33 – Merecem destaque, para efeito de uma melhor ilustração do emprego de artifícios tendenciosos, na condução do processo de privatização do sistema Telebrás, bem como do desatendimento às especificações legais que regem a matéria, alguns comentários tecidos pelo ex-Ministro das Comunicações que além de apontarem para sua confissão acerca do inteiro teor contido nas fitas, tipificam suas condutas ilícitas. Continuemos, desta vez com amparo nas novas indagações engendradas pelo Senador Eduardo Suplicy:
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) – Sr. Ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, V. Exª menciona que há expressões que não coadunam com o padrão de V. Exª e requer que consideremos a tensão e o excesso de trabalho naqueles dias, mas ainda fico preocupado. Será que, porventura, conforme está hoje registrado na Carta Capital, quando V. Exª, em diálogo com o Presidente André Lara Resende, do BNDES, referiu-se aos “babacas”, dizendo respeito, então, ao Ministro Pedro Malan e ao Secretário Executivo, Pedro Parente, aquilo queria dizer que S. Exªs estavam colocando alguma restrição ao que poderia ser a quebra do princípio da impessoalidade ou do que está registrado nas leis que definem os atos de improbidade administrativa?
Será que V. Exª realmente sabe o que está escrito, por exemplo, na lei sobre os atos de improbidade administrativa, que “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação de patrimônio de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei” não poderia ser feito? Ou que “permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei” também não poderia ser feito?
Há muitos outros itens que eu poderia aqui citar. Tenho a certeza de que os Senadores vão querer ouvir em depoimento – vamos requerê-lo. Acredito que seja inevitável agora a realização de uma CPI. Muitos dos Srs. Senadores, inclusive da base governamental, disseram-me que, dependendo dos esclarecimentos de V. Exª, poderiam assinar o pedido. Mas, agora, diante do que está sendo revelado, o Sr. André Lara Resende informando ao Pérsio Arida, Diretor do Banco Opportunity e, acredito, seu ex-sócio em entidade privada – isso teremos a oportunidade de perguntar: “Vai lá e negocia. Faz o preço para baixo. Depois, na hora, se precisar, a gente sobe e ultrapassa o limite”.
Na avaliação de V. Exª, esse comportamento do Presidente André Lara Resende é algo que está de acordo com a observância do princípio da impessoalidade, da isenção, já que V. Exª e o Presidente André Lara Resende eram condutores, eram juízes?
Uma coisa é a tensão, o excesso de trabalho. Mas será que, porventura, V. Exª se referiu com aqueles termos ao Ministro Pedro Malan porque S. Exª estaria achando que já seriam demais os procedimentos dessa ordem?
V. Exª mencionou que não procurou conduzir nada que pudesse significar a vinda dos italianos, mas, quando disse ao Presidente André Lara Rezende, do BNDES: “Temos que fazer os italianos na marra, que estão com o Opportunity”…”Fala para o Pio Borges (vice-presidente do BNDES) que vamos fechar daquele jeito que só nós sabemos fazer”. Realmente, essa frase significa um procedimento totalmente isento?
Concluindo, Sr. Presidente, V. Exª, Sr. Luiz Carlos Mendonça de Barros, mencionou o procedimento do Deputado Aloízio Mercadante, referido com elogios pelo Sr. André Lara Rezende, que teria sido ele quem havia divulgado as fitas. O Deputado Aloízio Mercadante mencionou que de maneira alguma isso é verdade, porque ele apenas tomou conhecimento do relato das fitas e que levou ao conhecimento, pessoalmente, de André Lara Rezende, externando a sua preocupação, o seu estarrecimento com o conteúdo das fitas, dizendo ao seu colega economista que estava impressionado: como poderia o seu amigo, o economista por quem tem tanto respeito, agir daquela maneira com o Opportunity, empresa dirigida pelo ex- Presidente do Banco Central, ex-Presidente do BNDES e que havia sido seu sócio no Banco Matrix!
Eu gostaria que V. Exª esclarecesse o que realmente disse, se conversou com André Lara Resende antes de afirmar o que o próprio André Lara Rezende diz que não ocorrera, pois Aloízio Mercadante não entregou as fitas porque nunca esteve de posse das mesmas.
O SR. MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES (Luiz Carlos Mendonça de Barros) – Com relação à primeira observação, volto a reafirmar que, no meu entendimento, estávamos, ao tentar manter o consórcio do Opportunity com a Previ e os italianos, em condição de entrar no leilão, buscando atingir exatamente aquilo que é o centro do processo de uma licitação de um bem público, que é criar condições para que o maior preço possa ser obtido.
34 – Pareceu-nos da análise do dito acima, que ao justificar sua conduta aos DD. Membros do Senado Federal, o ex-Ministro das Comunicações, muniu-se da soberba habitual daqueles que se julgam ao largo e acima da lei e que em nada é compatível com o comportamento que seria esperado em virtude do cargo por ele ocupado, e aliás com a situação que despontava, sobrepondo seu “entendimento” à todo o arcabouço jurídico aplicável ao caso, bem assim à magnitude do “negócio”, parecendo desconhecer, e o que é pior, desdenhar flagrantemente dos mais basilares princípios norteadores da atividade da Administração Pública em geral, especialmente porque a Lei nº 8666/93 espancou qualquer margem de discricionariedade ao agente público, no que diz respeito à preservação do caráter competitivo do processo licitatório.
35 – Note-se ainda, ilustre Representante do Ministério Público Federal que a soberba demonstrada, de per si não tipifica ilícito penal, mas sim e apenas, desvio de personalidade. Mas é certo que a soberba quando utilizada na prática de ilegalidade, servindo-se de instrumento para a gradação da pena, diferenciando sim, a culpa do dolo, fixando agravantes e atenuantes.
36 – Isso não bastasse, detecta-se no trecho abaixo transcrito nova confissão, mais uma vez fundada naquilo que se convencionou denominar dito popular, no sentido de que “os fins justificam os meios”, desta forma:
“Façamos apenas uma reflexão: supondo que os italianos não tivessem ganho a Tele Centro Sul, eles ganhariam a Tele Norte Leste, pagando mais de R$1 bilhão acima do que foi vendido. Esse seria o resultado da nossa ação, que, como eu disse, independente de palavras que foram ditas, a ação foi no sentido de preservar a disputa.
E vou lhe dizer uma coisa, Senador, até estive conversando isso com o André ontem: poderíamos ter sido omissos, poderíamos ter, simplesmente, deixado. Está bom, se a Previ quer desmontar o consórcio italiano e ter apenas um consórcio da Telemar, está bem! O resultado teria sido o mesmo, e não estaríamos aqui. O que é uma coisa triste é que, de repente – o que o André disse outro dia -, o mocinho vira bandido. Quer dizer, a pessoa que se empenha para tentar transformar o leilão naquilo… O êxito já estava estabelecido, porque estamos falando do leilão de doze empresas, onde em onze houve disputas, competições e ninguém fala delas. Estamos concentrados no leilão da Telemar. Isso me parece, Senador, também uma boa pista para entendermos o grampo, entendermos a divulgação disso pelos órgãos da imprensa. Parece-me uma boa pista.
Mas o André, eu, o Pio estávamos empenhados no objetivo de transformar o leilão não apenas num leilão exitoso, mas num leilão extraordinariamente exitoso. Isso nos levou a essa tensão e a essa tentativa, até o último instante… E uma tentativa exitosa, porque o resultado dessa tentativa não foi que o Banco Opportunity ganhou, o resultado dessa tentativa é que ele teve a condição de entrar na disputa, onde perdeu. Isso é o fulcro da questão.
Se tivéssemos sido burocráticos, se tivéssemos sido ausentes, deixado as forças de mercado se comporem… Só que a composição, nesse caso, era em detrimento do Tesouro, porque a saída da Previ – e isso foi dito com todos os “erres” e “esses” – desmontava o consórcio do Banco Opportunity e, com isso, o grupo Telemar arremataria, certamente, como arrematou, sem ágio.
O SR. MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES (Luiz Carlos Mendonça de Barros) – Parece-me aqui – desculpe-me, Presidente – uma inversão motivada pela publicação parcial e criminosa, porque editada com o objetivo exatamente de dar nisso: essa impressão de que havia um trabalho de favorecimento.
O senhor cita a questão do ágio. O problema é que o Pérsio Arida disse ao André que a Previ queria pôr um teto, um limite no lance do leilão do Opportunity. E é a isso que o André se refere: “Se esse limite for inferior àquilo que vocês acham que deva ser o preço correto, dizem que põem um limite e dão um outro preço”. Então, esse diálogo é no sentido de aumentar o preço e não de diminuir. Isso foi um comentário que o André fez no sentido, assim, de uma sugestão, diante de um problema que estava sendo criado, não por nós. E, de novo, nós poderíamos ter ficado ausentes.
O interessante é que a ação correta passa a ser incorreta. E o senhor acaba de dar um exemplo muito claro. O senhor leu esse trecho da conversa como se o André estivesse dizendo: “Reduza o seu preço; e vá contra o interesse do Tesouro”. Mas não é isso o que está escrito, se for lido com cuidado. Ele diz o seguinte: “Se o teu problema é que a Previ quer colocar uma limitação de preço inferior àquilo que vocês acham que é correto, diz a ela que essa é a limitação e vocês é que vão dar o lance; depois, vocês dão”. No sentido do quê? Do bem, no sentido do aumento de preço.
37 – No trecho supra citado, é com nitidez que se verifica a manipulação da Previ para que não desmontasse o consórcio do ator principal (Banco Opportunity), e isto foi dito pelo ex-Ministro com todos os “erres” e “esses”.
38 – Quanto às informações prestadas pelo ex-Ministro acerca do ágio, nota-se a desassatez do Agente Público que, de forma pedagógica, orienta o amigo Pérsio Arida o modus faccendi a ser empregado com relação à Previ; escandalosamente se imiscuindo não só na formação dos concorrentes do certame, mas também, pelo menos de maneira insólida, sugerindo formas de traições internas entre os componentes do consórcio “eleito” pelo juiz do certame como do concorrente.
39 – Mas, tudo isso Exa., sempre “na melhor e boas intenções”. Já se disse e com razão que “de boas intenções o inferno está cheio”, mas não é este o caso dos autos, uma vez que do conjunto o que se deduz às escâncaras, é justamente a ação premeditada e simulada para favorecimento do ator principal (Banco Opportunity), propriedade dos amigos do ex-Ministro, os Senhores Dantas e Arida.
40 – E tudo Exa. foi dito pelo ex-Ministro perante o Senado Federal, sobre o olhar complacente do presidente do BNDES, o amigo André, que a tudo aquiescia com o seu silêncio e imobilidade cúmplices.
41 – Mas, no episódio da privatização do Sistema Telebrás, o presidente, aliás, ex-presidente do BNDES não quedou-se silente o tempo todo. Ao contrário, participou, concordou e engedrou junto com os amigos Mendonça de Barros e Arida, toda a cascata de ilegalidades praticadas e por tal participação, também responderá.
Da Graduação Da Pena
42 – Uma vez caracterizadas à exaustão as atividades ilícitas perpetradas pelo Agente Público e “demais colaboradores”, imperioso se faz o seu enquadramento nos tipos penais previstos na legislação que regem a matéria acerca da Privatização, tanto para efeito de responsabilização civil como criminal dos ora representados.
43 – Não se admite no caso, que estes fatos de gravíssima repercussão e efeitos, sejam relevados sob a argumentação de que a privatização já se consumou, pois isto seria a consagração da criminalidade e impunidade, ou seja homenagem ao “crime do colarinho branco”.
44 – Saliente-se ainda que a privatização não se consumou, posto que nos moldes em que se realizou, nem mesmo existiu, dada as flagrantes irregularidades e ilegalidades que a contaminaram. Portanto, a investigação de todos os fatos é necessária justamente para garantir e certificar a legitimidade do processo de privatização, sob pena deste ser anulado sem qualquer direito a indenização dos concorrentes, posto que sabedores de todo o ocorrido e de todas as normas pertinentes ao fato.
45 – Quanto à aplicação da pena, pouco importa, melhor dizendo, nada importa que o Sr. ex-Ministro das Comunicações estivesse repleto de boas intenções quando nitidamente conduziu o processo de privatização em debate; tal será somente considerado para efeito de mensuração da pena aplicável ao delito de improbidade administrativa, quando ocorrerá o sopesamento das agravantes e atenuantes.
46 – Assim a boa e má fé ou, a culpa e o dolo, ou ainda a extensão de eventual dano causado pelas atividades e condutas dos representados deverão ser levadas em consideração quando da aplicação da pena, posto que serão subsídios para a sua gradação.
47 – Portanto, em nada altera para a tipificação do ilícito, por exemplo, o intuito do ex-Ministro em aumentar ou reduzir o preço, posto que o que prevalece é, sem sombra de dúvida, o ato improbo já consumado e caracterizado, consistente no favorecimento desleal de um dos consórcios; mesmo que trate-se do sentido do “bem”, este aliás, conceito subjetivo e portanto passível de questionamento, não pode se sobrepor ao estrito cumprimento da lei que é taxativa.
48 – E aqui a lei não admite benevolência na sua aplicação, somente pelo fato de que o ex-Ministro das Comunicações tinha as melhores das intenções ao agir como agiu, posto que o caso não abraça o “arrependimento eficaz” (embora, perante as entidades divinas possa ter algum efeito), tendo-se em vista que o crime foi cometido contra o patrimônio público .
49 – Aliás, deverá ser levado também em consideração quando da aplicação e graduação da pena, o fato de que os có-réus são reincidentes, posto que não são jejunos em participar no polo passivo em ação de improbidade administrativa, tendo-se em vista que contra eles, já existem várias ações civis públicas c.c. ação de improbidade administrativa interpostas pelo Ministério Público Federal , em trâmites perante a 16ª Vara da Seção Judiciária de Brasília – DF, as quais se encontram em apenso ao processo nº 98.34.00.0103351-0.
50 – Assim de todo o exposto até o presente momento e confrontando-se o inteiro teor do depoimento prestado pelo ex-Ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros ao Senado Federal, com os esclarecimentos prestados pelo BNDES aos concorrentes no processo de privatização do sistema de telecomunicações, veiculado pela Internet através do site do próprio órgão (www.bndes.gov.br), bem como à luz da legislação de regência, verifica-se que realmente ocorreram as irregularidades e ilegalidades outrora suscitadas, e que se tornaram públicas no último dia 9 de Novembro, podendo-se desde já afirmar ter a privatização sido realizada em total afronta aos princípios constitucionais e demais dispositivos legais.
Histórico dos Fatos para Contextualização das Ações Ilegais dos Representados em Relação às Impugnações Existentes à Privatização de todo o Sistema Telebrás
51- Pois bem. A impedir essa privatização no modo irregular em que foi processada, diversas medidas liminares foram concedidas em ações civis públicas ajuizadas pelo ora Requerente e pelo Ministério Público Federal.
52 – A primeira convocação de Assembléia Geral Extraordinária da Telebrás foi feita para o dia 24 de abril de 1998, mas não ocorreu por força de medida liminar concedida pelo MM. Juízo da 8ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, na ação civil pública – processo nº 98.34.00010351-0, onde foi alegado e reconhecido que o Edital de Primeira Convocação das Telecomunicações Brasileiras S/A – TELEBRÁS não observou formalidades essenciais previstas não só na Lei de Sociedades por Ações – Lei nº 6.404 de 15 de Dezembro de 1.976, como também na Lei Geral de Telecomunicações – Lei nº 9.472 de 16 de Julho de 1.997, caracterizando tal inobservância o desvio da finalidade.
Continua em Comunidade Jurídica.
Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 1998.