Erro médico

Nos EUA, planos de saúde estão respondendo por erro médico.

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17 de agosto de 1999, 0h00

Numa série de decisões nos últimos 20 meses, juízes de todo os Estados Unidos começaram a permitir que os pacientes processem empresas de assistência médica por erros de prática profissional. Durante décadas esses pedidos foram constantemente rejeitados pelos tribunais. No passado, juízes federais e estaduais freqüentemente permitiram que os planos de saúde e outras empresas de seguro-saúde se eximissem de responsabilidade, dizendo que os pacientes não tinham o direito de processá-los por danos. Mas, recentemente, os juízes das cortes distritais federais e de apelação mostram-se mais receptivos a queixas sobre a qualidade do atendimento oferecido pelos planos.

As ações tornam-se cada vez mais freqüentes na medida em que os pacientes são submetidos às restrições de despesas dos planos, hoje a forma predominante de seguro-saúde nos EUA. O direito de os pacientes processarem as seguradoras tem sido a questão mais polêmica no Congresso, enquanto o Senado e a Câmara discutem a legislação conhecida como carta de direitos dos pacientes.

O Senado recentemente aprovou uma lei que amplia a cobertura dos planos de saúde para um pequeno número de americanos, depois de rejeitar a proposta democrata de garantir o direito a processar. O presidente Clinton disse que vetaria a medida porque ela oferece “proteções parciais e ineficazes”. A Câmara está elaborando uma petição para redigir um novo texto que incluirá o direito a processar.

A lei federal que regulamenta os benefícios dos assalariados desde 1974 formou um escudo protetor em torno dos planos de saúde. Chamada Employee Retirement Income Security Act (Decreto de Seguridade de Rendimentos para Trabalhadores Aposentados), e conhecida como Erisa, a lei dificultou a vitória dos pacientes em processos por negação de benefícios, principalmente porque o Congresso quis que os empregadores definissem planos de saúde e de aposentadoria que não os expusessem a litígios dispendiosos.

Os pacientes e advogados recentemente encontraram formas de contornar uma disposição legal que permite aos pacientes cobrar apenas o valor dos benefícios negados, e não indenizações ou ressarcimentos por perdas salariais, dor ou sofrimento.

Por exemplo, este ano o tribunal federal distrital de Urbana, Illinois, autorizou uma mulher a processar a Health Alliance-Midwest porque as enfermeiras do plano não diagnosticaram pelo telefone que seu marido estava sofrendo um problema cardíaco. Segundo o processo, uma enfermeira disse a Gary Crum, de 42 anos, que a dor no peito que ele sentia era provavelmente conseqüência de “excesso de acidez estomacal”. Crum morreu de infarto algumas horas depois.

O juiz Michael P. McCuskey disse que a viúva, Kelly Crum, está questionando a “qualidade do atendimento médico”, e não a negação de benefícios, por isso pode enquadrar a reivindicação no estatuto de morte dolosa.

Até 1995 a Suprema Corte dos Estados Unidos enfatizou o amplo alcance da Erisa, que anula “quaisquer e todas as leis estaduais que se referem hoje ou futuramente a qualquer plano de benefícios de assalariados”. Mas desde 1995 a corte tem dado precedência à suposição de que os Estados podem exercer seus “poderes históricos de decisão” nos “campos tradicionais de regulamentação estadual”, o que inclui os planos de seguro e atendimento à saúde.

Na tentativa de tornar os planos mais responsáveis, os comissários estaduais de seguros recomendaram este mês que todos os Estados definam procedimentos de apelação para as pessoas que quiserem contestar a negação de atendimento pelos planos de saúde. O modelo de legislação, elaborado pela Associação Nacional de Comissários de Seguros, permitiria que os consumidores recorram a um painel de peritos em medicina.

Especialistas jurídicos dizem que sem uma mudança na lei federal é difícil processar uma seguradora por omissão de atendimento a um paciente, nos termos dos planos de benefícios a assalariados. Mas os queixosos já estão usando novos argumentos para ganhar indenizações por qualidade de atendimento insuficiente, ou seja, por erro profissional.

No passado, quando um paciente processava por erro profissional o alvo era geralmente um médico. Mas o Promutual Group, uma seguradora de erros profissionais sediada em Boston, diz que “as organizações de assistência à saúde estão sendo cada vez mais responsabilizadas em casos de erros médicos”.

Daly D. E. Temchine, um advogado de Washington que representa organizações de assistência à saúde, diz que os pacientes e seus advogados gostam de processar os planos por acreditar que eles são muito ricos. Nos últimos meses, juízes de 15 Estados americanos obrigaram os planos a se defender em ações que envolviam suicídio, infarto, síndrome infantil de morte súbita, câncer e outras doenças. Os Estado são Arizona, Califórnia, Connecticut, Flórida, Illinois, Massachusetts, Missouri, Nova York, Nova Jersey, Ohio, Oklahoma, Pensilvânia, Carolina do Sul, Texas e Virgínia.

Os juízes disseram que os planos de saúde podem ser processados com base em várias teses jurídicas. Alguns tribunais responsabilizaram os planos por negligências dos médicos, especialmente quando estes atuam como agentes do plano. Outros tribunais aceitaram processos de pacientes contra planos por “quebra do dever fiduciário”, o que significa a obrigação de agir no interesse dos participantes e beneficiários.

Em Connecticut, o juiz da corte federal distrital Christopher F. Droney decidiu recentemente que um dos maiores planos de saúde do Estado, o Physicians Health Services, podia ser acusado de negligência por um homem cujo filho cometeu suicídio. O queixoso, Stewart R. Moscovitch, disse que o plano deixara de pagar para seu filho, que sofria de grave depressão, o tratamento psiquiátrico num hospital, transferindo-o para um centro de tratamento para drogados, onde ele se enforcou.

O juiz disse que o processo podia correr num tribunal estadual porque envolvia “reivindicações de negligência médica, e não de negação indevida de benefícios pelo plano”. Numa entrevista na semana passada, Moscovitch disse: “Acho que neste caso o plano de saúde tinha de ser responsabilizado. Acredito do fundo do coração que eles mataram meu filho ao tomar uma decisão médica visando lucros”.

Alice C. Ferreira, porta-voz do plano de saúde, disse: “O trágico resultado deste caso entristece a todos”. Mas acrescentou: “Quando os fatos forem apresentados no tribunal, provarão que a PHS cumpriu suas obrigações” para com a família Moscovitch.

O presidente Clinton, os congressistas democratas e alguns deputados republicanos dizem que o direito de processar é um elemento essencial em qualquer legislação sobre assistência à saúde, porque geralmente são os planos que decidem o tipo de tratamento dado aos pacientes. Mas os senadores republicanos, os planos de saúde, as empresas de seguros e os empregadores se opõem com veemência a qualquer novo direito a processar, dizendo que isso aumentaria os custos dos planos, deixando mais americanos sem seguro-saúde.

O juiz Ralph J. Cappy, da Suprema Corte da Pensilvânia, abordou essas preocupações numa decisão recente: “Reconhecemos que ao permitir processos por negligência haverá um impacto financeiro sobre os planos de saúde”, ele escreveu. Mas “os pacientes têm o direito de se livrar dos erros médicos”. David L. Trueman, um advogado de Nova York que já representou dezenas de pacientes, disse: “A disposição dos tribunais de proteger o consumidor é coerente com a mudança da opinião pública em relação aos planos de saúde e à necessidade de responsabilizá-los por atos prejudiciais aos pacientes”.

Este ano a Suprema Corte da Pensilvânia aceitou uma ação contra um plano movida por um homem que disse estar tetraplégico porque houve um atraso de três horas em sua transferência para um hospital onde seria tratado de infecção na coluna vertebral.

O plano de saúde disse que a lei federal sobre benefícios aos assalariados impede essas reivindicações e citou como prova várias decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos nas décadas de 80 e início de 90.

Mas o juiz Cappy disse que a Suprema Corte “mudou perceptivelmente sua visão” em 1995. Em conseqüência, concluiu, “o Congresso não pretende anular as leis estaduais que regem o provimento de assistência médica” nem pretende impedir ações por negligência dos planos de saúde.

Em janeiro um júri da Califórnia deu o veredicto mais alto da história contra um plano de saúde, a uma mulher cujo marido morreu de câncer no estômago: US$ 120,5 milhões. Teresa Goodrich teve permissão para processar porque seu marido, David, tinha sido promotor distrital e as limitações da lei Erisa não se aplicam aos planos de saúde para funcionários públicos.

As recentes decisões agradaram os advogados de consumidores e causaram preocupação aos planos de saúde. Essas entidades dizem que as decisões judiciais mostram que não é necessário modificar a Erisa, porque os pacientes podem reivindicar seus direitos segundo a lei vigente. Mas até agora os direitos dos pacientes e as decisões judiciais são de certa forma imprevisíveis, e muitas vezes os pacientes precisam se deslocar várias vezes entre tribunais federais e estaduais. Para o advogado Trueman, apesar das recentes vitórias de consumidores, “a lei nesse campo é fluida, freqüentemente limitada e às vezes confusa”.

O professor Timothy S. Jost, especialista em direito da saúde na Ohio State University, disse: “Ainda é bastante claro que não se pode processar diretamente um plano por negação de benefícios, por mais evidente que seja a omissão. Isso protege muito a atuação dos planos”. Jamie Court, diretor da Consumers for Quality Care, um grupo de defesa de consumidores de Santa Monica, Califórnia, disse que o Congresso deve agir para esclarecer os direitos dos pacientes.

Fonte: New York Times

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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