Saldo positivo

Análise: quem foi João Figueiredo.

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23 de dezembro de 1999, 23h00

Humor de cavalariano em estrebaria e frases descuidadas, como a de que cavalos cheiram melhor que o povo, podem ser as lembranças mais presentes a respeito do general João Baptista de Figueiredo – que morreu nesta sexta-feira (24/12).

Para compreender o seu papel institucional, contudo, deve-se descartar tanto o folclore de suas fanfarronices quanto o elogio fácil do obituário.

Seu antigo porta-voz, o ex-diplomata Carlos Átila que agora pontifica no Tribunal de Contas da União, descreveu hoje o general como “o campeão da democracia que iniciou o processo de democratização e garantiu a transição para um governo civil”.

Na realidade, quem iniciou esse processo foi o general que o antecedeu: Ernesto Geisel, a quem Figueiredo chamava de “alemão” na época em que os dois ainda se relacionavam.

Geisel decepcionou-se depois com seu herdeiro. Achou que o sucessor não correspondeu às suas expectativas. O grupo de Geisel atribui os desvios ao fato de Figueiredo ter se deixado envolver pela família e por pessoas sem preocupações institucionais.

Em entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico, o general Ivan de Souza Mendes, integrante do grupo Geisel que chefiou o Serviço Nacional de Informações (SNI) no governo Sarney, admite que, apesar dos desentendimentos, todos concordam que Figueiredo soube dar “o acabamento necessário ao processo de transição” e lhe atribui o mérito de ter conduzido o encerramento do período militar pacificamente.

Ivan Mendes foi o responsável pelo esvaziamento das funções inconstitucionais praticadas pelo SNI desde a época em que o órgão era comandado por João Figueiredo.

Credita-se a Figueiredo, em especial, uma decisão importante, ao final de seu governo: poderia ter ficado mais dois anos no poder, como queria o grupo que o cercava, mas ele se negou a continuar.

Essa possibilidade era tão concreta que chegou a ser defendida publicamente por um dos líderes oposicionistas da época – o então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola.

Por essa época, Figueiredo se afastara do grupo que o levou ao poder. Em especial do ex-major Heitor Ferreira de Aquino que, em dado momento, chegou a mesmo a “grampear” o gabinete presidencial, segundo revelaria, mais tarde, o próprio general-presidente ao Jornal da Tarde.

Hoje pela manhã, ao lamentar a morte do ex-presidente, Brizola enalteceu a memória do falecido e lembrou que, com a morte de Tancredo Neves, Figueiredo queria passar a faixa presidencial para Ulysses Guimarães e não para José Sarney.

É verdade que essa possibilidade chegou a ser cogitada. Figueiredo fez de tudo para que Paulo Maluf não fosse seu sucessor. Mas, embora Sarney participasse desse movimento, o general o considerava um traidor que se bandeou no final do regime por puro oportunismo.

Entanto, Figueiredo nada fez para interferir, até porque a sua mágoa contra Sarney (que era presidente da Arena e representante do regime militar no Congresso) era bem menor que a resistência da caserna a Ulysses.

Entre os pecados cometidos pelo general-presidente, mesmo entre seus críticos, há um que não lhe é atribuído: o da desonestidade.

Embora não tenham sido poucas as irregularidades apontadas durante seu governo (apesar da censura residual que ainda vigorava), não se tem notícia de envolvimento pessoal de Figueiredo em atos de corrupção. A prova, como se testemunha, é o fato de sua família sobreviver, ainda hoje, exclusivamente dos ganhos legais do ex-presidente.

Último militar a presidir o Brasil, morreu em seu apartamento em São Conrado, na zona oeste do Rio de Janeiro. Neste ano, o ex-presidente chegou a ser internado duas vezes.

Figueiredo estava com 81 anos havia adquirido uma hérnia de disco, estava se submetendo a hemodiálise em razão do mau funcionamento dos rins, sofria de incontinência urinária, tinha problemas respiratórios, cardíacos e restavam-lhe apenas 30% da visão. O militar chegou a se tratar com Rubens de Faria Júnior, o médium que diz incorporar o Dr. Fritz.

O governo do general Figueiredo durou de março de 1979 a março de 1985. Seu mandato foi marcado por fatos como a anistia que permitiu o retorno dos exilados políticos ao Brasil e diversos atentados à bomba como, por exemplo, o do Riocentro.

A anistia foi destacada na nota oficial divulgada hoje pelo Palácio do Planalto. Fernando Henrique Cardoso decretou luto oficial de três dias, mas informou que não irá ao velório nem ao enterro. Ele designou o general Gleuber Vieira, comandante do Exército para representá-lo.

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