Legítima Defesa

Hipóteses de legítima defesa no Direito Civil

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10 de agosto de 1999, 0h00

Desde os tempos mais antigos quando os homens passaram a manter relações entre si sempre houve nítida preocupação de salvaguardar a segurança dos negócios entre eles convencionados, de modo que não se permitisse a perpetração de abusos de direito ou de enriquecimentos ilícitos em detrimento de um prejudicado. Este, sem dúvida, foi escopo com que surgiu a positivação do ordenamento, vale dizer, o estabelecimento de regras escritas que pudessem ser objeto da apreciação por um órgão imparcial, visando, ao fim, a solução dos conflitos sem a necessidade da justiça pelas próprias mãos como era praxe nas épocas bárbaras.

No entretanto, em algumas oportunidades viu-se que tão somente o julgamento por um órgão autônomo, a lume do ordenamento escrito, não seria suficiente para coibir a lesão à determinados direitos, posto que a situação emergencial reclamava uma atuação de plano. Não por outro motivo o próprio direito positivo tratou de prever estas hipóteses, i.e., situações de emergência em que se autoriza ao lesado, independentemente do socorro do judiciário, atuar na defesa do seu direito, trata-se das hipóteses que a doutrina civilista convencionou chamar de legítima defesa.

Calha a fiveleta, antes de adentramos ao estudo especificado de cada uma das hipóteses de legítima defesa no direito civil fazermos uma distinção em relação a legítima defesa penal. Conquanto ambas tenham repouso no mesmo fundamento, qual seja, a auto-proteção de um direito próprio diferem de modo sensível. A legítima defesa penal consiste em repelir uma agressão injusta, atual ou iminente, cuja conseqüência da sua ocorrência repercute estritamente no campo penal é, por exemplo, a defesa contra uma tentativa de homicídio. Já em relação a segunda – legítima defesa civil -, ao revés, a repercussão da sua ocorrência dá-se na esfera civil, gerando o direito, por exemplo, a manutenção da posse de um imóvel ou a retenção de determinada coisa como forma de garantir o adimplemento da obrigação assumida.

Destarte, uma análise minudente do ordenamento civilista nos permite apontar com clareza cinco hipóteses específicas, sem embargo da cláusula geral que autoriza a legítima defesa sempre na defesa regular de um direito (art. 160, I, CC) em que a lei autoriza a pessoa que teve seu direito violado a utilizar-se dos seus próprios meios para por fim a lesão perpetrada, são os seguintes: o embargo extrajudicial na Ação de Nunciação de Obra Nova, o Direito de Retenção, o Penhor Legal, a Legítima Defesa da Posse e o Desforço Imediato.

Primeiramente tratemos do Embargo Extrajudicial na Ação De Nunciação de Obra Nova. Assim, é de se asseverar que o objetivo desta ação é coibir o abuso praticado pela construção de obra nova que de alguma forma acarrete ao vizinho desta algum prejuízo, encontrando, pois, assento no direito de vizinhança. Nesta esteira, o legislador prevendo que em determinadas situações a demora do judiciário poderia tornar irreversível o dano autorizou o prejudicado de per si, em caso de comprovada urgência, a embargá-la extrajudicialmente através de notificação verbal ao responsável pela obra, acompanhado de 02 testemunhas, para que determine sua imediata paralisação. Deverá, ainda, o embargante, ratificar em juízo o pedido extrajudicial no prazo de 03 dias para que o judiciário se pronuncie sobre o embargo realizado.

A segunda hipótese que nos cumpre abordar é a que se refere ao Direito de Retenção conceituado com primazia ímpar pelo festejado Carlos Roberto Gonçalves como “…um meio de defesa outorgado ao credor, a quem é reconhecida a faculdade continuar a deter a coisa alheia, mantendo-a em seu poder até ser indenizado pelo seu crédito…” segue o autor para concluir “…trata-se, na realidade, de meio coercitivo de pagamento sendo uma modalidade da “exceptio non adimpleti contractus” transportada para o momento da execução, privilegiando o retentor porque esteve de boa-fé…” (Sinopse Jurídica nº 03 – Direito das Coisas, Ed. Saraiva, pág. 80). Assim, é lícito ao credor de boa-fé, pelos seus próprios meios, manter-se na posse de coisa alheia até que lhe seja adimplida a obrigação, excluindo-se do judiciário a possibilidade de atribuir direito de retenção, cabendo-lhe tão somente dizer se o “ius retentionis” exercido é justo ou não.

Ainda tratando sobre o direito de retenção, importante colacionar que os casos em que se admite esta forma de legítima defesa de direito próprio estão expressamente previstos na legislação civil e, também, na comercial. Afora isso, a sensibilidade de nossos Tribunais conseguiu apontar outras situações em que a retenção da coisa alheia também se fazia como medida de justiça, sendo o caso, por exemplo, do direito de retenção reconhecido em favor da oficina mecânica que consertou o veículo até o pagamento do serviço e do material empregado no conserto.

Relativamente ao Penhor Legal a inspiração do legislador foi no sentido de proteger determinadas pessoas, em certas situações, de forma a garantir-lhes o resgate dos seus créditos. Autoriza-se, pois, o credor pignoratício legal, havendo fundado receio de que o perigo da demora possa acarretar o não cumprimento da obrigação, independentemente de prévia ida ao judiciário, ao apossamento de determinados bens para que sobre eles possa constituir sua garantia real. Exemplificando, podemos citar o caso dos fornecedores de pousada ou alimento sobre as bagagens, móveis, jóias ou dinheiro que seus consumidores tiverem consigo nos respectivos estabelecimentos. Cumpre somente ressaltar que a constituição do penhor não se dá com apreensão dos objetos pelo credor, mas sim com a homologação judicial que deverá ser requerida logo após aquela.

Seguindo-se adiante faremos um estudo conjunto da Legítima Defesa da Posse e do Desforço Imediato, eis que por seus fundamentos estão intimamente ligados a questão da proteção possessória.

Neste diapasão, a Legítima Defesa da Posse refere-se exclusivamente a hipótese em que o possuidor é turbado em sua posse autorizando-lhe o ordenamento que se utilize deste meio de defesa direta reagindo imediatamente contra a turbação sofrida. Trata-se de situação jurídica disciplinada pela legislação e, de conseguinte, depende da observância de alguns requisitos, a saber: que o defensor seja possuidor a qualquer título, a ocorrência de turbação injusta, efetiva e atual e que haja proporcionalidade na reação apresentada. Desta Forma, observados os requisitos legais o possuidor turbado não sofrerá qualquer sanção por ter se valido deste meio de defesa. Se, porém, fizer tabula rasa dos requisitos exigidos pelo legislador, como por exemplo, no caso de atuação com excesso de violência responderá pela desproporcionalidade verificada.

No que tange ao Desforço Imediato sua aplicabilidade restringe-se as situações em que a posse tenha sido esbulhada, permitindo-se ao prejudicado restituir-se na condição de possuidor, por suas próprias forças, desde que o faça logo. Como na hipótese suso mencionada da legítima defesa da posse, a utilização do Desforço Imediato pelo possuidor esbulhado também está adstrita a observância de certos requisitos, quais sejam: que a reação se faça logo que lhe seja possível agir e que se limite ao estritamente necessário para a retomada da posse perdida. Mais uma vez, como na hipótese anterior, a inobservância dos requisitos legais acarretará a responsabilidade do possuidor esbulhado pelos danos causados.

À toda evidência, muito embora sejam institutos similares, a legítima defesa da posse e o desforço imediato, como se denota da exposição alhures realizada, são espécies de defesa direta distintas. Deveras, a primeira somente encontra espaço enquanto perdurar a turbação, vale dizer, durante todo o momento em que o possuidor efetivamente se encontrar na posse da coisa. Já no que concerne ao segundo sua aplicabilidade está restrita aos casos em que o possuidor já tendo perdido a posse da coisa, consegue reagir, em seguida, e providenciar a sua retomada.

Neste epílogo, importante salientar, que conquanto as hipóteses de legítima defesa civilistas sejam situações onde se permite que o prejudicado por seus próprios meios faça cessar a lesão perpetrada, sem a necessidade de socorro prévio do judiciário, em todas elas não se exclui de nenhuma forma a análise posterior, e obrigatória, do juízo competente para que se pronuncie sobre a legalidade da atuação do prejudicado, impondo-lhe, sempre, em caso de desrespeito daquilo que autoriza a lei, a responsabilidade pelos atos que foram praticados.

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