Pedida a renúncia de FHC

Pedida a renúncia de FHC

Autor

3 de fevereiro de 1999, 23h00

O Instituto de Defesa das Instituições Democráticas, presidido por Celso Antônio Bandeira de Mello e do qual fazem parte os juristas Paulo Bonavides, Américo Lacombe, João Roberto Egydio Piza Fontes, Eros Grau, entre outros, está pedindo a “imediata renúncia” do presidente Fernando Henrique Cardoso.

O pronunciamento da entidade foi divulgado nesta quinta-feira em um documento de três laudas. O texto afirma, logo em seu primeiro parágrafo, que o país se encontra “sem rota, sem rumo, sem projeto político nacional”.

O documento, redigido por Bandeira de Mello, afirma que o Brasil transformou-se “num mero posto de atendimento, estação de parada para a barganha dos donos do dinheiro do mercado internacional”.

Ao final, o Instituto pede a substituição dos atuais governantes federais, oferecendo-lhes “como única alternativa e único ato patriótico, para permitirem a sobrevivência do Estado brasileiro e a sua reconstrução, a sua imediata renúncia e o cumprimento do Direito para a sua substituição. De outra forma, não restará alternativa senão o “impeachment”.”

Leia a íntegra do pronunciamento

Pronunciamento

País de crises ou dado a conviver com crises constantes, o Brasil vive a pior de todas as que suportou em seus cento e setenta e sete anos de história. Sem rota, sem rumo, sem projeto político nacional. Soberano e praticável no quadro oferecido pelo Poder Executivo, o brasileiro assiste, perplexo, a derrocada de um modelo político e econômico, apregoado pelos governantes atuais, com aquele que o conduziria à superação de uma fase de misérias humanas, sociais, administrativas e econômicas, que se vem arrastando desde a colonização.

O milagre, cujo deus de ocasião teria produzido, mostrou-se, em menos de uma semana deste trágico janeiro, o que era em essência: uma miragem paga com a sangria da cidadania, da soberania e da dignidade de cada um e de todos os filhos desta pátria.

Mas a transfiguração daquela miragem na realidade aflitiva que ora experimentam os brasileiros, e conta a qual se há de lutar, não tem causas anônimas, imprevistas ou inesperadas. Ela era não apenas prevista e previsível, como foi denunciada, reiteradamente, por setores da sociedade, que alertaram contra a falácia da retórica palaciana, teimosa em esconder os mais de 35 milhões de brasileiros reduzidos à indigência e à miséria; os mais de 17 milhões de desempregados, vilipendiados não apenas em seus sonhos, mas em sua vida cotidiana; o aumento quadruplicado da dívida externa, no período dos últimos quatro anos, que correspondeu, de resto, a paralela e correlata diminuição da capacidade de produção da indústria nacional; a diminuição quase total do patrimônio nacional pela alienação dos nossos bens minerais e das empresas estatais, alienados uns e outras ao capital estrangeiro, de natureza meramente especulativa e cuja nação é a dos juros exorbitantes, no grande cassino do mercado, impatriótico e andejo, cigano vestindo o discurso da globalização (novo nome do imperialismo colonialista); e, afinal, a anulação do pacto federativo, que traduzia as estrelas de nossa bandeira, rasgada pelo discurso do neoliberalismo.

O Brasil transformou-se, por obra e arte do atual Presidente da República, essa, aliás, reduzida a um Império, num mero posto de atendimento, estação de parada para a barganha dos donos do dinheiro do mercado internacional.

Como antes já ocorrera, a abertura dos portos às nações amigas fez-se por ato pessoal de um governante, para atender à sua clientela eleita. O preço: a vida presente e futura dos brasileiros. A fraude fez-se à mostra para a desesperança dos que queriam acreditar. O logro faz-se às ruas, prenhes de macacões sem rumo, de meninos quase sem corpos, de cidadãos sem trabalho, sem dignidade e sem esperança, enfim, sem cidadania.

A frustração tem um preço: a desconfiança quanto ao autor das políticas tão pouco públicas, nada brasileiras, que já eram demonstradas desde o início. Mas as denúncias, antes feitas, esbarraram nos ouvidos de mercador do atual Presidente. O resultado está nas ruas, nas praças, nos viadutos, sob os quais se aboletam mendigos de pão e de esperança, que o governo já não pode sequer dizer possível oferecer.

A democracia vive da confiança do povo em seu governo. E confiança pública não se resgata pelo autor de sua ruptura.

Por isso, para que não se perca de vez o Brasil, nem a esperança de nele se construir uma verdadeira democracia social, há de se substituírem os atuais governantes federais, na forma constitucionalmente prevista, impondo-se-lhes como única alternativa e único ato patriótico, para permitirem a sobrevivência do Estado brasileiro e a sua reconstrução, a sua imediata renúncia e o cumprimento do Direito para a sua substituição. De outra forma, não restará alternativa senão o “impeachment”.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!