A água e o Direito

A água, o desenvolvimento e o Direito.

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6 de agosto de 1999, 0h00

Já é senso comum dizer que a posse – e o uso – dos grandes mananciais de água será um dos grandes temas da Diplomacia, do Direito Internacional e mesmo, dentro de cada país, do Direito Civil, Comercial e Ambiental. Ganha força, então, um debate antigo, travado freqüentemente com enorme carga emocional: o papel das represas, com destaque para as grandes unidades.

Há em construção, hoje, 1.600 represas em todo o mundo, que deverão juntar-se a 800.000 já instaladas (45.000 das quais, de grande porte). Ao longo da história, as barragens desempenharam um papel importante para a geração de energia elétrica, o controle de inundações e a irrigação. Calcula-se que elas economizem cerca de 600 milhões de toneladas de petróleo a cada ano. Há de se notar, porém, o impacto da construção das represas sobre a biodiversidade. E quatro milhões de pessoas são deslocadas a cada ano, para dar lugar às obras.

A construção e a operação de grandes represas têm dado origem a várias classes de disputas legais, envolvendo, por exemplo, dois países que dividem as águas de um mesmo rio, o que pode acontecer também entre duas regiões administrativas de um mesmo país. Ocorrem, ainda, inúmeros conflitos entre os usuários finais da água. Quem deve ser priorizado: a indústria, a agricultura ou o consumidor residencial?

O fato é que os efeitos sociais e ambientais da construção de barragens vêm fazendo com que as grandes agências financiadoras, como o Banco Mundial, estejam tornando cada vez mais rígidas as exigências para a aprovação de novos projetos. Entre 1970 e 1979, foram construídas em todo o planeta 5.415 barragens – duas vezes mais do que nos anos 50. Esse número, porém, decresceu consideravelmente nas décadas seguintes.

Foi o anseio de buscar alternativas capazes de garantir a manutenção do desenvolvimento, com total atenção às questões sociais e ambientais, que norteou a formação da World Commission on Dams (Comissão Mundial de Barragens), em 1998. Após um encontro realizado na Suíça, sob patrocínio do Banco Mundial e da União Mundial para a Conservação – IUCN – que reúne cerca de 800 agências e Organizações Não-Governamentais – decidiu-se formar um núcleo independente e eqüidistante, reunindo todos os interessados, favoráveis e contrários à construção de barragens.

A WCD/CMB não tem mandato específico para mediar disputas nacionais ou internacionais. Seus dois principais objetivos são realizar uma avaliação profunda, sobre a importância real das barragens para o desenvolvimento, e elaborar normas internacionalmente aceitáveis, que orientem futuras tomadas de decisões a respeito de novas obras.

Outra área importante do Direito, sobre a qual a WCD/CMB atua, refere-se à multiplicidade de regulamentações existentes, com relação ao planejamento, construção, manutenção, operação e, em certos casos, o desmantelamento de represas. A Comissão analisará as normas existentes, de forma a determinar quais são os mais eficazes.

O mesmo será feito com relação aos procedimentos institucionais e às formulações legais necessárias à implementação dessas normas. Nesses estudos, a WCD/CMB buscará estratégias para o fortalecimento da capacidade de iniciativa institucional – onde for necessário – e para ampliar os recursos humanos e financeiros necessários à implementação das referidas normas.

Entre as fontes de financiamento da Comissão figuram governos, como os da Alemanha e da Noruega, empresas privadas (a ABB-Asea Brown Boveri, entre outras), agências multilaterais, como o Banco Mundial, e fóruns de ONGs, como a União Mundial para a Conservação.

O presidente da Comissão é o atual ministro da Educação da África do Sul, Prof. Kader Asmal, veterano combatente contra o regime racista do apartheid em seu país, e que ocupou a pasta dos Recursos Hídricos, no governo de Nelson Mandela. A WCD/CMB deverá basear-se em 150 casos, para elaborar seu relatório final. Também serão realizados dez estudos de casos sobre represas instaladas no Brasil (Tucuruí), China, Índia e EUA, entre outros países. Após a publicação do relatório, em meados do ano 2000, a Comissão dará seu trabalho por encerrado.

América Latina

A América Latina é peça-chave nesse processo de busca de alternativas negociadas. Pela primeira vez na história do continente, uma ampla gama de entidades, agências, governos, empresas, ONGs e cientistas envolvidos com o tema das barragens, estarão sentados à mesma mesa. A 1ª Consulta Latino-americana sobre Barragens acontecerá nos dias 12 e 13 de agosto, no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo.

O Brasil, é bom lembrar, é um dos 20 países do mundo que têm a hidreletricidade como base de sua matriz energética (93% do total produzido). Também é o maior construtor de barragens da América do Sul – 600, seguido pela Argentina, com 101, e pelo Chile (87).

Entre os estudos de casos que serão apresentados no encontro figura o de Tucuruí, barragem construída na Amazônia, inicialmente para alimentar o Projeto Carajás de Mineração. Mais de 40 mil pessoas foram deslocadas para permitir a construção de Tucuruí. E a discussão ampla entre as partes interessadas, sobre os impactos – positivos e negativos – da construção dessa e de outras grandes represas poderá, sem dúvida, prenunciar padrões de negociação que nortearão várias áreas do Direito, no próximo milênio.

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