Paulo Maluf é condenado

Maluf é condenado. Lei a íntegra da sentença.

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5 de janeiro de 1999, 16h38

O ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, foi condenado nesta segunda-feira (04/01) a ressarcir o erário por danos causados por operações irregulares com títulos públicos. Maluf deve devolver, segundo a sentença da Justiça paulista, R$ 2,53 milhões, com juros de 6% ao ano.

A decisão foi tomada pela juíza Maria de Fátima dos Santos Gomes, da 3ª Vara da Fazenda, ao acatar ação popular movida por vereadores do Partido dos Trabalhadores (PT). As operações consideradas irregulares foram realizadas no final de 1994 e 1995, quando o atual prefeito paulistano, Celso Pitta, era o secretário das Finanças do município.

Segundo a juíza, o prefeito foi omisso ao não fiscalizar as operações realizadas à época. Para Maria de Fátima, Maluf tinha o “dever de coibir abusos ou irregularidades perpetradas em detrimento da coisa pública”, e considerou “inconcebível” a ausência de fiscalização em relação à finanças públicas.

A juíza ressaltou ainda que, ao contrário do que alegou a defesa do ex-prefeito, os títulos foram negociados com taxas incompatíveis com as de mercado. Paulo Maluf deve recorrer da sentença, que é de 1ª instância.

Leia a íntegra da sentença que condenou Paulo Maluf

Terceira Vara da Fazenda Pública de São Paulo

Ação Popular

1.102/96

Vistos

Devanir Ribeiro, Mauricio Faria Pinto, Italo Cardoso Araújo, Henrique Sampaio Pacheco, Adaíza Sposatti, José Mentor Guilherme de Mello Netto, Francisco Whitaker Ferreira, José Eduardo Martins Cardoso, Adriano Diogo, Sergio Ricardo Silva Rosa, Odilon Guedes Pinto Junior, Carlos Alberto Rolim Zarattini e José Américo Ascêndio Dias, moveram a presente Ação Popular em face de Paulo Salim Maluf, Celso Roberto Pitta e da Municipalidade de São Paulo alegando, em síntese, que na gestão no cargo de Prefeito do Município de São Paulo exercido pelo primeiro requerido e no cargo de Secretário das Finanças do Município de São Paulo ocupado pelo segundo requerido, no período de 1993 a 1996, ocorreram inúmeras irregularidades em operações no mercado aberto de capitais, sendo certo que no dia 1º de dezembro de 1994, o segundo co-requerido autorizou por escrito a “Corretora Banespa” a vender dois lotes de Letras Financeiras do Tesouro do Município de São Paulo (LFTM) pelo valor de R$ 51.743.651,50 à corretora Contrato. Contudo, no mesmo dia, os mesmos dois lotes de LFTM foram recomprados pelo Município de São Paulo, através da Corretora Banespa pelo valor R$ 53.504.676,15, ocorrendo, desta forma, prejuízo ao erário público em torno de R$ 1.761.024,65. Relataram, ainda, que operações semelhantes ocorreram também nos dias 21 de novembro de 1995 e 29 de novembro de 1995, acarretando novo prejuízo no importe de R$ 758.700,00. Alegam que mencionadas operações são ilegais e lesivas ao erário público, devendo ser determinada sua invalidação com condenação dos requeridos ao pagamento das perdas e danos sofridos pelo patrimônio público municipal. Protestam pela produção de provas, juntando documentos (fls. 08/39).

O feito processou-se sem liminar.

Os requeridos foram devidamente citados, apresentando cada um, distinta e independentemente, suas respectivas defesas.

O requerido Celso Roberto Pitta do Nascimento ofereceu sua contestação a fls. 70/82, agüindo, preliminarmente, carência da ação pela comprovação do ato ilegal e lesivo ao erário público. No mérito, sustentou a improcedência do pedido inicial, uma vez que agiu dentro dos parâmetros de oportunidade, conveniência e eficiência do ato administrativo, tendo as operações passado pelo crivo do Tribunal de Contas do Município, não podendo as aludidas operações serem consideradas de maneira isolada mas sim dentro de todo um contexto financeiro-econômico, inexistindo qualquer ilegalidade ou lesividade. Requereu, assim, o acolhimento da preliminar argüida ou, se examinando o mérito, a rejeição do pedido inicial, com inversão dos ônus da sucumbência.

Por outro lado, o co-requerido Paulo Salim Maluf apresentou sua defesa a fls. 83/109, argüindo, preliminarmente, ilegitimidade passiva de parte. No mérito, alegou que as operações foram analisadas em auditoria pelo Tribunal de Contas do Município, não tendo sido constatada qualquer irregularidade, não0 havendo, portanto, comprovação de ato ilegal ou lesivo ao erário público.

A Municipalidade de São Paulo ofereceu sua defesa a fls. 100/174, argüindo, preliminarmente: a) chamamento ao processo da Corretora Banespa; b) chamamento ao processo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo; c) suspensão do feito até decisão final da Comissão Parlamentar de Inquérito; d) litigância de má-fé dos autores. No mérito, sustentou a improcedência do pedido inicial isto porque as operações devem ser verificadas dentro de um contexto mais amplo, englobando inclusive o Fundo de Liquidez da Prefeitura Municipal de São Paulo, sendo certo que no caso vertente, foram realizadas operações de compra e venda de títulos casadas que trouxeram benefícios para a Municipalidade, acarretando, inclusive a queda da taxa de juros, restando improcedentes os reclamos iniciais.


Pela decisão de fls. 183, foi determinada a citação das corretoras Banespa e Contrato DTVM Ltda.

A Corretora Banespa S/A ofereceu sua contestação a fls. 205/256, argüindo, preliminarmente, ilegitimidade passiva “ad causam. No mérito alegou a rejeição do pedido uma vez que agiu dentro dos critérios legais e contratuais entabulados entre as partes, servindo apenas como mera intermediária nas operações realizadas, as quais não acarretaram qualquer prejuízo ao erário público.

A Corretora Contrato DTVM Ltda. apresentou sua defesa a fls. 264/396 argüindo em preliminar: a) conexão com processo em trâmite perante a 12ª Vara da Fazenda Pública da Capital; b)ilegitimidade passiva de parte. No mérito, pleiteou a improcedência do pedido contido na exordial, uma vez que não restou comprovada qualquer ilegalidade ou lesividade ao patrimônio público.

Foi determinada a remessa de cópias reprográficas das principais peças processuais envolvendo os mesmos fatos e operações contidas em dois outros feitos distintos.

As cópias reprográficas foram encartadas aos autos a fls. 418/1.884, sendo determinada ciência as partes (fls. 1.885).

As partes bem como o Digníssimo Representante do Ministério Público solicitaram a extinção do feito sem julgamento do mérito, com fundamento no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.

Em apenso, incidente de exceção de incompetência, o qual foi rejeitado.

É o relatório.

Fundamento.

Decido.

Trata-se de Ação Popular objetivando-se a invalidação de operações de compra e venda de títulos públicos realizadas em 1º de dezembro de 1994 e 21 e 29 de novembro de 1995, bem como o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo erário público Municipal.

A lide comporta julgamento no estado em que se encontra, uma vez que a matéria é unicamente de direito.

Primeiramente, é de se ressaltar que efetivamente ocorreu a perda do objeto da presente ação com relação à alguns dos co-requeridos, quais sejam, Celso Roberto Pitta do Nascimento, Municipalidade de São Paulo e Contrato Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda.

Com efeito, analisando-se os autos, constata-se que foi ajuizada pelo Ministério Público, perante a 12ª Vara da Fazenda Pública da Capital, Ação Civil Pública de Responsabilidade Civil por Improbidade Administrativa contra os co-requeridos mencionados, além de outros suplicados, tendo por objeto todas as operações financeiras descritas neste feito, restando sentenciada aos 22 de dezembro de 1997, encontrando-se em grau de recurso.

Observa-se, dessa forma, que no transcorrer do presente feito, a decisão proferida nos autos 672/97 em trâmite perante a 2ª Vara da Fazenda Pública da Capital, abrangeu também os co-requeridos Celso Roberto Pitta do Nascimento, Municipalidade de São Paulo e Contrato Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda., ocorrendo, portanto, fato superveniente, o qual acarreta a perda do objeto da ação, em virtude da inexistência de interesse processual a socorrer a pretensão dos autores-populares com relação a eles, restando despicienda a análise das questões argüidas, ainda que prejudiciais, em suas respectivas contestações e manifestações posteriores.

Nesse sentido:

“O interesse processual pressupõe uma lesão do interesse substancial e a idoneidade da providência reclamada para protegê-lo e satisfazê-lo, constituindo-se, em conseqüência, na relação entre aquela situação antijurídica e esta tutela invocada. Dessa forma, o interesse é a medida das ações em Juízo, sendo certo que sem interesse não há ação. “Pas d’interêt, pas d’action“. Interesse de agir existe sempre que a pretensão posta em Juízo, por ter fundamento razoável, se apresenta viável no plano objetivo” (RJTJESP 113/444).

Contudo, referida decisão proferida nos autos 672/97 não abrangeu os ora requeridos Paulo Salim Maluf e a Banespa S/A – Corretora de Câmbios e Títulos, não podendo ser estendido a eles os efeitos daquela decisão.

De fato, constata-se que os Autores-populares não solicitaram a desistência da ação no que tange aos co-requeridos Paulo Salim Maluf e Banespa S/A, mas sim a extinção do feito sem julgamento do mérito, com fundamento no artigo 267, inciso VI, do Código do Processo Civil, pela ocorrência de perda do objeto da ação, consoante se depreende do exposto a fls. 1.896 e 1.902. não se podendo estender a eles, sob pena de se violar as mais comezinhas regras processuais, os efeitos daquela decisão.

Destarte, no que tange aos co-requeridos Paulo Salim Maluf e Banespa S/A, mister se faz a análise do conteúdo das defesas oferecidas.

Ressalte-se, inicialmente, que a decisão proferida pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo não vincula este Juízo, isto porque aquela decisão possuí caráter administrativo, limitado ao controle da legalidade e legitimidade do ato administrativo, sendo certo que não se pode excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito, devendo, portanto, ser afastada sua incidência no presente caso.


Passo a análise do mérito.

Com efeito, em relação ao litisconsorte passivo Paulo Salim Maluf, há preliminar de ilegitimidade passiva.

Em síntese, o co-demandado Paulo Maluf alega que não praticou ato administrativo algum, tratando-se, todos os atos impugnados, da competência do então Secretário Municipal de Finanças, Sr. Celso Roberto Pitta do Nascimento. Contudo, a análise dos documentos encartados aos autos (fls. 418/1.884), oriundos dos feitos 672/97 (12ª Vara da Fazenda Pública da Capital) e 896/97 (9ª Vara da Fazenda Pública da Capital), tendo sido dado ciência às partes, permanecendo elas silentes (fls. 1.887), refletem efetivamente a participação dos co-requeridos Paulo Salim Maluf e Banespa S/A – Corretora de Câmbio e Títulos.

Devo, primeiramente, tecer algumas considerações sobre a Ação Popular a fim de que o tema seja enfrentado satisfatoriamente.

Trata-se de remédio constitucional, instituído pelo art. 5º, LXXIII, o qual dispõe:

“qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;”

Dessa forma pode o cidadão questionar vos administradores da coisa pública a fim de garantir a efetividade material dos princípios incidentes sobre a Administração Brasileira, os quais por vezes somente alcançam eficácia jurídica e não social: moralidade, legalidade, impessoalidade e eficiência.

Ora, “se é direito da coletividade ter um governo decente e sem mazelas, e se cada cidadão pode fazer valer em Juízo esse direito, porque é também de seu interesse que a coisa pública não seja malbaratada pela cupidez ou improbidade administrativa, cabe a qualquer do povo a faculdade de invocar o Judiciário para que se restaure o império da lei e da dignidade das funções públicas, sempre que algum improbus administrador venha lesar o erário ou patrimônio público com atos indevidos”, já afirmava José Frederico Marques em 1958 (“As Ações Populares no Direito Brasileiro”, RDA 52/43/44).

E continuava: “Tem a coletividade o direito a uma administração honesta, pelo que a ação popular leva a Juízo, para julgamento, uma pretensão de moralidade administrativa.” (grifei, art. cit., pág. 48).

Tem, cada cidadão, assim, o direito a uma administração honesta, moral, impessoal, eficiente, e que trilhe o caminho da legalidade. E se houve muitos óbices políticos e jurídicos à eficiência da ação popular na história de nosso país, hoje, após dez anos da Constituição de 1988, não jurídica interpretação na qual o “espaço público” não seja de todos, mas sim de um Estado externo à sociedade a qual serve.

Continua em Comunidade Jurídica.

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