Responsabilidade dos Provedore

A Responsabilidade Jurídica dos Provedores de Internet em relação a ma

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8 de setembro de 1998, 0h00

O Ministério Público do Estado da Bahia, embasado no Estatuto da Criança e do Adolescente, ofereceu denúncia contra determinado Provedor de Internet que estava sendo utilizado para a disseminação de pornografia infantil por um de seus usuários.

Oferecida e acatada a denúncia pelo Ilmo Juiz, foi expedido mandado para apreensão do computador usado para distribuição de material pedófilo, e também determinada a apreensão de todos os demais computadores do Provedor.

O que poderíamos fazer, como advogados, para proteger os interesses do provedor objeto do problema? Até que ponto o provedor de serviço é responsável pelo ato de seu cliente? Quais seriam os fundamentos?

Analisemos, inicialmente, o que vem acontecendo dentro de casos parecidos no âmbito internacional..

O Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, assinou em 1996, uma lei relacionada com comunicações, de autoria do Senador James Exon do Estado de Nebraska, que tinha como objetivo controlar o aumento da pornografia e as informações terroristas dentro da Internet, como em um fórum de discussões, …, etc..

A sociedade civil passou a dar mais atenção a esse assunto, logo após do atentado a bomba ao prédio público em Oklahoma, pois a mídia impressa e televisionada se “interessou” mais sobre o grande volume de informações, dentro da Internet, que ensinavam como fazer bombas caseiras, como conduzir campanhas terroristas, além da pornografia.

Devido a pressão pública, foi introduzida uma série de restrições na transmissão de material indecente pela Internet, fazendo com que os provedores fossem os responsáveis diretos pelo policiamento, era o chamado “Exon Bill”.

A punição para quem violasse tais princípios envolvia uma multa que poderia chegar até 250 mil dólares, e dois anos de prisão.

Começou então uma batalha entre os provedores e o governo. As discussões indagavam até que ponto seria constitucional a política imposta pelo governo, no que diz respeito as restrições e as penas impostas aos provedores.

Os provedores de Internet tinham um argumento muito sólido e realista, afirmando que o volume de dados dentro da Internet, como dentro das listas de discussões, era tão grande, que o processo de checar e verificar a decência dos mesmos era humanamente impossível.

Outro argumento bastante convincente é que tal lei conflitava com o direito individual que todos possuem, de como adultos, escolher o que ver, e que a proteção das crianças era responsabilidade dos pais.

Começou, então, uma grande campanha entre os provedores para demonstrar a desnecessidade de leis, uma vez que seriam impraticáveis.

A compuserver, um dos maiores provedores mundiais, até criou programas que controlassem o acesso as páginas eróticas, tornando certos sites, inacessíveis a crianças.

Depois de toda pressão exercida pelos provedores, e uma briga na Suprema Corte norte americana, envolvendo de uma lado provedores e a União Americana para Defesa das Liberdades Civis, e do outro o Governo e sua Exon Bill, três juízes federais declararam a inconstitucionalidade da dita lei.

Tal lei era inconstitucional pois feria um princípio fundamental dentro do bojo da constituição norte americana, a liberdade de expressão, que estendia tal proteção a todos os tipos de expressões possíveis, inclusive através da Internet.

Os juízes foram mais adiante e ainda proferiram, “(…) por ser a maior forma de expressão já desenvolvida até agora, a Internet merece a maior proteção possível contra a intromissão governamental (…)”.

Uma decisão recente, proferida pela Suprema Corte dos EUA, e que vale ser citada, foi a consideração de que o provedor de acesso à Internet, America OnLine (AOL), não pode ser responsabilizada por material difamatório divulgado através de seus sistemas.

A Corte não alterou o parecer de um Tribunal Federal de apelações que concluiu que um dispositivo do Ato de Decência nas Comunicações concede imunidade às companhias de serviços online, no tocante ao conteúdo divulgado por terceiros.

A ação contra a AOL foi movida pelo fotógrafo e cineasta Kenneth Zeran, que era citado como criador de uma coleção de camisetas de mau gosto, através de páginas residentes nos provedores da AOL, relacionadas ao atentado contra um edifício federal em Oklahoma.

Outro caso que explicita a ausência de responsabilidade do provedor por material de terceiros, foi o chamado de “Scientology”, que envolveu a Igreja “Scientology” e a Netcom Online Communications Services, uma empresa provedora de Internet.

Neste caso um ex-membro da Igreja publicou material registrado, sem a autorização dos autores, na Internet, e através da Empresa Netcom Services.

A corte da Califórnia decidiu que a Netcom não poderia ser responsabilizada por copiar material ilegal, já que o material era copiado em seus computadores por um procedimento automático, o qual a mesma não exercia nenhum controle específico.

Evidenciada a tendência Internacional de eximir a responsabilidade dos provedores no que tange ao material de terceiros, vejamos o caso posto em questão.

No caso em tela não há dúvida que houve crime, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Art. 241 nos ensina, “ (…) fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos”.

O usuário utilizou o provedor de Internet como um meio para que consumasse a conduta acima tipificada, da mesma forma que um homicida pode se utilizar de um revólver para consumar o delito.

Estamos diante de um crime digital, caracterizado pela utilização de computadores para ajuda em atividades ilegais, como a quebra da segurança de sistemas, a utilização da Internet ou redes bancárias de maneira ilícita, o crime de “hacking”, …, etc., onde determinado agente, agraciado pelo anonimato e as técnicas de criptografia proporcionadas pela Internet, disseminou material pedófilo dentro de uma comunidade virtual, que não tinha relação alguma com o provedor de Internet.

A maioria dos crimes digitais, como o acima citado, encontram-se positivados em nossa legislação. O furto de componentes de computador, não deixa de ser furto. A lavagem de dinheiro, não deixa de ser um crime, a pouco tempo tipificado no Brasil. Fraude é fraude. Extorsão é extorsão. Sejam esses crimes cometidos através da Internet, ou de outros mecanismos tradicionais, são eles crimes previstos na “lege”.

O problema reside em outros pontos. Ao do processo dos crimes digitais, sua materialidade, provas, autoria, …, etc., além do surgimento de crimes complexos, novos, específicos, onde o controle passa a ser necessário. Como a criação de vírus e o “hacking”, assim como, outras formas de vandalismo eletrônico, que acabam culminando na efetivação dos outros tipos, como furto, disseminação de pornografia infantil, …, etc.

No caso exposto, não poderíamos imputar tal conduta delituosa a empresa provedora de Internet.

Primeiramente, um provedor de serviço de Internet, nada mais é do que uma companhia que proporciona acesso à Internet, e esta última se caracteriza por ser uma rede mundial, não regulamentada, de sistemas de computadores, conectados por comunicações de fio de alta velocidade e que compartilha um protocolo comum que lhes permite intercambiar informação, sendo assim, de domínio público.

O ordenamento jurídico brasileiro possui como um de seus princípios fundamentais e norteadores, a legalidade.

Tal princípio está expressamente definido na Constituição de 1988, como direito e garantia fundamental, no Art. 5º, inc. II, afirmando que “ (…) ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

No Brasil inexiste lei imputando responsabilidade alguma aos provedores de serviço por atos de seus usuários, nem mesmo no sentido de fiscalizar as suas ações, pelo contrário, a Constituição de 1988 até proíbe tal fiscalização conforme Art.5, inc. XII, que diz : “(…) é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (…)”.

Ou seja, além de inexistir lei acerca da responsabilidade dos provedores, existe norma constitucional que lhes proíbe de examinar os dados que trafegam por via de seus servidores.

Você deve estar se perguntando, se a Internet recai sobre o domínio público, presume-se que seus dados possam ser lidos por qualquer usuário conectado a rede, contrariando o dispositivo constitucional, não é certo?

A resposta de tal pergunta é complexa. Depende da natureza de tais dados, se os mesmos tem uma destinação específica ou não. Mas sua relevância não é muito alta, pois existe um argumento que fulmina qualquer tentativa de atribuir responsabilidade aos provedores.

A Internet não é um jornal impresso, com editorial, jornalistas responsáveis, …, etc.. Absolutamente, a Grande Rede é algo dinâmico e interativo, resultado da interligação de milhares de computadores distintos, que por sua vez, possuem usuários e informações distintas.

É humanamente impossível, para um provedor de serviço, saber tudo o que ocorre dentro de seu sistema, já que além de servir aos seus usuários, também serve de “pista” para Internet. Assim, um infindável número de informações, como e-mails, homepages, lista de discussões, chats, …, são atualizadas instantaneamente através de procedimentos eletrônicos automáticos, os quais o provedor não tem nenhum controle.

Como responsabilizar alguém por aquilo que não deu causa?

Daí o posicionamento dos Tribunais norte americanos em eximir a responsabilidade dos provedores de serviço, já que da mesma forma que em um homicídio não se processa a arma do crime, em um crime digital não se processa o computador.

Justamente devido a ausência de estudos neste campo, o Ministério Público da Bahia, apreendendo os computadores do provedor, também fez com que saíssem do ar outras páginas alojadas naquelas máquinas, como a das “Obras Sociais da Irmã Dulce” e de empresas praticantes do e-commerce. Acarretando em prejuízos a usuários que nenhuma relação tinham com a prática delituosa.

Os provedores devem alertar e fixar, por via contratual, a responsabilidade de seus usuários acerca das condutas delituosas que venham a ferir o ordenamento jurídico brasileiro, tornando claro o seu posicionamento perante tais ações.

Afinal, sendo impossível a tipificação de todas as condutas delituosas possíveis, já que o ser humano é dotado de capacidade criativa infinita, a tecnologia contribui para a formação de lacunas para o Direito, e será através da utilização dessa mesma tecnologia que iremos tornar a ciência jurídica mais eficaz e válida, trazendo respostas rápidas para uma sociedade cada vez mais complexa.

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