços.

4. As Cooperativas de Trabalho

As cooperativas de trabalho podem ser conceituadas como associação voluntária de pessoas que contribuem com serviços profissionais do grupo, ou ainda de seus membros individualmente, para o exercício de atividades econômicas na defesa de interesse comum, afim de obterem para si as vantagens provenientes desse agrupamento.

Aspecto que vem causando polêmica está relacionado com a possibilidade de caracterização de vínculo empregatício dos associados cooperados na prestação de serviços entre as sociedades cooperativas e as respectivas empresas tomadoras.

Tanto a Lei nº 5.764/71 como a própria CLT, no parágrafo único do art. 442, estabelecem que independente do ramo de atividade ou do tipo de sociedade cooperativa, não se estabelecerá vínculo empregatício entre esta e seus associados, bem como entre o tomador dos serviços e os respectivos executores (associados cooperados).

Isto porque para a configuração da relação de emprego é imprescindível a presença cumulativa dos requisitos habitualidade, subordinação, pessoalidade e remuneração, sendo que a ausência de apenas um desses elementos é suficiente para afastar a existência do vínculo empregatício, nos termos do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Saliente-se que a terceirização ou a contratação de serviço (temporário ou permanente) vinculada à atividade-meio das pessoas jurídicas tomadoras não gera vínculo empregatício desde que não estejam presentes os requisitos de pessoalidade e subordinação direta, segundo manifestação do Colendo Tribunal Superior do Trabalho no Enunciado 331.

Caso nos contratos de prestação de serviços ajustados entre cooperativas de trabalho e pessoa jurídica, ou ainda no desenvolvimento dessa relação contratual, venham a ser caracterizados os requisitos ensejadores do contrato de trabalho, segundo também o princípio da primazia da realidade, o vínculo empregatício é elemento inevitável, ainda que não reconhecido devidamente pela lei e as tarefas desenvolvidas estejam relacionados exclusivamente com a atividade-meio da então tomadora dos serviços.

Nas verdadeiras sociedades cooperativas de trabalho deverão estar presentes, indispensavelmente, as características elencadas no art. 4º da Lei nº 5.764/71, como o caráter democrático na tomada de decisões, a vinculação estritamente eventual e variada com as empresas tomadoras de serviços, além da liberdade de adesão dos associados, entre outros.


A contratação de serviços sob qualquer forma, inclusive por intermédio de cooperativas, não pode significar prejuízo aos direitos dos trabalhadores. Com o objetivo de evitar esse tipo de situação, bem como proteger o direito do trabalhador, a legislação trabalhista determina que os atos praticados com objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos são nulos de pleno direito (art. 9º da CLT).

Nesse sentido, é oportuna a transcrição parcial de julgados que descaracterizam a relação contratual mantida entre a cooperativa e a tomadora dos serviços, como se observa a seguir:

“Imprópria a denominação de cooperativa na contratação de trabalho entre associados e beneficiários dos serviços, configurando evidente fraude aos direitos das reclamantes, por afastá-las da proteção do ordenamento jurídico trabalhista. Reconhecimento de vínculo empregatício entre cooperativados e tomadora dos serviços.” (TRT 4ª Região – RO 7.789/83 – Ac. 4ª T, DJ 08.05.84 p Rel. Juiz Petrônio Rocha Violino, LTr 49-7/839)

“Cooperativa. Relação de Emprego. Quando o fim almejado pela cooperativa é locação de mão-de-obra de seu associado, a relação jurídica revela uma forma camuflada de um verdadeiro contrato de trabalho.” (TRT 2ª R, 1ª T – RO 02930463800, Ac. 02950210648 – Rel. Juiz Floriano Corrêa Vaz da Silva, DOESP 07.06.94, pág.04)

“Terceirização: Quem mesmo sob a denominação de “cooperativa” contrata, dirige, paga e demite trabalhadores, cooperativa, não é, sendo, portanto, a teor do art. 9º da CLT, nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos no Estatuto Consolidado.” (TRT 15ª R, 3ª T – RO 16.749/97-0, AC. 043635/98, Rel. Juiz Domingos Spina)

5. CONCLUSÃO

As características que devem envolver a prestação do trabalho cooperado não são claramente definidas pela legislação e, consequentemente, trazem dificuldades para a distinção entre o trabalho prestado por empregado com vínculo empregatício e pelos cooperados, mesmo que originariamente se pretendesse o contrário.

A contratação de serviços de cooperativa com propósitos fraudulentos, em razão do disposto no art. 9º da CLT, é passível de autuação do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

Entendemos ser possível o processo de terceirização da atividade-meio da pessoa jurídica com a utilização de cooperativas de trabalho desde que, cumulativamente, essas sociedades:

a) Sejam efetivamente constituídas e enquadradas no regime jurídico previsto na legislação de regência, observando todas os requisitos e características delimitadoras;

b) Não estejam presentes nessa relação contratual os requisitos de pessoalidade e subordinação, na medida em que a habitualidade é elemento inerente aos processos de terceirização;

c) Tenham por finalidade a obtenção de determinado benefício aos associados, e não exclusivamente o fornecimento de mão-de-obra;

d) Não sejam utilizadas como forma de diminuição ou extinção dos direitos dos trabalhadores e/ou associados-cooperados, como frequentemente se observa, caso tivessem o vínculo trabalhista formalmente reconhecido e caracterizado;

* Ana Carolina Fortes Iapichini e Sérgio Ricardo de Almeida são advogados em São Paulo.

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