ITBI - Lei Municipal 11.154/91

A Inconstitucionalidade da Progressividade das Alíquotas do ITBI

Autor

  • Fátima Pacheco Haidar

    é advogada especialista em Direito Tributário. Conselheira da OAB-SP professora do Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário “lato sensu” do IICS – Centro de Extensão Universitária. Conselheira Suplente do Conselho Municipal de Tributos da Secretaria das Finanças do Município de São Paulo.

6 de abril de 1999, 0h00

A Lei nº 11.154, de 30/12/91, do município de São Paulo, alterou a lei nº 10.721, de 27/01/89, que regulamentava anteriormente o ITBI – Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos” e Bens Imóveis.

O ITBI, ou Imposto sobre a Transmissão “Inter Vivos” de bens imóveis, e de direitos reais, já era de competência municipal , até que a Emenda Constitucional nº 18/65 inseriu na competência impositiva dos Estados, que tinham também competência para instituir e cobrar o Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e sobre doações, sobre quaisquer bens ou direitos. Com o advento da Constituição de 1988, apenas este último imposto continuou a ser de competência estadual, sendo que a competência para instituir e cobrar o ITBI retornou aos Municípios.

O Artigo 10, inciso II, da Lei nº 11.154/91 , apresenta o seguinte texto:

“Art. 10. O imposto será calculado:

I – …

II – Nas demais transmissões, pelas seguintes alíquotas incidentes sobre as classes de valor definidas por número de Unidades de Valor Fiscal do Município de S. Paulo – UFM:

Classe de Valor do Imóvel em UFM –Alíquota

Até 3.000 – 2%

Acima de 3.000 até 5.000 – 3%

Acima de 5.000 até 6.000 – 4%

Acima de 6.000 – 6%

Tais alíquotas são aplicadas de maneira graduada (progressão graduada), em que cada alíquota maior é calculada somente sobre a parcela do valor compreendido entre o limite inferior e o limite superior, exigindo a aplicação de várias alíquotas quantas sejam as parcelas do valor, para, afinal, sendo somados todos os valores parciais, seja possível obter o montante tributário a pagar, da mesma forma que é feito o cálculo do IRPF. Na progressão simples, que difere desta, cada alíquota maior é aplicada por inteiro sobre toda a matéria tributável.

Entretanto, tal dispositivo legal é inconstitucional. Está em desacordo com o art. 156, II, parágrafo 2º, incisos I e II da Constituição de 1988, que em momento nenhum prevê a progressividade de alíquotas, como se verifica pelo texto abaixo transcrito:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I – …

II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem, como cessão de direitos a sua aquisição;

III – ….

IV – …

Par. 1º – …

Par. 2º – O imposto previsto no inciso II:

I – Não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

II – compete ao Município da situação do bem.”

Em nenhum momento podemos ler neste dispositivo constitucional que as alíquotas deste imposto serão progressivas, como lemos anteriormente no art. 156, I, parágrafo 1º do texto Magno, que autoriza a progressividade de alíquotas para o IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana.

A referida progressividade, conforme o entendimento da Municipalidade, defendido pelos nobres Procuradores Municipais em seus recursos, informações e outras peças processuais, decorreria do que prevê o parágrafo 1º do art. 145 da Constituição Federal de 1988, aqui transcrito:

“Parágrafo 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da Lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

Não obstante a tese defendida pela Municipalidade, o Art. 10º, II, da Lei Municipal nº 11.154, de 30/12/91, foi declarado Inconstitucional pelo Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de S. Paulo, que é competente para decidir causas relativas a Tributos Municipais, entendimento este consolidado pela Súmula nº 45, da qual transcrevemos o texto:

“É inconstitucional o artigo 10, II, da Lei nº 11.154, de 30.12.91, que instituiu alíquotas progressivas para o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis” (Arguição de Inconstitucionalidade nº 540.428-0/01, de São Paulo, Órgão Especial, j. em 14.12.1995, Relator Juiz Oscarlino Moeller, maioria de votos – DJE nº 82:104, de 30.04.96).”

Segundo o v. Acórdão que deu origem à súmula transcrita, a Constituição estabelece expressamente as hipóteses em que se permite a aplicação do sistema progressivo, assim o fazendo no citado parágrafo 1º do art. 156, em relação ao Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, bem como ao imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza, de competência da União, fazendo-o no inciso I do parágrafo 2º do art. 153.

Houve, assim, específica identificação de possíveis formas progressivas de impostos, reservas legais e únicas a condicionar o legislador ordinário à regulamentação respectiva por lei. A norma contida no art. 145, parágrafo 1º da Carta Magna é genérica (sempre que possível…), mas para que possa ser instituída a progressividade das alíquotas de determinado tributo, deve haver previsão constitucional da progressividade prevista no artigo da Constituição que prevê o tributo. E só há esta previsão para estes tributos, IPTU e IRPJ, sendo que, no caso do IPTU, a progressividade das alíquotas tem como fundamento assegurar a função social da propriedade, função social esta que tem que ter conteúdo jurídico fixado pelo Plano Diretor do Município. Senão, haverá inconstitucionalidade, como, aliás, decidiu recentemente o Supremo Tribunal Federal, em relação à progressividade das alíquotas do IPTU no Município de S. Paulo.

O Pretórito Excelso firmou entendimento de que a progressividade de alíquotas não atende ao princípio da capacidade contributiva. Esta tem fundamento no conceito de isonomia, não podendo ser expressada por uma forma de oneração fiscal gerando desigualdade no tratamento tributário.

A progressão de alíquotas não cumpre o princípio da igualdade e uma simples apresentação matemática é capaz de comprovar que o sistema onera muito mais os imóveis mais valorizados. Apenas a proporcionalidade simples é capaz de respeitar os desiguais na justa medida das suas desigualdades, para se fazer valer o princípio da igualdade.

ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA leciona que a tributação exige um “maximum” de legalidade, de modo que encontra ela três limites, que são: a reserva de lei, a disciplina da lei e os direitos que a Constituição garante (o tributo só pode ser criado e exigido por lei, que descreva seus elementos essenciais e que não seja discrepante do modelo tributário constitucionalmente determinado. (in “Curso de Direito Constitucional Tributário, 4ª Edição, Ed. Malheiros, p. 140/152).

A progressividade de alíquotas é um instrumento de extrafiscalidade, não se confundindo com a pessoalidade do tributo, que emana do princípio da capacidade contributiva, que é uma instrumento de justiça fiscal. Assim, claro está que a lei municipal não obedece ao modelo constitucional tributário.

A Lei Maior, ao mesmo tempo em que faculta identificar “o patrimônio..do contribuinte..” (art. 145, par. 1º), só cogita de imposto progressivo no parágrafo 1º do art. 156 que trata do IPTU e no art. 153, II, par. 2º, I, que trata do Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Em nenhum momento admite, autoriza , faculta ou cogita de “progressividade” quanto ao ITBI, pois se assim desejasse o constituinte, tê-lo-ia afirmado expressamente , ou de forma implícita no contexto do artigo, como fez o constituinte no caso do ITR (Art. 153, VI, par. 4º da C.F.), sem usar o termo “progressividade” ou “progressivo”, mas implicitamente, com o propósito de promover a reforma Agrária (..”terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas…”).

Deve, portanto, prevalecer o entendimento do Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo (Súmula nº 45), declarando-se inconstitucional o art. 10, II, da Lei Municipal nº 11.154/91, para que, dessa forma, as alíquotas não sejam mais cobradas de forma progressiva, mas somente pela alíquota única de 2% (dois por cento). Aliás, com fundamento nesta jurisprudência, as Varas da Fazenda Pública de S. Paulo têm concedido a segurança em diversos Mandados de Segurança impetrados por contribuintes paulistanos.

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