O QUE OS FILHOS DE BRETTON WOO

Medidas Econômicas e Globalização

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2 de janeiro de 1999, 23h00

Há quatro anos atrás, quando parlamentares da oposição alertaram a equipe econômica de que esta deveria adotar uma política voltada para a produção, ao invés de privilegiar o capital especulativo, remunerando com altas taxas de juros os megainvestimentos virtuais, estes foram pomposamente acusados de fazerem a apologia da catástrofe, a cantilena da destruição e de exercerem oposição de uma forma pequena.

Alertavam estes parlamentares que este capital poderia sumir com a mesma velocidade com que transitava nas bolsas e no Banco Central.

Passados 4 anos vemos que eles estavam certos e, para nosso espanto, o governo adota medidas que antes até poderiam ter evitado tal crise, se aliadas ao investimento na produção, mas que agora, pelo ceticismo dos seus próprios autores, está fadada na melhor das hipóteses a mais uma enxurrada de explicações – no economês enfadonho e pretensioso que já nos acostumamos a ouvir – que vão tentar justificar a sua falibilidade.

A fórmula errada em que se baseou o “embrulho” da ocasião é simples: espera-se o sucesso do ajuste fiscal para então baixar os juros.

O que se esperava era exatamente o oposto, que se baixasse os juros a fim de alavancar a produção e aí sim, por em prática o ajuste fiscal, afinal os países do Primeiro Mundo pagam juros em torno de 6,5%, enquanto nós nos damos ao luxo de rodar a roleta no patamar de 50% ao ano.

Mas a falta de criatividade governamental aliada à subserviência internacional colocou, mais uma vez, os produtores e, principalmente, os funcionários públicos, a pagar a conta.

Disto tudo tiramos duas conclusões: a primeira é que não importa se o estopim do desemprego e da miséria começa a explodir a dinamite. Importa o que os filhos de Bretton Woods vão pensar de nós…

A segunda é que nós, funcionários públicos brasileiros, somos a categoria mais importante do mundo. Do nosso vultoso salário, podem sair os recursos necessários para estancar a crise que se instalou no Brasil e com isto evitar o efeito dominó que pode alavancar a quebradeira internacional.

É isto mesmo. Temos no nosso salário a fórmula da salvação econômica mundial. Mesmo sem ter aumentos reais ou imaginários há mais de 4 anos; mesmo sem ter adquirido as estatais que foram privatizadas com os amigáveis financiamentos do BNDES; mesmo sem ter bancos e, principalmente, sem ter votos que possam ser barganhados nos balcões parlamentares, salvaremos o mundo.

É bem verdade que a conta é grande: nestes últimos 4 anos a dívida interna saltou de 60 para 300 milhões de reais.

Mas temos fôlego… Há quase 10 anos atrás nos tiraram do regime celetista, o que significou perder o fundo de garantia, em troca da estabilidade que o Regime Jurídico Único assegurava.

Agora nos tiram a estabilidade e estão nos retornando ao regime celetista, sem o Fundo de Garantia, é claro.

Mas ainda assim somos privilegiados…… ainda temos o emprego e o salário que vai salvar a economia mundial.

Afinal estamos ajudando, ainda que involuntariamente, a girar o moinho da aldeia global; a tecer a teia da globalização – o tentáculo mais perverso do neoliberalismo e a bancar a jogatina que é feita pela equipe econômica com os nossos ricos salários.

Somos ao mesmo tempo o problema e o resultado da crise e, com isto, as curiosidades vão aumentando:

Antes todo país que possuía um regime autoritário, ditatorial, era duramente criticado. E o que dizer agora, quando estamos todos absolutamente subjugados pela maior tirania de todos os tempos, que é a Globalização?

Não é preciso assistir as irônicas e maldosas intervenções do cineasta platinado no que hoje se constituiu o Diário Oficial da Nação, para constatarmos que acabaram os governos autênticos, independentes, autônomos e soberanos.

Como nos lembra Mario Antonio Lobato de Paiva , “… desnudada, a globalização é o imperialismo atualizado; o neoliberalismo, o retorno high tech ao feudalismo…”.

O Sr. Presidente da Câmara – um notório constitucionalista e constituinte, antes, em tese escrita, defendia que alíquotas de tributos só podem ser alteradas por lei ordinária, jamais por Medida Provisória . Agora, luta para que as MPs atravessem incólumes a Casa da qual deveria ser o guardião, já que à sua consciência jurídica parece não mais dever satisfação alguma.

Cumpre assim, a liturgia da celebração macabra da transnacionalização dos mercados, em detrimento da soberania do estado, fortalece o aparato que troca a verdadeira política pelas regras de mercado, como instância privilegiada de regulação e direção social.

Não importa mais ao establishment questões como distribuição de renda, desemprego, programas sociais compensatórios e correção das desigualdades regionais; o que importa é a estabilidade monetária, o câmbio, a abertura comercial, o equilíbrio fiscal, a flexibilização das leis trabalhistas, a produtividade, a competitividade e a liberdade de circulação de capitais .

Colocou-se em confronto, definitivamente, tais questões com as três gerações de direitos humanos: os relativos à cidadania civil e política, os sociais e econômicos e os pós-materiais.

Ai entra o papel que vem sendo desempenhado pelo Ministério Público.

Tem sido ele, juntamente com mais meia dúzia de corajosos, que vem – qual sacerdote buscando exorcizar demônios – balançando as páginas da constituição aos senhores dos nossos destinos, para que a cumpram e a respeitem.

Tem sido ele que, permanentemente, lembra que a nossa Constituição começa determinando que “… a República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana…”.

Algo que soa até como uma afronta aos ouvidos tão moucos dos nossos dirigentes.

Desta forma, se alguém é digno de homenagens é o Ministério Público que, diuturnamente, tem defendido a manutenção da cidadania e têm nos dado a certeza de que não é pecado sonhar com uma vida digna; não é utopia querer o meio ambiente ecologicamente equilibrado; não é pretensão querer os nossos direitos de consumidor respeitados; não é luxo querer a educação dos nossos filhos assegurada e, sobretudo, não é crime hediondo querer emprego e emprego razoavelmente remunerado e não confundido com mais um capital especulativo.

Que Deus os inspire a continuar essa luta, sem tréguas.

Afinal se – como diz Carlos Heitor Cony – só sobreviverão os economicamente arianos, nós que de origem e de berço somos notoriamente mestiços, se não nos levantarmos enquanto é tempo estaremos, já amanhã, completamente aniquilados na nossa cidadania, na nossa soberania e na nossa dignidade.

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