Os privilégios dos magistrados

A real situação dos Juízes Trabalhistas

Autor

24 de janeiro de 1999, 23h00

A real situação dos Juízes do Trabalho

É comum se verificar em conversas com pessoas distantes do mundo judiciário, a afirmação de que os Juízes ganham muito e trabalham pouco. Já é hora de mostramos a verdadeira situação em que se encontram os Magistrados, pois durante muito tempo os colegas não abordavam tal tema, muitos para evitar a desmitificação que envolve os Juízes outros por pura vergonha de mostrarem que são extremamente mal remunerados.

Convém disser que a Oitava Região, que compreende os Estados do Pará e do Amapá, possui 14 Juntas em Belém e 21 Juntas fora da sede.

Tomei posse em dezembro/93 e logo no início do ano seguinte os servidores públicos tiveram aumento de 194%, percentual que foi estendido aos Magistrados e fazendo-se um atrelamento ao dólar, à época os vencimentos do Juiz Substituto chegavam a $ 6.000 (seis mil) e hoje não chegam a $ 3.000.

No decorrer desses cinco anos, várias vantagens foram retiradas dos Magistrados: (licença-prêmio de três meses, após 10 anos de serviço; ajuda de custo para àqueles que fosse removidos, a fim de custear as despesas de mudança e instalação, desde que contassem com mais de um ano na Junta; adicional de localidade (15% para as Capitais e 30% para o Interior). Além disso, os Magistrados Trabalhistas nunca contaram com auxílio-alimentação, auxílio-moradia, ou qualquer outro adicional, além do adicional por tempo de serviço (denominado qüinqüênio – 5% para cinco anos de serviço).

Também é importante se destacar que o Juiz não dispõe de transporte para o serviço (carro oficial), não possui nenhuma verba de gabinete, não pode contratar ninguém como assessor (exceção dos Juízes do Tribunal – Togados e Classistas – que podem indicar um e dos Juízes das Juntas de Belém, que também podem indicar um assistente – a regra na 8ª Região é se indicar um servidor que já pertence ao quadro funcional do TRT).

Assim, os que estão fora da sede não dispõem de assistente, tampouco qualquer auxílio para o deslocamento a Belém, saindo qualquer despesa de seu próprio bolso.

Temos, também que sequer o TRT fornece café ou água, logo para saciarmos nossa sede, temos que comprar água mineral e quando se recebe alguém no gabinete (advogados, partes, autoridades), o café ou o chá que é servido é custeado exclusivamente pelos Juízes, sendo que em algumas Juntas os funcionários participam de coleta para este fim.

Não se dispõe de igual sorte de casa oficial nas Juntas de fora da sede (com exceção das Juntas de Santarém, Óbidos, 1ª JCJ de Macapá – esta se assemelha a um quarto com cozinha – e de Breves, nas demais há apenas um quarto com móveis modestos e muitas vezes já gastos pelo tempo, que servem para que o Magistrado possa dormir e olhe lá!

As despesas são rigorosamente apuradas e se têm em alguns casos dificuldades de suprir material básico, que depende de processo licitatório, não tendo qualquer Junta nenhuma verba para manutenção e para pagar pequenas compras.

O Magistrado é cercado de restrições: não pode participar de agremiações partidárias; não podem se sindicalizar; não podem concorrer a cargo eletivo; não podem assumir qualquer outro cargo público; não podem ter qualquer outra atividade, salvo uma de magistério, que como sabemos se dá puramente por vocação, pois os salários são insignificantes, não podem se ausentar da comarca sem prévia autorização. Enfim, a regra é que haja dedicação exclusiva. Os Procuradores da República e os membros do Ministério Público Estadual de concursos antigos, podem advogar e serem inclusive Secretários de Governos Estaduais, se licenciando do cargo e após retornar sem qualquer restrição.

Nossa atividade é por demais controlada pelos advogados, pelas partes, pelo Ministério Público Federal e do Trabalho, pelo Tribunal de Contas da União, pelo Juiz Presidente e pelo Juiz Corregedor do Tribunal), pois deve-se manter uma conduta acima de qualquer suspeita, quer profissional, quer pessoalmente. O Juiz é obrigado a sentenciar em dez dias após o encerramento da instrução e despachar em quarenta e oito horas. Na 8ª Região se o prazo é ultrapassado o Juiz recebe advertências mediante ofícios e em atas de correição.

Quanto a questão da quantidade do trabalho, o mesmo é cansativo física e mentalmente. Na JCJ de Abaetetuba (esta eu posso falar com certa propriedade, pois sou seu Presidente desde julho/97), em média se realiza quinze audiências por dia, e prima-se pela audiência una, isto é, se recebe a defesa do réu, os documentos, com vista à parte contrária, se interroga as partes e se ouve as testemunhas (por lei pode o reclamante e o reclamado arrolarem cada um três) e em cerca de mais de 80% dos casos se sentencia na mesma audiência. Encerradas as audiências que em geral se iniciam as oito horas e terminam por volta das 13:30 horas, o Juiz retorna a seu gabinete e lá encontra diariamente dezenas de processos para despachar, afora ter que sentenciar embargos à execução, embargos de terceiros, impugnação à liquidação, embargos de declaração (todos em 48 horas após a conclusão dos autos), enfim uma série de incidentes processuais, quer na fase de conhecimento, quer na fase de execução. Além disso, o Magistrado administra a Junta (funcionários – faltas, substituições, sanar dúvidas -, espaço físico, material, etc..). Ufa!!!!!!!!!!!

Como não sobra tempo e não se dispõe de alguém para cozinhar, vamos almoçar (quando essa graça é alcançada) por volta das 15:00 ou 16:00 horas, sendo que em geral se faz somente uma refeição à noite, pois como as Juntas de fora da sede funcionam pela manhã e o TRT pela parte da tarde, após este trabalho é que se tem oportunidade para resolver problemas administrativos com funcionários e Juízes do Tribunal, via telefone.

O TRT fornece somente as Juntas de fora da sede assinatura da Revista LTr, as demais publicações impressas ou em mídia são adquiridas pelos Juízes, face a necessidade imperiosa de tentarem se manter atualizados. Também não se possui assinatura do Diário Oficial do Estado (Caderno do Judiciário) e do Diário da Justiça da União. Não se tem acesso à internet (hoje ferramenta indispensável). Assim, esses gastos são suportados exclusivamente pelos Magistrados.

As ligações telefônicas pessoais (ligar para ver se o (a) filho(a) melhorou da gripe ou de qualquer outra doença, falar com a mulher ou o marido – para se tentar manter vivo o casamento -, verificar se os pais estão bem – afinal pai é pai e mãe é mãe) também são cobradas dos Juízes.

Portanto, meus amigos esta é a real situação do Magistrado Trabalhista. Estamos cheios de privilégios e ficamos a maior parte do tempo em atividades lúdicas e recreativas.

Diante de todas essas mordomias, venha correndo a este mar de rosas. O que você está esperando, melhor do que isso só sendo Deputado ou Senador, estes sim trabalham demais (de Terça a Quinta – quando vão), ganham pouco (R$-8.000,00), só podem contratar umas poucas pessoas (de oito a dez), só tem quatro passagens aéreas por mês para passarem o fim de semana em suas cidades de origem, recebem R$-24.000,00 por convocação extraordinária (somente duas por ano e ainda dizem que não trabalham se não receberem), tem franquia postal e telefônica (mandam carta e telefonam a vontade).

Bem, como acredito em nosso Presidente Sociólogo, aposentado muito tarde (com mesmo de 50 anos pela USP), além de ter aposentadoria como Senador, nosso FHC, quero dar tudo de mim por este país. Assim, nas próximas eleições largarei a Magistratura (vai ser difícil, já que tenho grandes mordomias e sou um Marajá) e serei Senador da República (por oito anos e me aposento), passarei necessidade, deixarei meus imensos privilégios, mas como o Poder Judiciário é o mal da sociedade, quero ser parlamentar por puro idealismo e vocação.

PS: Minha primeira proposta como Senador é ainda mais cruel para o Judiciário: vou cortar todos os privilégios desses Juízes preguiçosos e indolentes. Vou propor que eles tenham as mesmas dificuldades que os Parlamentares.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!