Continuação 5: Mendonça de Barros e Resende acusados de improbidade
9 de dezembro de 1998, 23h00
80 – A ciência da existência dessa medida liminar se deu rapidamente e de forma inequívoca, posto que o Procurador da União exarou cota nos próprios autos da Ação Popular, cujo teor assinalava que desde 04:30 horas do dia 29 de Julho de 1998, já era do conhecimento da própria União os termos da liminar concedida.
81 – Também se comprova a ciência da União Federal e demais Rés naquela ação, acerca da medida liminar que proibiu o referido leilão de privatização, através da petição de pedido de suspensão dessa liminar, dirigido ao presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, protocolada no dia 29 de Julho de 1998, às 9:31 h, cerca de meia hora antes do leilão.
82 – Esse pedido de suspensão foi registrado às 09:48 horas daquele mesmo dia, mas somente foi deferido às 14:50 horas, cerca de 6 horas e 50 minutos depois da instalação e realização do leilão.
83 – Assim sendo, comprovado está que o leilão de privatização da Telebrás ocorreu sob a vigência e em desobediência à medida liminar que o proibiu.
84 – Aliás, o fato do leilão ter se realizado enquanto vigia ordem judicial que o proibia, agora já se explica pela inusitada convicção que a cúpula governamental tinha a respeito de todo o direcionamento e condução do processo de privatização, visto que do teor NUNCA NEGADO das falas gravadas, já era certo e consumado que as ações judiciais que sequer haviam transitado em julgado não seriam empecilho para o deslinde da privatização. Ou então, qual seria a explicação mais condizente para a afirmação a seguir transcrita do Ministro Mendonça de Barros?
Fernando Henrique: E as ações?
Mendonça de Barros: As ações. Pipocaram um bando de ações agora. Mas…. vai dar um trabalhinho a mais, mas não vejo problema algum. Não tem nada de substância. (Revista Época, nº 27 – p. 30)
85 – Certo é que se “pipocaram” ou não, se deram algum “trabalhinho” ou não, as ações que ainda estão em curso, e que versam sobre as mais variadas e flagrantes irregularidades que existiram no processo de privatização como um todo, coincidentemente, não tiveram o condão de obstar ou suspender quaisquer atos decorrentes da prática das ilegalidades, fossem eles consubstanciados em meras irregularidades formais, ou em ilegalidades propriamente ditas, caracterizando assim a improbidade da administração.
86 – Por outro lado, essas mesmas ilegalidades que macularam todo o processo de privatização, independentemente de não terem sido, lamentavelmente, reconhecidas a tempo pelo Poder Judiciário, agora, afloram no âmbito político, econômico e principalmente no jurídico, trazendo consequências desastrosas e algumas delas irreparáveis, visto que o processo de privatização do Sistema Telebrás, irregularmente e ilegalmente consumado, poderá ser declarado nulo, tornando sem efeito quaisquer atos decorrentes da privatização, sem que haja a possibilidade de indenização dos compradores.
87 – E aqui Exa., faz-se necessária a apuração completa de todo o ocorrido no processo de privatização, posto que, as próprias explicações dadas pelo ex-Ministro Mendonça de Barros ao Senado Federal, indicam que, sem sombra de dúvidas, houve a ingerência do Poder Estatal além dos limites a ele conferido, no aludido processo de privatização que não observou os verdadeiros Princípios da Administração e sobretudo, o da Moralidade Administrativa.
88 – Por óbvio, as explicações dadas pelo Ministro Mendonça de Barros para o Senado, no último dia 19 de novembro, tentam transformá-lo em suposta vítima de todo um esquema político pré elaborado, posto que, para a situação de fato, nada esclarecem e nem provam que o processo de privatização foi realizado legal ou regularmente.
89 – E realmente não o foi. Dissecando as próprias explicações do Ministro Mendonça de Barros acerca dos vários trechos das fitas gravadas, temos que aquelas entram em contradição com o Princípio da Impessoalidade do Agente Públicos, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, bem como na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei Geral das Telecomunicações.
90 – Isto porque, está mais do que claro que o ex-Ministro, estimulou a criação de um consórcio, intercedeu para que o Banco Opportunity obtivesse junto ao Banco do Brasil a carta de fiança, necessária à qualificação para o leilão e ainda, autorizou a entrada de entidades estatais – BNDES-Par e da Previ – no consórcio da Telemar posteriormente ao leilão, com a aquisição de quase 44,9% das ações.
91 – Com relação à estimulação de criação forçada de consórcio e a intercessão do ex-Ministro junto ao Banco do Brasil, está mais do caracterizada a irregularidade de ambas as condutas, posto que, por determinação legal, é vedada a prática de atos que visem um fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência, contrariando os princípios basilares da ética presentes na consiciência de toda a sociedade.
92 – Por outro lado, relativamente a integração do BNDES – Par e da Previ no Consórcio da Telemar, evidencia-se a flagrante irregularidade do ato, tendo-se em vista que todas as normas que norteiam a privatização, especialmente a Lei Geral das Telecomunicações, vedam a alteração do consórcio após o leilão. Mas no contexto, o ingresso posterior no consórcio, a par da ilegalidade, causa também suspeita devido ao fato de que o BNDES Par é uma empresa controlada pelo próprio BNDES e que no caso da Telebrás, foi nomeado gestor de sua privatização.
93 – Mas, o art. 202 da Lei Geral das Telecomunicações, o qual veda a venda das ações da empresa alienada no leilão realizado, nos próximos 5 anos, não é letra morta e sua violação é suficiente para caraterizar a nulidade do ato e evidenciar a prática inescrupulosa de atos ilegais pelos ora representados.
94 – Talvez, as conversas entre o ex-Ministro Mendonça de Barros, André Lara Resende – Presidente do BNDES, Pio Borges – Vice Presidente do BNDES e Pérsio Arida – um dos sócios do Banco Opportunity interessado na Tele Norte Leste com o presidente da Previ, Jair Bilachi, possam esclarecer os procedimentos utilizados para beneficiar ilegalmente o processo de privatização:
Mendonça de Barros: Nós estamos aqui eu, André, Pérsio e Pio. Mas nós estamos muito preocupados com a montagem do Ricardo Sérgio (Sérgio, do BB) está fazendo do outro lado, entende? Porque está faltando dinheiro doutor. E a gente está sabendo que uma das alternativas é fundir as empresas com a holding. Aí fica um negócio que não fica limpo, não é? (o Ministro dá um grande suspiro ao telefone, lamentando). É a minha grande preocupação. E o presidente já ligou de novo e quer que a gente ponha em pé esse negócio com a Telemar porque senão o que aparentemente pode ser um grande sucesso pode ficar um negócio meio amargo se não for uma coisa importante como a Telemar, né?
Jair Bilachi: Ministro, nós estamos concentrando forças nesse aqui, como nós dissemos. Nós achamos que a nossa proposta é bem diferente do que eles estão colocando de ontem para hoje, mas é justa.
Mendonça de Barros: Tá, tá.
Jair Bilachi: Na linha que nós sempre tratamos todos os negócios com o senhor e com os outros.
Mendonça de Barros: Tá.
Jair Bilachi: Agora, ministro, nós estamos cacifando aqui.
Mendonça de Barros: Tá.
Jair Bilacchi: Essa questão desse outro consórcio é uma coisa que até o Ricardo deveria conversar depois com você aí.
Mendonça de Barros: Tudo bem. Mas o importante para nós é que montem com o Pérsio, evidentemente chegando a um acordo, e tudo o que precisar aqui nós ajudamos, entende? Agora vocês precisam se entender.
Jair Bilacchi: Lógico.
Mendonça de Barros: E agora nós estamos com esse probleminha de tempo aí que é a carta de fiança, que inclusive esse negócio do Banco do Brasil – eu não quero entrar no mérito deles lá – mas é chato agora no meio da tarde dizer que não vai dar.
Jair Bilacchi: Deixa eu falar com o Ricardo Sérgio. Eu vou falar com ele também.
Mendonça de Barros: Não sei. Eu estou tentando ligar para ele para falar com ele e eu sei que eles estão falando com a Telefônica de España. Está um negócio assim meio esquisito…. A soma, os nossos números, não batem com o número total da coisa.
Jair Bilacchi: Mas eu acho que nesse caso aí, porque o senhor está sabendo que nós discutimos esse consórcio aí.
Mendonça de Barros: Eu sei, eu sei, eu sei.
Jair Bilacchi: E eu te falo mais. A tendência nossa aqui dentro…. negocialmente o outro é melhor.
Mendonça de Barros: Eu sei.
Jair Bilacchi: Do que esse que nós temos, mas como a gente tinha esse compromisso….
Mendonça de Barros: Não, tudo bem, tudo bem.
Jair Bilacchi: Agora aí precisa se discutir essa opção aí. Agora eu acho que precisa ser o Ricardo Sérgio e você.
Mendonça de Barros: Eu vou falar com ele, tá?
Jair Bilacchi: Eu vou falar com ele agora.
Mendonça de Barros: Tá, tudo bem.
Jair Bilacchi: Aí em seguida eu te ligo porque aí eu vou falar com ele da posição nós estamos aqui, que eu acho que é interessante, que aí ele conversa com vocês.
Mendonça de Barros: Tá bom.
Jair Bilacchi: Tá bom ministro.
95 – Da exígua apuração de trechos das fitas, bem como das respectivas explicações, verifica-se ainda nos diálogos abaixo elencados, a evidente manipulação do preço da venda, além da formação forçada de consórcios, favorecimento de concorrentes acima já discutidos, ou seja, praticou-se atos de flagrante improbidade administrativa.
Diálogo entre Mendonça de Barros e André Lara Resende:
Mendonça de Barros: Discute primeiro um número mais baixo (refere-se a informar o consórcio liderado por Carlos Jereissati, que concorre com o consórcio liderado pelo Opportunity, um ágio baixo) e na última hora …..
André Lara: Na última hora sobe.
Mendonça de Barros: É isso aí.
André Lara: Falei com ele. Concentra nisso. Esquece o outro.
Mendonça de Barros para José Roberto Mendonça de Barros:
“O negócio está na nossa mão, sabe por quê, Beto? Se controla o dinheiro, o consórcio. Se faz aqui esses consórcios borocochôs, são todos feitos aqui. O Pio (Borges) levanta e depois dá a rasteira.”
A explicação dada pelo ex-Ministro sobre este último comentário, foi a de que :
“Mas o André, eu, o Pio estávamos embuídos com o objetivo de transformar o leilão não apenas num leilão exitoso, mas num leilão extraordinariamente exitoso, é que nos levou a esta tensão, é que nos levou a esta tentativa, até o último instante, e uma tentativa exitosa, porque o resultado dessa tentativa não foi que o Opportunity ganhou, o resultado dessa tentativa é que ele teve a condição de entrar na disputa, aonde perdeu. Isto é o fundo da questão.“
Continua em Comunidade Jurídica.
Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 1998.
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