Continuação 4: Parecer de Mercadante à CPI dos Bancos
11 de maio de 1999, 0h00
Anexos
Caso Marka e FonteCindam – Inobservância ao Princípio da Isonomia
Preliminarmente, convém examinarmos a hipótese, apenas a título de argumentação, de amparo legal no socorro efetuado pelo Banco Central aos Banco Marka, Banco FonteCindam e seus Fundos de Investimento.
Como exposto acima, a interpretação de qualquer dispositivo legal, seja ele constitucional ou infra-constitucional, deverá, imperativamente, observar os princípios gerais de direito, sob pena de entrar em conflito com os valores universais supremos que apregoam tais princípios.
No caso em tela, antes de qualquer consideração acerca da aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa, a qual deverá ser interpretada com base nos princípios gerais de direito e da própria administração, devemos esclarecer que na remota hipótese de ser considerada legal e legítima a atuação do Banco Central quando da venda de dólares a preço abaixo da cotação de mercado para os Bancos Marka e FonteCindam, mas no caso não é, não resta a menor dúvida que restaria violado o Princípio da Isonomia.
Isto porque, a desigualdade de tratamento pelo Banco Central deu-se não só com relação às demais instituições financeiras e seus respectivos fundos de investimentos, mas também em relação aos próprios Banco Marka e FonteCindam, os quais, apesar de estarem em idênticas situações de gênero e grau tiveram, com o beneplácito do Banco Central, suas posições zeradas com uma cotação de dólar no futuro, distintas. Ora, somente isto já seria suficiente para anular todas as negociações realizadas pelo Banco Central com essas duas instituições financeiras, com o respectivo ressarcimento; como também para ficar demonstrado que a violação do Princípio da Isonomia – que impõe a igualdade de tratamento em determinada situação, para aqueles que se encontram numa mesma categoria – compromete qualquer ato praticado pela Administração, dado ao valor intrínseco protegido pela Constituição.
Neste momento, cabe a elaboração das seguintes questões: Por que à época da desvalorização, face a alegação de risco de crise sistêmica, o Banco Central ofereceu ajuda a duas instituições financeiras, com cotações de dólar diferenciada entre ambas? Por que a uma o socorro do Banco Central alcançou os Fundos de Investimento e a outra não? Por que não houve a execução prévia das garantias (carta de fiança, etc)? Por que após o uso das garantias, caso necessário, não se recorreu ao Programa de Socorro aos Bancos? Por que mesmo após a ajuda do Banco Central, uma das instituições financeiras, após a exigência de tornar-se em instituição não financeira continuou a operar como tal? A decisão da autoridade monetária trouxe prejuízo a alguém? A quem?
Pois bem. A Carta Política em vigor no Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, assevera, em seu artigo 3º, serem objetivos fundamentais da República: “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (inciso I), “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inciso III) e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”(inciso IV), elevando a valor supremo do Estado tanto a igualdade formal quanto a material, proibindo, de antemão, discriminações arbitrárias. Consoante esse dispositivo constitucional, se agrega a própria igualdade como um dos direitos que a lei deve garantir a todos igualmente, encampando-se, além da igual aplicação da lei, um conteúdo igual da legislação.
A Constituição esclarece em que consiste o igual tratamento, bem como dá os seus limites, isto é, caracteriza as discriminações que são constitucionalmente toleradas e as que não o são, ao completar o enunciado do princípio da igualdade, com a seguinte expressão: “sem distinção de qualquer natureza”.
Assim é que, no caso em tela, a ausência de identidade e unidade de tratamento que deveria ser despendida pelo Banco Central entre os Bancos Marka e FonteCindam principalmente às demais instituições financeiras e respectivos fundos de investimento, que se encontravam na mesma situação, extirpando qualquer contradição, é que implicou a incoerência, posto que violado o Princípio da Isonomia. Ora, como pode a Administração Pública decidir por tratamento diferenciados à pessoas em igualdade de condições?
Daí porque, a igualdade de tratamento entre categorias e situações idênticas é para o Direito uma exigência normativa, postulada pelo Princípio da Isonomia (igualdade material): assegura-se com a unidade e a ausência de contradição da lei, a igualdade de sua aplicação, e isto está diretamente ligado com os valores certeza e segurança.
Por óbvio, ferido de morte estaria o Princípio da Isonomia caso existisse realmente o risco de crise sistêmica.
Outra hipótese seria a não existência da situação de risco de crise sistêmica a justificar o ato do agente público, pois a contrário sensu, violado estaria anteriormente, o Princípio da Legalidade. Portanto, não haveria que se falar em violação do Princípio da Isonomia, posto que o ato do agente público seria natimorto, já que fulminado no nascedouro por nulidade insanável, e assim sendo, passaríamos diretamente à órbita de apuração das responsabilidades e seus consectários penais e civis.
Tipificação em tese dos atos de improbidade praticados pelo Banco Central, através de seu respectivos ex-representantes legais, Sr. Gustavo Franco e Francisco Lopes e seu sucessor Armínio Fraga, este atual presidente do Banco Central; Cláudio Mauch, diretor de fiscalização do Banco Central; os Bancos Marka, Fontecidam, J.P. Morgan, ING Barigs, Bank Boston, Garantia, Pactual, Banco do Brasil, Citibank, Matrix, Boa Vista, Bozano Simonsen todos por seus respectivos representantes legais; no episódio da desvalorização do Real, os quais motivaram o oferecimento da REPRESENTAÇÃO ao Ministério Público Federal do Distrito Federal
A pedido do Deputado Federal Aloísio Mercadante, podemos extrair dos termos da representação oferecida ao Ministério Público Federal, cuja cópia é parte integrante do presente estudo, vislumbra-se que os representados já se encontram, em tese, incursos nas sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, posto que, adicionando-se os fatos e provas já apurados diariamente pelo Senado Federal e pelo Ministério Público Federal, é indiscutível que no mínimo os atos praticados causaram prejuízo ao erário e atentam contra os princípios da administração pública; restando somente por apurar o efetivo enriquecimento ilícito dos envolvidos, cuja existência é previsível.
Assim é que:
1 – O Sr. Francisco Lopes foi responsável pela “ajuda” financeira ao Banco Marka e FonteCindam, autorizando a venda de dólar a preço bem inferior à cotação do dia em que foi realizado o “negócio”, sem que fosse observada a inviável e evidente impossibilidade da ação. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso IV da Lei de Improbidade – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta Lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
2 – O Sr. Francisco Lopes com a ajuda financeira aos Bancos Marka e Fonte Cindam, onerou o patrimônio público, posto que por simples cálculos aritméticos, é notório que Banco Central em relação a esse dois Bancos, bancou a diferença da venda com o dinheiro dos cofres públicos. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso I da Lei de Improbidade – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei; devendo por isso responder. Os Bancos Marka e FonteCindam devem responder por terem cooperado e por serem beneficiárias, cf. art. 3º da Lei de Improbidade.
3 – O Sr. Francisco Lopes ao autorizar a “ajuda” financeira ao Banco Marka e FonteCindam, para efeito de zerarem suas posições no mercado financeiro, evitando-se uma inexistente crise sistêmica; também é responsável por não terem sido observadas as formalidades legais, posto que os referidos Bancos deveriam sujeitar-se ao Programa de Ajuda aos Bancos instituído pelo Banco Central. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso IV da Lei de Improbidade – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
4 – O Sr. Francisco Lopes ao conceder a “ajuda” financeira ao Banco Marka e FonteCindam é responsável também e em razão do cargo que ocupava, por ter dando maior importância à preservação do patrimônio particular em detrimento do patrimônio público, devendo por isto responder. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso X da Lei de Improbidade – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
5 – O Sr. Francisco ao autorizar a “ajuda” financeira aos Banco Marka e FonteCindam, permitiu e facilitou o enriquecimento ilícito do Banco Marka e FonteCindam, cujos sócios tiveram seus respectivos patrimônios particulares intáctos, ou eventualmente acrescidos. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso XII da Lei de Improbidade – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
6 – O Sr. Francisco ao autorizar a “ajuda” financeira aos Banco Marka e FonteCindam, nas condições realizadas despidas de qualquer fundamentação regulamentar ou legal, infringiu os princípios da administração e em especial o da legalidade. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, inciso I da Lei de Improbidade – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;
7 – O Sr. Francisco Lopes ao autorizar a “ajuda” financeira aos Banco Marka e FonteCindam ao invés de ter declarado de ofício a quebra das referidas instituições financeiras, praticou ato de improbidade administrativa por violar princípios da administração pública. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, inciso II da Lei de Improbidade – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
8 – O Sr. Francisco Lopes ao conceder o “benefício” de venda de dólares abaixo da cotação do dia somente aos Bancos Marka e FonteCindam, sem dar a devida publicidade inerente dos atos administrativos, praticou ato de improbidade administrativa por violar o princípio da publicidade, moralidade, etc… Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa, descrito no art. 11, inciso IV da Lei de Improbidade – negar publicidade aos atos oficiais;
9 – O Sr. Francisco Lopes ao conceder o “benefício” de venda de dólares abaixo da cotação do dia somente aos Bancos Marka e FonteCindam, eximindo-se posteriormente perante o Senado Federal de prestar esclarecimentos e as contas, aos quais está obrigado a fazer; praticou ato de improbidade administrativa por violar o princípio da publicidade, moralidade, honestidade, etc… Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa, descrito no art. 11, inciso VI da Lei de Improbidade – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
10 – O Sr. Francisco Lopes, em decorrência da suspeita de vazamento de informações sigilosas acerca da desvalorização do real, cuja origem, sem sombra de dúvida, só pode ter sido no Banco Central – portanto, caso não tenha partido do ex- Presidente, mas de qualquer funcionário a ele afeto – praticou ato de improbidade administrativa, descrito no art. 11, inciso VII da Lei de Improbidade – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
11 – O Sr. Cláudio Mauch, ex- diretor de fiscalização do Banco Central, ao admitir que foi a sua equipe, portanto a ele afeta, foi quem definiu a cotação do dólar futuro vendido aos Bancos Marka e FonteCindam, em prejuízo do Banco Central, praticou atos de improbidade administrativa. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso I da Lei de Improbidade – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei; devendo por isso responder.
12 – O Sr. Cláudio Mauch, como ex-diretor de fiscalização do Banco Central, conhecedor, por dever de ofício, da situação deficitária e irreversível dos Bancos Marka e FonteCindam deveria ter se manifestado no sentido de ser instaurada a liquidação dessas instiutuições ou no mínimo ter instaurado o programa de socorro aos Bancos; entretando não tendo assim agido, praticou ato de improbidade administrativa. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso II, VI e XII da Lei de Improbidade – II permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
13 – O Sr. Cláudio Mauch ao estipular e concordar com a taxa do dólar futuro a ser aplicada na “ajuda” financeira aos Banco Marka e FonteCindam ao invés de ter se pronunciado de ofício, no sentido de ser decretada a quebra das referidas instituições financeiras, praticou ato de improbidade administrativa por violar princípios da administração pública. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, inciso II da Lei de Improbidade – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
14 – O Sr. Armínio Fraga, atual Presidente do Banco Central e demais diretores, ex-diretores, funcionários e ex-funcionários que participaram da reunião em São Paulo, (para elaborar a memória dos fatos a serem apresentados no Relatório do Banco Central e à CPI bem como unificar os respectivos depoimentos), ao tomar conhecimento e visitar os partícipes de tal encontro, praticou ato de improbidade administrativa. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, caput da Lei de Improbidade, posto que tal ato viola os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
15 – Os Bancos Marka e FonteCindam concorrem nos mesmos atos praticados pelo Sr. Francisco Lopes e Cláudio Mauch, posto que beneficiário de todas os atos improbos por eles praticados.
16 – Com relação ao ex-Presidente do Banco Central Gustavo Franco e demais instituições financeiras elencadas na representação, os atos e omissões são impossíveis de serem analisados neste instante face ao atual estágio das investigações.
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