Imposto de renda na fonte

Ilegalidade de IR na Fonte nos mútuos entre Pessoas Jurídicas

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23 de fevereiro de 1999, 17h23

1 – Recentemente, no intuito de regulamentar a incidência do Imposto de Renda na Fonte (“IRRF”) sobre rendimentos auferidos em operações financeiras de renda fixa ou de renda variável, e também as disposições contidas no artigo 65, IV, ‘c’, da Lei nº 8.981, de 1995 e no artigo 5o da Lei nº 9.779, de 1998, o Secretário da Receita Federal editou Instrução Normativa nº 7, de 3 de fevereiro de 1999 (“IN 7/99”), que, dentre outros aspectos, “determina a incidência” de IRRF nas operações de crédito correspondentes a mútuos de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, inclusive quando a operação for realizada entre empresas controladoras e controladas, coligadas e interligadas.

2 – A incidência de IRRF nas operações de crédito (mútuos) entre pessoas jurídicas é ilegal e inconstitucional. Em primeiro lugar, pelo fato de equiparar duas situações nitidamente distintas, quais sejam, (i) aplicações financeiras de renda fixa e (ii) empréstimos efetuados entre pessoas jurídicas.

3 – Inicialmente, convém recordar algumas disposições trazidas pela Lei nº 8.981, de 1995. Em seu artigo 65, caput, c/c seu inciso IV, alínea ‘c’, prevê a aplicação de IRRF, à alíquota de 10% (alterado para 20% pela Lei nº 9.532, de 1997), sobre o rendimento produzido por aplicação financeira de renda fixa, auferido por qualquer beneficiário, inclusive aos rendimentos auferidos pela entrega de recursos a pessoa jurídica, sob qualquer forma e a qualquer título, independentemente de ser ou não a fonte pagadora instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central.

4 – Por sua vez, o citado artigo 5º, da Lei nº 9.779, dispõe:

Artigo 5º – Os rendimentos auferidos em qualquer aplicação ou operação financeira de renda fixa ou de renda variável sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte, mesmo no caso das operações de cobertura (hedge), realizadas por meio de operações de swap e outras, no mercado de derivativos.

Parágrafo único – A retenção na fonte de que trata este artigo não se aplica no caso de beneficiário referido no inciso I do art. 77 da Lei 8.981, de 20 de janeiro de 1995, com a redação dada pela Lei 9.065, de 20 de junho de 1995.

5 – A primeira conclusão a que se chega é que se o parágrafo único – acima transcrito – manteve vigente o inciso I do artigo 77 da Lei 8.981, de 1995, a contrário senso, revogou as outras hipóteses de não incidência a que se referiam os outros incisos, inclusive a que afastava a incidência de IRRF nas operações efetivadas entre pessoas jurídicas controladoras e controladas, coligadas e interligadas (artigo 77, inciso II).

6 – No intuito de regulamentar referidos dispositivos, o artigo 1º da recente IN 7/99 dispõe que “os rendimentos auferidos em qualquer aplicação ou operação financeira de renda fixa ou de renda variável sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte, mesmo no caso das operações de cobertura, hedge, realizadas por meio de operações de swap e outras, nos mercados derivativos”.

7 – Em seguida, em seus parágrafos 1º e 2º, verdadeiramente institui:

§ 1º – O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, aos rendimentos de operações de mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física. (destaque não contido no original)

§ 2º – No caso de mútuo entre pessoas jurídicas, a incidência do imposto ocorre inclusive quando a operação for realizada entre empresas:

a) controladoras e controladas;

b) coligadas;

c) interligadas.

§ 3º – Na hipótese do §1º, responsável pela retenção e recolhimento do imposto é a pessoa jurídica:

a) mutuante, quando o mutuário for pessoa jurídica;

b) mutuária, nos demais casos.

(…)”

8 – Impõe-se a análise de três indagações:

(i) Qual é o conceito assimilável na legislação para o termo aplicação (operação) financeira de renda fixa? É possível equiparar operações de mútuo entre pessoas jurídicas a aplicação financeira de renda fixa?

(ii) Analisando princípios básicos de Direito Tributário, é possível admitir a tributação de IRRF sobre “rendimentos auferidos pela entrega de recursos a pessoa jurídica, sob qualquer forma e a qualquer título”, conforme pretende o artigo 65, caput, c/c seu inciso IV, alínea ‘c’? ; e

(iii) É legal norma que determina a não incidência do IRRF apenas para as aplicações financeiras de titularidade de instituições financeiras?

9 – Não há qualquer lei tributária que apresente conceituação de aplicação financeira de renda fixa. Apesar disso, normas secundárias, como a Instrução Normativa nº 134, de 30 de dezembro de 1985, conceituam renda fixa como sendo “o rendimento pré ou pós fixado (ou misto) correspondente a título, obrigação ou aplicação com data estabelecida para liquidação”.

10 – Em outras palavras, renda fixa é a aplicação financeira por intermédio da qual determinada pessoa, física ou jurídica, investe recursos em determinada instituição financeira, autorizada a funcionar pelo Banco Central, na busca de remuneração em retribuição ao recurso cedido que, por sua vez, será pela instituição financeira utilizado em seu capital de giro para atender às finalidades estatutárias. Certamente, a instituição financeira utilizará o recurso investido pelo mutuário cedendo-o a outras pessoas, cobrando juros para tanto.

11 – Por sua vez, mútuos de recursos financeiros entre pessoas jurídicas – principalmente tratando de coligadas, interligadas ou controladas – nada mais é que mero empréstimo, sem intuito de auferir rendimento e, principalmente, sem intervenção do agente financeiro interessado no custo do dinheiro, sobre o qual cobra juros pelo uso.

12 – Confira-se, a esse respeito, trechos do Parecer Normativo nº 2, de setembro de 1995, baixado pelo Coordenador Geral de Tributação da Secretaria da Receita Federal:

“No que se refere especificamente às operações de mútuo, a inteligência do artigo 77 e seu inciso II é de que, quando realizadas entre pessoas jurídicas controladoras, controladas, coligadas ou interligadas e desde que a mutuária (fonte pagadora) não seja instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil, não haverá incidência do imposto de renda na fonte, tendo em vista que as beneficiárias, quando domiciliadas no país, estarão obrigadas ao regime de tributação com base no lucro real, inclusive em relação àqueles rendimentos.

Em outras palavras, os rendimentos decorrentes das operações de mútuo, na hipótese referida no parágrafo anterior, não se submetem ao tratamento dispensado às aplicações de renda fixa, principalmente pelo fato de se revestirem de natureza de empréstimos, como bem asseveram o Ato Declaratório (Normativo) CST nº 09/76 e o Parecer Normativo 17/84, não se lhes aplicando, portanto, o disposto no citado artigo 78, inciso I. (…)”

13 – Evidente, portanto, concluindo a primeira indagação, que a equiparação de operações de mútuo entre pessoas jurídicas a aplicação financeira de renda fixa – da forma como efetuada pela Instrução Normativa 7, de 1999 – é evidentemente ilegal e, ao criar nova modalidade de incidência, transborda de sua atribuição primária, incidindo patente ilegalidade, ofendendo o comando contido no artigo 97 do Código Tributário Nacional.

14 – Além disso, o artigo 65, caput, c/c seu inciso IV, alínea ‘c’, e a IN 7/99, ao pretenderem tributar os rendimentos “auferidos pela entrega de recursos a pessoa jurídica, sob qualquer forma e a qualquer título”, também são ilegais e inconstitucionais, por alargarem a hipótese de incidência a ponto de transformá-la em norma aberta, ao contrário da indispensável tipicidade fechada da norma tributária.

15 – Isso, porque a norma tributária, tanto quanto a norma penal, é estritamente cerrada, ou seja, somente podem ser objeto de incidência de IRRF as hipóteses prévia e suficientemente descritas pela lei tributária, consoante prescrito pelo artigo 97 do Código Tributário Nacional, recepcionado pela Constituição Federal como Lei Complementar.

16 – Quanto à terceira e última indagação proposta, é evidente que ao excluir os rendimentos auferidos nas aplicações financeiras de renda fixa – de titularidade de instituições financeiras – da incidência do IRRF (artigo 5º, parágrafo único da Lei nº 9.779/98), mantendo vigente disposição legal contida na Lei 8.981, de 1995 (artigo 77, I), o legislador ofende dispositivos constitucionais, tendo em vista evidente tributação diferenciada tão somente em razão da atividade desenvolvida, o que é vedado pela Constituição Federal de 1988, conforme previsão pétrea contida no artigo 150, II, da Constituição Federal.

17 – Portanto, como conclusão do exposto, em nossa opinião, há bons argumentos para afastar a exigência de IRRF nos mútuos contratados pelas pessoas jurídicas da forma como exigido pelo artigo 65 da Lei nº 8.981, de 1995, bem como pelos §§ 1º e 2º da Instrução Normativa nº 7, de 1999, especialmente nas operações entre empresas controladoras e controladas, coligadas e interligadas.

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