O Brasil no pódio da violência

Brasil: um dos 5 países mais violentos do mundo.

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9 de outubro de 1998, 0h00

O Brasil ainda se destaca, no cenário internacional dos direitos humanos, como um dos cinco países mais violentos do mundo. Esta significativa constatação da violência, como característica marcante da realidade brasileira, partiu do próprio secretário Nacional de Direitos Humanos, José Gregori, em reunião realizada na Ordem dos Advogados do Brasil. Segundo o secretário, o critério para medir a violência é o número de assassinatos por cem mil pessoas, durante um ano.

Em todas as estatísticas, o País mais violento do mundo é a Colômbia. Mas o Brasil comparece sempre como um dos cinco países mais violentos do mundo. A Colômbia tem 60 assassinatos por 100 mil pessoas, o Brasil tem 18 assassinatos a cada 100 mil”, afirmou Gregori.

A estatística mencionada durante a palestra, realizada na sede nacional da OAB em Brasília, tomou como base os homicídios verificados no ano de 1994. Apesar do quadro inalterado da violência, Gregori entende que o quadro dos direitos humanos no Brasil já pode ser visto numa perspectiva otimista.

“A sementinha frágil, mas poderosa, dos direitos humanos, está gradativamente germinando nesses três anos em que o governo federal optou por colocar os diretos humanos como um dos temas da agenda nacional, ao lado da saúde, da educação, da defesa externa, do câmbio e do comércio exterior”, explicou o secretário.

O balanço positivo feito por José Gregori do que ele chama de “evolução dos direitos humanos no País”, toma como base os relatos preparados por organizações e governos estrangeiros. O secretário lamenta o fato de esses pareceres continuarem negativos acerca da situação dos direitos humanos no Brasil. Mas, segundo ele, desde que foi lançado um programa nacional visando a proteção das prerrogativas da cidadania, tem ocorrido uma mudança nos relatórios internacionais.

“De um tempo para cá, eles começaram, ao lado do registro do passivo dos direitos humanos no Brasil, a fazer menção expressa, todos eles sem exceção, aos esforços que estão sendo feitos para implementar uma política de direitos humanos. Poucos países, nesse momento, desenvolvem um Programa Nacional de Direitos Humanos”, ressaltou o secretário, informando que tem recebido convites de vários países para explicar o programa e sua respectiva execução.

Para exemplificar a nova fase dos direitos humanos no Brasil, o secretário citou conquistas obtidas no âmbito do Poder Legislativo: aprovação da lei que tipificou como crime a prática da tortura; aprovação da lei que regulamentou o porte de arma, que passou de contravenção a crime; e, finalmente, o novo Código de Trânsito, uma vez que o número de mortes (36 mil em 1994) nas vias e estradas brasileiras é problema da área dos direitos humanos.

Cárceres – Outro ponto de destaque na palestra feita aos conselheiros federais foi o reconhecimento da necessidade de superação da atual política carcerária brasileira. Neste tópico, foi destacada a intenção dos governos federal e do Estado de São Paulo em desmontar o Carandiru – símbolo de um dos maiores massacres da história patrocinados por forças policiais contra prisioneiros.

Segundo o secretário, o Carandiru vai desaparecer nos primeiros meses do próximo ano. O complexo penitenciário será substituído por nove penitenciárias-modelo, das quais quatro já foram inauguradas. Para José Gregori, tal providência simboliza a superação do sistema prisional brasileiro.

O Conselho de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), vinculado ao Ministério da Justiça, foi citado como um espaço que está sendo valorizando “extraordinariamente”, mas que estaria a esbarrar no texto da Constituição, onde houve um “exagero na dose de federalismo”, cuja conseqüência é a impossibilidade de o Governo Federal intervir nos casos de violações aos direitos humanos.

“Os direitos humanos são ofendidos, em 90% dos casos, pelos Estados ou nos Estados, e a União fica praticamente sem nenhum tipo de possibilidade legal de intervir. Curiosamente, é o Governo Federal o responsável internacionalmente”, reclamou.

O secretário também lamentou a ausência de um mecanismo para o CDDH – a exemplo do que existe atualmente na Suécia -, que permita exigir respostas mais rápidas do Poder Judiciário. No país escandinavo, o chamado ombudsman (espécie de corregedor-geral da sociedade) tem o poder de exigir, após certo tempo, a prestação jurisdicional. Caso não seja atendido, tem o poder de determinar a substituição do juiz originário.

Na conclusão de sua palestra, José Gregori agradeceu a colaboração da OAB Federal na busca de novas conquistas dos direitos humanos no Brasil e frisou a necessidade de aprofundar o relacionamento entre a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Segundo Gregori, a mais importante de todas as suas metas é difundir os direitos humanos na sociedade brasileira.

“Nada é tão importante como conseguirmos internalizar, em toda a população brasileira, a crença nos valores básicos dos direitos humanos. Este trabalho pedagógico não pode ter êxito se ficar exclusivamente nas mãos do Governo. E, nesse passo, acho que os advogados do Brasil, através de seu órgão representativo, poderia ter um papel extraordinário”, concluiu.

Nem tão britânico assim

Durante palestra proferida na sessão do Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil, o Secretário Nacional dos Direitos Humanos, José Gregori, citou as polícias do Canadá e da Inglaterra como seus dois modelos ideais de órgãos de segurança pública.

“Eles têm índices de desempenho extraordinários no combate à criminalidade e, ao mesmo tempo, itens de respeito aos direitos humanos realmente muito significativos”, afirmou.

Gregori não é o primeiro a eleger as polícias canadense e inglesa como as melhores do mundo. Mas os que defendem este ponto de vista, principalmente em relação à Scotland Yard devem, no mínimo, adotar um pouco de cautela. De acordo com o vice-diretor do Centro de Direitos Humanos da Universidade de Essex, Michael Freeman, que visitou a sede nacional da OAB um dia após a palestra de Gregori, o comportamento da polícia inglesa em relação aos imigrantes clandestinos, por exemplo, não é dos mais recomendáveis.

Durante a audiência concedida pelo presidente do Conselho Federal, Reginaldo de Castro, o professor Freeman afirmou que nem a polícia e tampouco o Judiciário de Sua Majestade têm sido “britânicos” no trato dispensado aos refugiados. Eles são expulsos sistematicamente do território inglês sem que lhes sejam concedidas as garantias mínimas de defesa.

Também foi mencionado pelo estudioso dos Direitos Humanos da Universidade de Essex os problemas de crescente descrédito da polícia inglesa perante a opinião pública local. Nas palavras de Freeman, a situação está provocando “uma campanha intensa pela moralização e punição dos quadros policiais”. O próprio governo de Tony Blair já admitiu os problemas da Scotland Yard, que mesmo não sendo recordista em violações aos direitos humanos, não está agradando os súditos da coroa.

Durante o encontro com o presidente nacional da OAB, outro tema discutido foi a necessidade de os países desenvolvidos perceberem o impacto negativo da dívida externa das nações em desenvolvimento na questão dos direitos humanos. Para Reginaldo de Castro e Michael Freeman, os recursos usados para o pagamento dos débitos externos deveriam ser aplicados no combate às desigualdades sociais. Quando se agravam a desigualdade e a exclusão, são atingidos os direitos humanos.

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