IOF sobre operações de mútuo

IOF

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22 de fevereiro de 1999, 0h00

IOF SOBRE OPERAÇÕES DE MÚTUO

Introdução

Recentemente, o artigo 13 da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, determinou que as operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física estão sujeitas à incidência de IOF, de acordo com as normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras.

O artigo 13 da Lei nº 9.779/99 passou a considerar ocorrido o fato gerador do IOF no presente caso, na data de concessão do crédito. Responsável pela cobrança e recolhimento do IOF é a pessoa jurídica que conceder o empréstimo. Além disso, o referido dispositivo legal determinou que o IOF deverá ser recolhido até o terceiro dia útil da semana subseqüente à da ocorrência do fato gerador.

Posteriormente, foi editado o Ato Declaratório SRF nº 7, de 22 de janeiro de 1999 (DOU de 26.01.99), que estabeleceu as alíquotas aplicáveis às operações de mútuo aqui referidas.

Ocorre, entretanto, que a Lei nº 9.779/99, na verdade, instituiu um novo tributo, ao fazê-lo incidir sobre operações de mútuo, posto que a Lei nº 5.143, de 20 de outubro de 1966, que instituiu o IOF, determina, expressamente em seu artigo 1º, que o IOF incide nas operações de crédito e seguro, realizadas por instituições financeiras e seguradoras, e tem como fato gerador, no caso de operações de crédito, a entrega do respectivo valor ou sua colocação à disposição do interessado.

Todavia, o novo imposto foi instituído através de lei ordinária, e não através de lei complementar, como exige o artigo 154, II da Constituição Federal (competência residual), razão pela qual é inconstitucional.

Inconstitucionalidade do novo tributo

Estabelece o artigo 13 da Lei nº 9.779/99 que:

“Art. 13 As operações de crédito correspondente a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física sujeitam-se à incidência do IOF segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras.

§ 1º Considera-se ocorrido o fato gerador do IOF, na hipótese deste artigo, na data da concessão do crédito.

§ 2º Responsável pela cobrança e recolhimento do IOF de que trata este artigo é a pessoa jurídica que conceder o crédito.

§ 3º O imposto cobrado na hipótese deste artigo deverá ser recolhido até o terceiro dia útil da semana subseqüente à da ocorrência do fato gerador.”

Posteriormente, o Ato Declaratório SRF nº 7, de 22 de janeiro de 1999 (DOU de 26.01.99), estabeleceu que no:

a) mútuo entre pessoas jurídicas ou entre pessoas físicas e jurídicas, sem prazo, realizado por meio de conta-corrente, o IOF incide em relação aos recursos entregues ou colocados à disposição do mutuário a partir de 1º de janeiro de 1999, e será calculado e cobrado no primeiro dia útil do mês subseqüente aquele à que se referir, relativamente a cada valor entregue ou colocado à disposição do mutuário durante o mês, e recolhido até o terceiro dia útil da semana subseqüente. Os encargos debitados ao mutuário serão computados na base de cálculo do IOF a partir do dia subseqüente ao término do período a que se referirem. As alíquotas são de 0,0041% ou de 0,0164%, de 1º a 23 de janeiro de 1999, conforme seja o mutuário pessoa jurídica ou pessoa física, e de 0,0052% ou de 0,0175%, a partir de 24 de janeiro de 1999, conforme seja o mutuário pessoa jurídica ou pessoa física;

b) mútuo entre pessoas jurídicas ou entre pessoas físicas e jurídicas, com prazo de pagamento e taxa de juros definidos, o IOF será calculado e cobrado na data da entrega ou da colocação dos recursos à disposição do mutuário, ocorrida a partir de 1º de janeiro de 1999, e recolhido até o terceiro dia útil da semana subseqüente à ocorrência do fato gerador. As alíquotas são de 0,0041% ou de 0,0164%, de 1º a 23 de janeiro de 1999, conforme seja o mutuário pessoa jurídica ou pessoa física, e de 0,0052% ou de 0,0175%, a partir de 24 de janeiro de 1999, conforme seja o mutuário pessoa jurídica ou pessoa física.

Ao analisarmos os dispositivos legais supra, é de se concluir que a Lei nº 9.779/99, na verdade, acabou por instituir um novo tributo, ao fazê-lo incidir sobre operações de mútuo, posto que a Lei nº 5.143, de 20 de outubro de 1966, que instituiu o IOF, determina, expressamente em seu artigo 1º, que:

“Art. 1º O Imposto sobre Operações Financeiras incide nas operações de crédito e seguro, realizadas por instituições financeiras e seguradoras, e tem como fato gerador:

I – no caso de operações de crédito, a entrega do respectivo valor ou sua colocação à disposição do interessado;

II – no caso de operações de seguro, o recebimento do prêmio.” (grifamos)

Corroborando, o artigo 2º do Decreto nº 2.219, de 2 de maio de 1997, que atualmente regulamenta o IOF, também dispõe que:

“Art. 2º O IOF incide sobre:

I – operações de crédito realizadas por instituições financeiras (Lei nº 5.143, de 20 de outubro de 1966, art. 1º).” (grifamos)

A Lei nº 9.779/99, ao determinar a cobrança de IOF sobre mútuos realizados entre pessoas jurídicas e entre pessoas físicas e jurídicas, instituiu um novo imposto, diferente daquele existente, que tinha seu campo de incidência limitado às operações realizadas por instituições financeiras. Portanto, o novo imposto somente poderia estar contido na competência residual da União.

Todavia, o novo imposto foi instituído através de lei ordinária, e não através de lei complementar, como exige o artigo 154, I da Constituição Federal, razão pela qual é inconstitucional, senão vejamos:

“Art. 154 A União poderá instituir:

I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição.” (grifamos)

Nesse ponto, cabe aqui fazer menção a recentes julgados do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que muito bem analisou a questão da necessidade de lei complementar para a instituição de imposto contido na competência residual da União, especialmente no que diz respeito ao IOF sobre os saques de caderneta de poupança, instituído pela Lei nº 8.033/90:

“TRIBUTÁRIO – SAQUES DA POUPANCA BLOQUEADA – IOF –

COMPETÊNCIA RESIDUAL – NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR.

I – A LEI No 8.033/90, QUE CRIOU IOF SOBRE SAQUES DAS

CADERNETAS DE POUPANCA BLOQUEADAS, INSTITUIU NOVO IMPOSTO, COM DESRESPEITO A PRECEITOS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE DISCIPLINAM A ATIVIDADE TRIBUTÁRIA DO ESTADO.

II – SOMENTE POR LEI COMPLEMENTAR PODERIA A UNIÃO

UTILIZAR-SE DE SUA COMPETENCIA RESIDUAL, INSTITUINDO IMPOSTO NOVO (ART. 154, I, DA CF).

III – RECURSO E REMESSA IMPROVIDOS.” (AC nº 96.0223813-5, rel. Juiz Henry Barbosa, DJ de 19.03.98, p. 188 – grifamos)

“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO – EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE VEÍCULOS – NCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 10 DO DL. 2.288/86.

I) O EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE A AQUISIÇÃO DE VEÍCULOS ESTÁ SUJEITO AS NORMAS QUE REGEM OS TRIBUTOS, SUBMETENDO-SE AOS PRINCÍPIOS REGEDORES DA ATIVIDADE ESTATAL, DENTRE ELES O DA PRECEDÊNCIA DO EXERCÍCIO.

II) AUTÊNTICO IMPOSTO, INSTITUIDO COM BASE NA COMPETÊNCIA RESIDUAL DA UNIÃO, TENDO, COMO FATO GERADOR, A AQUISIÇÃO DO VEÍCULO E, POR BASE DE CÁLCULO, O VALOR DA OPERAÇÃO, INCIDINDO NO ATO DA AQUISIÇÃO, OBRIGA-SE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS.

III) SUA COBRANCA OFENDE, AINDA, OS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DO DIREITO DE PROPRIEDADE.

IV) APELAÇÃO QUE NÃO SE CONHECE POR LHE FALTAR O PRESSUPOSTO DA ADMISSIBILIDADE. NAS AÇÕES DE REPETIÇÃO DO INDEBITO A TAXA DE JUROS E DE 12% A.A. (ART. 167 DO CTN) E CONTADOS A PARTIR DO TRÂNSITO EM

JULGADO DA DECISÃO. EM QUE PESE TENHA A SENTENÇA FIXADO OS JUROS EM 6% A.A., AGRAVAR A SITUAÇÃO DO ENTE PUBLICO. REMESSA NECESSÁRIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO, APENAS EXPLICITANDO QUE A CORREÇÃO FAR-SE-Á PELOS MESMOS ÍNDICES QUE ATUALIZAREM OS PRECATÓRIOS JUDICIAIS. DA PROVIMENTO, CONDENANDO A UNIÃO FEDERAL A RESTITUIR OS VALORES PAGOS A TÍTULO DE EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE A COMPRA DE VEÍCULOS, ACRESCIDOS DE CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DO RECOLHIMENTO INDEVIDO (SUMULA TFR No 46) PELOS ÍNDICES UTILIZADOS PARA ATUALIZAÇÃO DOS PRECATÓRIOS JUDICIAIS, DE JUROS, DE 1% A.M., A

CONTAR DO TRÃNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE 5% SOBRE O VALOR QUE SE APURAR EM EXECUÇÃO.” (AC nº 960217924-4, rel. Juíza Maria Helena, DJ de 11.03.97, p. 13145 – grifamos)

“CADERNETA DE POUPANCA – ÍNDICES DE RENDIMENTO – CORREÇÃO MONETÁRIA – ALTERAÇÃO DAS NORMAS – DIREITO ADQUIRIDO – IOF.

I – O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DIREITO ADQUIRIDO APLICA-SE A TODA E QUALQUER LEI INFRACONSTITUCIONAL, SEM QUALQUER DISTINÇÃO

ENTRE LEI DE DIREITO PUBLICO E LEI DE DIREITO PRIVADO, OU ENTRE LEI DE ORDEM PÚBLICA E LEI DISPOSITIVA.

II – NÃO PODE DETERMINACAO DE ORDEM LEAL, EXPEDIDA DURANTE O TRANSCURSO DO MÊS, EXPURGAR PARTE DA CORREÇÃO MONETÁRIA DE DEPÓSITOS EM CADERNETA DE POUPANCA, SOB PENA DE OFENSA AO DIREITO ADQUIRIDO.

III – SOMENTE POR LEI COMPLEMENTAR PODERIA A UNIÃO UTILIZAR-SE DE SUA COMPETÊNCIA RESIDUAL PARA INSTITUIR IMPOSTO NOVO (ART.154,I,DA CF), COMO E O CASO DO IOF, INCIDENTE SOBRE DEPÓSITOS BLOQUEADOS.

IV – APELAÇÕES DA CEF E DO BACEN IMPROVIDAS; PROVIDO O RECURSO DA AUTORA.” (AC nº 94.0200335-5, rel. Juiz Castro Aguiar, DJ de 21.12.95, p. 89 – grifamos)

Conclusões

Concluindo, como a legislação do IOF determina expressamente que as operações abarcadas pelo imposto são somente aquelas que envolvam instituições financeiras, a nova incidência criada pela Lei nº 9.779/99 é um novo imposto, que somente poderia ser instituído através de lei complementar, posto que contido na competência residual da União (art. 154, I, da C.F.).

Gilberto de Castro Moreira Junior, doutorando em direito tributário pela USP e advogado em São Paulo

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