No filme “Advogado do Diabo” (“The Devil’s Advocate”, dirigido por Taylor Hackford), o personagem (Keanu Reeves), pergunta à (Al Pacino) porque razão o demônio havia se personificado num advogado? A resposta de Satanás é no mínimo, curiosa: “O advogado está em tudo”.
Se a comparação do advogado com o demônio pode parecer um pouco ortodoxa demais, cresce a impressão de que os profissionais do Direito não exercem mais o papel que antes lhes era reservado. Desde que Bolimbroke criou, e Montesquieu sistematizou, a tripartição dos poderes, a administração da Justiça passou a ser função do juiz que julga, do promotor que representa a sociedade e do advogado que defende os interesses de seus clientes. Mas será que este modelo se aplica nos dias de hoje?
Um dos mais sérios sintomas da má formação jurídica, incompleta e insuficiente dos operadores do direito, é, sem dúvida alguma, a incapacidade da atuação plena e satisfatória no campo das finanças e do mercado de capitais, especialmente em face da globalização e da interpenetração dos mercados. O amplo desconhecimento dos mecanismos de funcionamento e dos efeitos jurídicos que daí são oriundos é prova que, hoje, o Poder Judiciário não está em condições de aduzir a uma análise mais profunda dessas questões.
As matérias bancária e mercado de capitais, ministradas em geral nos anos finais do curso de bacharelado, são suficientemente complexas e demandam informações complementares de outras áreas como contabilidade, finanças, economia, que não fazem parte dos currículos das faculdades de Direito. Ademais, os problemas decorrentes dos contratos plurilaterais de execução continuada e a complexidade do funcionamento do sistema financeiro, da poupança e do crédito, ou a natureza das finanças monetárias, escapam da visão puramente legalista do Direito.
As áreas que tratam dos mercados financeiros e de capitais, dos valores mobiliários e derivativos – campo misterioso dos negócios – ficam fora de discussão em muitas faculdades de Direito pois a exigência de conhecimentos de áreas estranhas ao Direito desanima professores e alunos.
É necessário, portanto, mudar o perfil do advogado que atua (ou pretende atuar) neste mercado. É necessário que este novo profissional possa dispor de mecanismos para uma análise econômico-normativa dos instrumentais financeiros para que se dominem as funções operacionais, bem como da utilidade de novas modalidades contratuais, de riscos e efeitos jurídicos dos negócios das instituições financeiras, assim como os benefícios deles decorrentes. Este profissional precisa conhecer questões de contabilidade, finanças, estatística, macro e microeconomia, além de matérias operacionais ligadas ao Sistema Financeiro Nacional e do Mercado de Capitais.
Se o próprio papel do advogado vem se transformando ao longo do tempo, a grande notícia é que se abre novos nichos de trabalho, essenciais a uma profissão que busca, quase que desesperadamente, se reinventar.
Daí a necessidade dos advogados saírem de suas torres de marfim, com o monopólio do conhecimento de leis, regulamentos e portarias. O que valerá são os conceitos e não a elaboração de brechas e lacunas na lei, que por muito tempo, possibilitaram a criação das mais diversas “teses” jurídicas.
Numa sociedade em constante mutação, estar atualizado significa muita coisa. A informação está a tal ponto disseminada e o seu acesso tão irrestrito que, possuí-la é uma condição inicial – e sem dúvida, necessária – para participar do jogo. Infelizmente, os advogados que não se preocuparem com a produção de novos conceitos e com a constante formação de novos paradigmas estarão fadados ao fracasso. O que era válido ontem não será mais amanhã, e as cortes, mesmo que de maneira mais lenta, responderão aos anseios da coletividade.
Hoje, mais do que nunca, o advogado deve conhecer o negócio em que está envolvido e deve. E, sendo assim, os aspectos jurídicos de cada negócio, passam a ser absolutamente essenciais na vida empresarial, quer pública, quer privada.