FHC sanciona pena alternativa

Sancionada lei que cria mais oito penas alternativas

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24 de novembro de 1998, 23h00

O Projeto de Lei que cria mais oito penas alternativas à prisão foi sancionado pelo presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Agora a condenação à prisão só não poderá ser substituída nos crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, como estupro, homicídio ou assalto à mão armada.

Antes, só eram aplicadas penas alternativas nas condenações de até um ano, e mesmo assim eram pouco usadas. Com a sanção, os juízes poderão substituir a prisão quando a condenação for de até quatro anos.

Hoje existem as seguintes penas alternativas: multa, prestação de serviços à comunidade, limitação de liberdade no fim-de-semana, proibição do exercício de cargo público ou mandato eletivo, proibição do exercício de profissão e suspensão do direito de dirigir veículo.

As oito punições criadas com a lei são: recolhimento domiciliar, perda de bens e valores, advertência, submissão a tratamento, obrigação de freqüentar curso, proibição de freqüentar determinados lugares, pagamento de indenização à vítima ou a seus familiares e a troca da indenização em prestação de serviço de outra natureza, por exemplo, a distribuição de cestas básicas.

Leia a íntegra do discurso de Fernando Henrique Cardoso

Discurso do presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na cerimônia de sanção do Projeto de Lei de Penas Alternativas – Palácio do Planalto.

Resta pouco a dizer, a não ser felicitar aqueles que chegaram a bom termo, nesta empreitada que, certamente, foi longa e dependeu de um esforço do Congresso Nacional. Perguntava, há pouco, ao nosso ministro da Justiça, quem tinha sido o relator na Câmara. Foi o deputado Abi Ackel e, no Senado, o senador Romeu Tuma.

Nós todos podemos imaginar as dificuldades em avançar nesta matéria. Por preconceitos, por precauções, por razões objetivas é muito difícil. Sobretudo num país como o Brasil, que é sedento de justiça e que, popularmente, confunde justiça com colocar na cadeia a pessoa, de qualquer maneira. O objetivo da Justiça não é vingança. O objetivo da Justiça, principal, é a reeducação daquele que foi preso, e a reparação do crime, através de uma mudança no comportamento do criminoso.

Em casos extremos, se compreende a exclusão, quase absoluta, do convívio social. Em casos de delitos menores, é injustificável. Mais ainda, como disse o ministro e todo o Brasil sabe, quando, pelas condições carcerárias, nós transformamos as nossas cadeias e os nossos presídios, as nossas penitenciárias, em escola do crime.

O esforço que está sendo feito é grande no sentido, como disse, também, o ministro, da criação de condições adequadas para abrigar os que são condenados pela Justiça e aqueles que aguardam julgamento. Creio que nós chegamos a quase uma centena de presídios novos, de todo tipo, alguns já prontos, outros em construção. Não só pelo esforço do governo federal mas, também, pelo esforço dos governos estaduais.

Isto, com o tempo, vai melhorar a condição das nossas prisões. Vai melhorar, portanto, a capacidade do nosso sistema penal de recuperação do detento e de dar-lhe uma vida condigna. Ate há pouco tempo – e ainda continuamos temerosos disso – assistimos a eventos lamentáveis, de revolta de prisioneiros e de – queiramos ou não – massacres. De parte a parte. Até pelas condições de violência da situação em que todos se encontram.

Alguns são marcos desagradáveis para a nossa historia como, por exemplo, há alguns anos, em São Paulo, em que dezenas de pessoas morreram sufocadas, empilhadas umas sobre as outras. Ou então, freqüentemente, vemos que há presidiários também violentos, que produzem, dentro da prisão, crimes.

Certamente, esta lei não vai resolver tudo isso. Mas converge na direção de, progressivamente, termos um sistema penitenciário, um sistema penal mais condizente com o desenvolvimento de uma sociedade que se quer democrática. Eu creio que haverá, certamente, reparos a fazer. Já os vi, ainda hoje: o procurador-geral do meu Estado reclamando a respeito de uma determinada disposição desta lei. Não sou capaz de julgar o acerto da reclamação, apenas anoto. Tenho certeza de que outras reclamações virão.

Mas o mais importante é termos a coragem de avançar. Senão, não se faz nada. E, se erros há, hão de ser corrigidos. Nós temos, hoje, maior capacidade de reação mais imediata do nosso sistema congressual. O Congresso está disposto e tem demonstrado agilidade na correção de equívocos eventuais. E, certamente, como qualquer lei, vai depender do modo como seja aplicada. Depende muito da cultura, não só jurídica, mas da cultura da sociedade para absorver os instrumentos legais que vão sendo criados e absorver de uma maneira que seja produtiva.

Eu vejo que a presença de tão ilustres membros da magistratura aqui, nessa sala, e do Ministério Publico e das forças da ordem, é um indicativo de que há apoio para a medida que está sendo assinada por mim, hoje, dando seqüência às decisões do Congresso Nacional.

Espero, realmente, que essa medida tenha um efeito positivo e que não seja considerada apenas como uma maneira de aliviar as prisões da superpopulação ou aliviar a pena. É mais do que isso. É um esforço para que, realmente, as pessoas possam ser devolvidas a um convívio mais adequado com a sociedade.

Em outros países que aplicam esse sistema – o ministro se referiu a Inglaterra – há um acompanhamento daquele que passa a ter a sua prisão de outra forma, com prestação de serviços ou, enfim, formas variáveis de retribuição do prisioneiro a sociedade. Há um acompanhamento, por parte das autoridades, por parte do sistema penal, penitenciário, brasileiro. Isso tem que ser feito aqui também.

É claro que, como sempre, haverá erros aqui, acertos acolá. Mas, pouco a pouco esse acompanhamento vai nos garantir que não se trata de uma medida meramente liberalizadora. Não é isso. Embora eu seja favorável as coisas liberais – não “neo”, mas uma atitude democrática. Eu sou francamente favorável a isso. Mas é preciso que não se confunda um mecanismo como o que está sendo proposto como, simplesmente, uma maneira de ser “bonzinho”. É muito mais do que isso. É uma maneira de nós respondermos responsavelmente às nossas obrigações na sociedade, de tal maneira que tratemos o prisioneiro com mais dignidade e, sobretudo, com capacidade de restabelecer nele os melhores valores da sociedade.

Então, eu os felicito e agradeço a presença.

Muito obrigado.

Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 1998.

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