A Anatel e ordem econômica

A Anatel e a ordem econômica

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1 de abril de 1999, 0h00

A Agência Nacional de Telecomunicações e a Defesa da Ordem Econômica

I – Introdução

Na esteira da globalização, a maioria dos países busca o aperfeiçoamento de disciplinas antitruste e de mecanismos jurídicos que protejam a ordem econômica, em favor da livre iniciativa, da livre concorrência e da sociedade como um todo. Em maior ou em menor escala, essas disciplinas são destinadas, não à ação estatal para proteção a direitos individuais dos concorrentes, mas à preservação do livre mercado, através das práticas administrativas preventivas e/ou repressivas.

No ordenamento jurídico brasileiro, a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 (“Lei 8.884/94”) regula a composição destas disciplinas, através de mecanismos preventivos, anteriores à realização de atos e contratos que possam prejudicar a concorrência ou constituir infração à ordem econômica, e repressivos, com vistas a eliminar os malefícios resultantes da execução destes atos ou contratos e do abuso de posição dominante . A Lei 8.884/94 estabelece, também, os procedimentos para o exercício do direito de ação junto ao seu órgão judicante, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“Cade”), bem como para a solicitação de informações prevista em lei.

Entretanto, certas variáveis econômicas ou políticas, nacionais ou globais, como, por exemplo, a liberação de mercados que estavam sob monopólio estatal, acabam por influenciar o controle implementado pela Lei 8.884/94, podendo inclusive modificar certas competências no que se refere à atuação preventiva e repressiva dos atos contrários à concorrência e à ordem econômica. Isso decorre, em especial, das especificidades de um setor econômico, como por exemplo, o de telecomunicações.

II – O setor de telecomunicações

No Brasil, a atividade econômica de telecomunicações estava, a bem pouco tempo, sujeita ao regime jurídico dos serviços públicos. O Poder Público estabelecia as diretrizes de empreendimento e de regulamentação do setor de telecomunicações, ora atuando diretamente na atividade econômica através de estatais, ora indiretamente, através da outorga de concessão para a realização destas atividades econômicas aos particulares, constituindo-se, de fato, um regime de monopólio legal. Mesmo após a edição da Lei 8.884/94, que previa sua aplicabilidade nas atividades sob o regime de monopólio legal, foi dada muita pouca atenção ao aspecto concorrencial, bem como às infrações da ordem econômica, pois as condições políticas e econômicas ainda eram determinadas de forma extensiva e exclusiva pelo Poder Público.

Entretanto, introduzida a concorrência no setor de telecomunicações, em meados do ano de 1997, adotou-se, com certas variáveis, um regime jurídico misto no âmbito das atividades de telecomunicações. O Poder Público continuou a exercer sua atividade reguladora e fiscalizadora, transferindo à iniciativa privada a responsabilidade pela capacidade empreendedora. Desta forma, a conseqüente extinção dos monopólios existentes, o livre acesso às redes de comunicação, bem como a possibilidade do exercício desta atividade econômica pelos particulares, estimulou o sistema de defesa da concorrência, coibindo as infrações da ordem econômica, que já era plenamente fundamentado pela Lei nº 8.884/94, mas não perfeitamente adequado às peculiaridades do setor de telecomunicações.

Atualmente, o ramo de telecomunicações já desfruta de um sistema de controle de suas atividades econômicas, cujo órgão disciplinador e fiscalizador é a Agência Nacional de Telecomunicações (“Anatel”), criada pela Lei 9.472 de 16 de julho de 1997 – Lei Geral de Telecomunicações (“LGT”), que disciplina a organização dos serviços de telecomunicações.

Diante deste novo panorama, a LGT estabeleceu, com fundamento nos princípios constitucionais da liberdade de iniciativa, livre concorrência e repressão ao abuso do poder econômico , que os serviços de telecomunicações deverão ser organizados de forma a propiciar livre, ampla e justa competição entre todas as prestadoras de serviços, devendo o Poder Público atuar como agente regulador, para corrigir os efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica neste setor.

Assim, a Anatel passou a exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, e defesa da concorrência, ressalvadas as pertencentes ao Cade.

III – Das atribuições da Anatel

No âmbito do Sistema de Defesa da Ordem Econômica, o Cade, nos termos da Lei nº 8.884/94, detêm competência para:

(i) – julgar os processos instaurados pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico (“SDE”), em decorrência de condutas que possam representar infração à ordem econômica, podendo ser aplicada medida preventiva ou ordem de cessação, nos termos dos incisos II, III, V e VI do artigo 7º da Lei nº 8.884/94;

(ii) – aprovar ou rejeitar a realização de atos ou contratos, nos termos do artigo 54 da Lei nº 8.884/94, que possam limitar ou prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, ou atuar junto aos aspectos que possam representar uma ameaça à livre concorrência, definindo compromissos de desempenho, de acordo com o que dispõem os incisos VI, XII, XVII, do artigo 7º da mesma lei; e

(iii) – atuar como instância homologatória e recursal em relação a atos da SDE, nos termos dos incisos IV e VII do artigo 7º da Lei nº 8.884/94.

As competências originárias do Cade, acima mencionadas, foram consolidadas pela LGT, apenas com relação aos atos ou contratos discriminados no artigo 54 da Lei nº 8.884/94, que possam representar concentração econômica, ameaçando a livre concorrência (atos de concentração). Contudo, nos termos do inciso XIX do artigo 19 da LGT, a Anatel passa a ter competência para zelar pelo controle, prevenção e repressão das infrações à ordem econômica, ressalvadas as competências do Cade (condutas anticoncorrenciais). Isso significa que o Cade permaneceu como órgão competente para analisar e julgar os atos de concentração, e a Anatel, relativamente às telecomunicações, deverá analisar e julgar as condutas que vierem a ser consideradas infrações à ordem econômica.

Destarte, tanto para os atos de concentração, como para as infrações à ordem econômica, a Anatel passou a exercer as atribuições da SDE e da Secretaria de Acompanhamento Econômico (“SEAE”), quais sejam:

(i) – a instrução de processos destinados à repressão de condutas que possam representar infração à ordem econômica (averiguações preliminares), encaminhando-os para a decisão do Cade, nos termos dos artigos 30 e 31 da Lei nº 8.884/94; e

(ii) – a emissão de pareceres jurídicos (de competência da SDE) e econômicos (de competência da SEAE) sobre os atos e contratos discriminados no artigo 54 da Lei nº 8.884/94.

Antes da aprovação da Lei 9.472/97, por exemplo, os requerimentos para autorização pelo Cade dos atos e contratos previstos no art. 54 da Lei n° 8.884/94 no setor de telecomunicações, deveriam ser dirigidos à SDE. A via do requerimento destinada ao Cade devia ser acompanhada de um conjunto de documentos e informações, fornecidos pela requerente, conforme especificado na Resolução n° 5, de 28 de agosto de 1996 (“Resolução n° 5/96”) do Cade. Instruído o processo, a SDE encaminhava-o ao Cade anexando seu próprio parecer a respeito dos efeitos do ato ou contrato sobre a concorrência.

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