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CPI do Sistema Financeiro

Continuação 4: Parecer de Mercadante à CPI dos Bancos

Autor

11 de maio de 1999, 0h00

Anexos

Caso Marka e FonteCindam – Inobservância ao Princípio da Isonomia

Preliminarmente, convém examinarmos a hipótese, apenas a título de argumentação, de amparo legal no socorro efetuado pelo Banco Central aos Banco Marka, Banco FonteCindam e seus Fundos de Investimento.

Como exposto acima, a interpretação de qualquer dispositivo legal, seja ele constitucional ou infra-constitucional, deverá, imperativamente, observar os princípios gerais de direito, sob pena de entrar em conflito com os valores universais supremos que apregoam tais princípios.

No caso em tela, antes de qualquer consideração acerca da aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa, a qual deverá ser interpretada com base nos princípios gerais de direito e da própria administração, devemos esclarecer que na remota hipótese de ser considerada legal e legítima a atuação do Banco Central quando da venda de dólares a preço abaixo da cotação de mercado para os Bancos Marka e FonteCindam, mas no caso não é, não resta a menor dúvida que restaria violado o Princípio da Isonomia.

Isto porque, a desigualdade de tratamento pelo Banco Central deu-se não só com relação às demais instituições financeiras e seus respectivos fundos de investimentos, mas também em relação aos próprios Banco Marka e FonteCindam, os quais, apesar de estarem em idênticas situações de gênero e grau tiveram, com o beneplácito do Banco Central, suas posições zeradas com uma cotação de dólar no futuro, distintas. Ora, somente isto já seria suficiente para anular todas as negociações realizadas pelo Banco Central com essas duas instituições financeiras, com o respectivo ressarcimento; como também para ficar demonstrado que a violação do Princípio da Isonomia – que impõe a igualdade de tratamento em determinada situação, para aqueles que se encontram numa mesma categoria – compromete qualquer ato praticado pela Administração, dado ao valor intrínseco protegido pela Constituição.

Neste momento, cabe a elaboração das seguintes questões: Por que à época da desvalorização, face a alegação de risco de crise sistêmica, o Banco Central ofereceu ajuda a duas instituições financeiras, com cotações de dólar diferenciada entre ambas? Por que a uma o socorro do Banco Central alcançou os Fundos de Investimento e a outra não? Por que não houve a execução prévia das garantias (carta de fiança, etc)? Por que após o uso das garantias, caso necessário, não se recorreu ao Programa de Socorro aos Bancos? Por que mesmo após a ajuda do Banco Central, uma das instituições financeiras, após a exigência de tornar-se em instituição não financeira continuou a operar como tal? A decisão da autoridade monetária trouxe prejuízo a alguém? A quem?

Pois bem. A Carta Política em vigor no Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, assevera, em seu artigo 3º, serem objetivos fundamentais da República: “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (inciso I), “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inciso III) e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”(inciso IV), elevando a valor supremo do Estado tanto a igualdade formal quanto a material, proibindo, de antemão, discriminações arbitrárias. Consoante esse dispositivo constitucional, se agrega a própria igualdade como um dos direitos que a lei deve garantir a todos igualmente, encampando-se, além da igual aplicação da lei, um conteúdo igual da legislação.

A Constituição esclarece em que consiste o igual tratamento, bem como dá os seus limites, isto é, caracteriza as discriminações que são constitucionalmente toleradas e as que não o são, ao completar o enunciado do princípio da igualdade, com a seguinte expressão: “sem distinção de qualquer natureza”.

Assim é que, no caso em tela, a ausência de identidade e unidade de tratamento que deveria ser despendida pelo Banco Central entre os Bancos Marka e FonteCindam principalmente às demais instituições financeiras e respectivos fundos de investimento, que se encontravam na mesma situação, extirpando qualquer contradição, é que implicou a incoerência, posto que violado o Princípio da Isonomia. Ora, como pode a Administração Pública decidir por tratamento diferenciados à pessoas em igualdade de condições?

Daí porque, a igualdade de tratamento entre categorias e situações idênticas é para o Direito uma exigência normativa, postulada pelo Princípio da Isonomia (igualdade material): assegura-se com a unidade e a ausência de contradição da lei, a igualdade de sua aplicação, e isto está diretamente ligado com os valores certeza e segurança.

Por óbvio, ferido de morte estaria o Princípio da Isonomia caso existisse realmente o risco de crise sistêmica.


Outra hipótese seria a não existência da situação de risco de crise sistêmica a justificar o ato do agente público, pois a contrário sensu, violado estaria anteriormente, o Princípio da Legalidade. Portanto, não haveria que se falar em violação do Princípio da Isonomia, posto que o ato do agente público seria natimorto, já que fulminado no nascedouro por nulidade insanável, e assim sendo, passaríamos diretamente à órbita de apuração das responsabilidades e seus consectários penais e civis.

Tipificação em tese dos atos de improbidade praticados pelo Banco Central, através de seu respectivos ex-representantes legais, Sr. Gustavo Franco e Francisco Lopes e seu sucessor Armínio Fraga, este atual presidente do Banco Central; Cláudio Mauch, diretor de fiscalização do Banco Central; os Bancos Marka, Fontecidam, J.P. Morgan, ING Barigs, Bank Boston, Garantia, Pactual, Banco do Brasil, Citibank, Matrix, Boa Vista, Bozano Simonsen todos por seus respectivos representantes legais; no episódio da desvalorização do Real, os quais motivaram o oferecimento da REPRESENTAÇÃO ao Ministério Público Federal do Distrito Federal

A pedido do Deputado Federal Aloísio Mercadante, podemos extrair dos termos da representação oferecida ao Ministério Público Federal, cuja cópia é parte integrante do presente estudo, vislumbra-se que os representados já se encontram, em tese, incursos nas sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, posto que, adicionando-se os fatos e provas já apurados diariamente pelo Senado Federal e pelo Ministério Público Federal, é indiscutível que no mínimo os atos praticados causaram prejuízo ao erário e atentam contra os princípios da administração pública; restando somente por apurar o efetivo enriquecimento ilícito dos envolvidos, cuja existência é previsível.

Assim é que:

1 – O Sr. Francisco Lopes foi responsável pela “ajuda” financeira ao Banco Marka e FonteCindam, autorizando a venda de dólar a preço bem inferior à cotação do dia em que foi realizado o “negócio”, sem que fosse observada a inviável e evidente impossibilidade da ação. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso IV da Lei de Improbidade – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta Lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

2 – O Sr. Francisco Lopes com a ajuda financeira aos Bancos Marka e Fonte Cindam, onerou o patrimônio público, posto que por simples cálculos aritméticos, é notório que Banco Central em relação a esse dois Bancos, bancou a diferença da venda com o dinheiro dos cofres públicos. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso I da Lei de Improbidade – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei; devendo por isso responder. Os Bancos Marka e FonteCindam devem responder por terem cooperado e por serem beneficiárias, cf. art. 3º da Lei de Improbidade.

3 – O Sr. Francisco Lopes ao autorizar a “ajuda” financeira ao Banco Marka e FonteCindam, para efeito de zerarem suas posições no mercado financeiro, evitando-se uma inexistente crise sistêmica; também é responsável por não terem sido observadas as formalidades legais, posto que os referidos Bancos deveriam sujeitar-se ao Programa de Ajuda aos Bancos instituído pelo Banco Central. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso IV da Lei de Improbidade – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

4 – O Sr. Francisco Lopes ao conceder a “ajuda” financeira ao Banco Marka e FonteCindam é responsável também e em razão do cargo que ocupava, por ter dando maior importância à preservação do patrimônio particular em detrimento do patrimônio público, devendo por isto responder. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso X da Lei de Improbidade – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

5 – O Sr. Francisco ao autorizar a “ajuda” financeira aos Banco Marka e FonteCindam, permitiu e facilitou o enriquecimento ilícito do Banco Marka e FonteCindam, cujos sócios tiveram seus respectivos patrimônios particulares intáctos, ou eventualmente acrescidos. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso XII da Lei de Improbidade – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;


6 – O Sr. Francisco ao autorizar a “ajuda” financeira aos Banco Marka e FonteCindam, nas condições realizadas despidas de qualquer fundamentação regulamentar ou legal, infringiu os princípios da administração e em especial o da legalidade. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, inciso I da Lei de Improbidade – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;

7 – O Sr. Francisco Lopes ao autorizar a “ajuda” financeira aos Banco Marka e FonteCindam ao invés de ter declarado de ofício a quebra das referidas instituições financeiras, praticou ato de improbidade administrativa por violar princípios da administração pública. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, inciso II da Lei de Improbidade – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

8 – O Sr. Francisco Lopes ao conceder o “benefício” de venda de dólares abaixo da cotação do dia somente aos Bancos Marka e FonteCindam, sem dar a devida publicidade inerente dos atos administrativos, praticou ato de improbidade administrativa por violar o princípio da publicidade, moralidade, etc… Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa, descrito no art. 11, inciso IV da Lei de Improbidade – negar publicidade aos atos oficiais;

9 – O Sr. Francisco Lopes ao conceder o “benefício” de venda de dólares abaixo da cotação do dia somente aos Bancos Marka e FonteCindam, eximindo-se posteriormente perante o Senado Federal de prestar esclarecimentos e as contas, aos quais está obrigado a fazer; praticou ato de improbidade administrativa por violar o princípio da publicidade, moralidade, honestidade, etc… Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa, descrito no art. 11, inciso VI da Lei de Improbidade – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

10 – O Sr. Francisco Lopes, em decorrência da suspeita de vazamento de informações sigilosas acerca da desvalorização do real, cuja origem, sem sombra de dúvida, só pode ter sido no Banco Central – portanto, caso não tenha partido do ex- Presidente, mas de qualquer funcionário a ele afeto – praticou ato de improbidade administrativa, descrito no art. 11, inciso VII da Lei de Improbidade – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

11 – O Sr. Cláudio Mauch, ex- diretor de fiscalização do Banco Central, ao admitir que foi a sua equipe, portanto a ele afeta, foi quem definiu a cotação do dólar futuro vendido aos Bancos Marka e FonteCindam, em prejuízo do Banco Central, praticou atos de improbidade administrativa. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso I da Lei de Improbidade – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei; devendo por isso responder.

12 – O Sr. Cláudio Mauch, como ex-diretor de fiscalização do Banco Central, conhecedor, por dever de ofício, da situação deficitária e irreversível dos Bancos Marka e FonteCindam deveria ter se manifestado no sentido de ser instaurada a liquidação dessas instiutuições ou no mínimo ter instaurado o programa de socorro aos Bancos; entretando não tendo assim agido, praticou ato de improbidade administrativa. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 10, inciso II, VI e XII da Lei de Improbidade – II permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

13 – O Sr. Cláudio Mauch ao estipular e concordar com a taxa do dólar futuro a ser aplicada na “ajuda” financeira aos Banco Marka e FonteCindam ao invés de ter se pronunciado de ofício, no sentido de ser decretada a quebra das referidas instituições financeiras, praticou ato de improbidade administrativa por violar princípios da administração pública. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, inciso II da Lei de Improbidade – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

14 – O Sr. Armínio Fraga, atual Presidente do Banco Central e demais diretores, ex-diretores, funcionários e ex-funcionários que participaram da reunião em São Paulo, (para elaborar a memória dos fatos a serem apresentados no Relatório do Banco Central e à CPI bem como unificar os respectivos depoimentos), ao tomar conhecimento e visitar os partícipes de tal encontro, praticou ato de improbidade administrativa. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, caput da Lei de Improbidade, posto que tal ato viola os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.

15 – Os Bancos Marka e FonteCindam concorrem nos mesmos atos praticados pelo Sr. Francisco Lopes e Cláudio Mauch, posto que beneficiário de todas os atos improbos por eles praticados.

16 – Com relação ao ex-Presidente do Banco Central Gustavo Franco e demais instituições financeiras elencadas na representação, os atos e omissões são impossíveis de serem analisados neste instante face ao atual estágio das investigações.

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Poluição Sonora

Continuação: Poluição sonora e o Ministério Público

Autor

25 de novembro de 1998, 17h14

IV. A poluição sonora no quadro dos interesses (alguns exemplos)

Ao iniciarmos o presente estudo, fixamos o conceito de poluição e, em especial, o de poluição sonora, afirmando que esta é a adulteração do meio ambiente harmoniosamente equilibrado, causada por ruído.

Como também já afirmamos a intensidade (volume) do ruído é variável. Assim, é possível imaginar situações de poluição sonora que envolvam interesses individuais subjetivos, individuais homogêneos ou difusos.

Situações de poluição sonora que afetem interesses coletivos, apesar de não excluirmos sua ocorrência em tese, é preciso lembrar que a definição de interesse coletivo exige que seus titulares estejam ligados por um vínculo jurídico, e não por simples situação de fato. Em geral, o interesse coletivo não se coaduna com casos de poluição sonora, visto que as pessoas atingidas estão vinculadas pela situação de fato e não jurídica.

A poluição sonora causada por um morador de apartamento ao seu vizinho do andar inferior pela utilização de um instrumento musical, afetará evidentemente a interesse individual subjetivo, cuja titularidade é exclusiva daquele que se entende prejudicado.

Outra situação é a poluição sonora provocada por um certo estabelecimento (casa noturna, restaurante, bares ou similares) em determinado local. O nível de som produzido afetará não mais um indivíduo isoladamente, mas um grupo limitado de vizinhos que se sentirão prejudicados no seu direito à tranqüilidade. Nesse caso, é possível afirmar a existência de interesses individuais homogêneos, ou seja, aqueles de origem comum, compartilhados por pessoas que se encontram unidas pela mesma situação de fato. Não são coletivos porque seus titulares não estão unidos por uma relação jurídica. Tampouco são difusos porque os interesses são divisíveis e quantificáveis em face de seus titulares, os quais integram um grupo determinado ou determinável de pessoas.

Os moradores de outros bairros ou até mesmo os moradores de outras ruas do mesmo bairro não estarão afetados pela poluição sonora, que, nesse caso, tem caráter limitado a um grupo determinado.

Ainda que se sustente que no exemplo dado a proteção pretendida é a saúde das pessoas, ou seu bem estar, para daí configurar-se lesão a interesses difusos, não haveria presente o requisito da “indeterminação dos sujeitos”, caracterizador desse interesse (vide item III.b., acima), haja visto que a saúde pública ou o bem estar da coletividade não estão efetivamente ameaçados, mas apenas a de um grupo determinado de pessoas.

Ainda sob o prisma do interesse difuso, é questionável a presença do atributo da “litigiosidade interna” ou “conflituosidade intrínseca”, posto que em matéria de saúde pública e bem estar da coletividade é impossível identificar a priori grupos antagônicos que defendam posições conflitantes. Mesmo os causadores de poluição sonora não se enquadram naqueles – se é que existem – que seriam contrários à saúde e bem estar das pessoas.

Outro exemplo que pode ser citado é o funcionamento de um aeroporto em zona urbana ou, ainda, de diversos – dezenas – caminhões de uma companhia de gás que propaga certa música em níveis acima do permitido, por diversos bairros de uma cidade, no intuito de chamar a atenção dos consumidores.

Nesse caso, é evidente que o número de pessoas é indeterminado e o liame que as une é meramente fático, caracterizando o interesse difuso.

Como se pode perceber, é muito difícil, senão impossível, determinar a priori se certa situação concreta, onde está presente a poluição sonora, caracteriza esse ou aquele tipo de interesse

V. Ministério Público e o interesse geral

Parece-nos útil a essa altura inserir o Ministério Público no presente estudo, posto que à Instituição foi conferida legitimação para defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Preferimos partir de uma visão mais ampla do Ministério Público e sua legitimidade geral, para, a seguir, nos determos na legitimidade em face de situações que envolvam poluição sonora.

Em um primeiro momento histórico, período anterior à Revolução Francesa, temos o Ministério Público originariamente como defensor de interesses particulares do Rei à época das monarquias absolutistas. A defesa dos interesses gerais só era concebida em nome do Rei, pois este representava a vontade de seus súditos, sendo a personificação da lei.

Após a Revolução Francesa, surge o Poder Executivo e a idéia de que os interesses da administração pública são ontologicamente diferentes do interesse da Justiça. Neste novo contexto, o Ministério Público era o órgão responsável pela representação dos interesses da administração pública perante os Tribunais. Portanto, ocorreu apenas a substituição da figura do Rei pelo Estado.

Com a evolução do Estado de Direito, do sistema democrático e a imposição do dever estatal de atingir objetivos sociais, como também a atribuição, aos indivíduos, do correlato direito de exigi-los, o Ministério Público adquiriu a legítima representação do interesse público, no âmbito da jurisdição civil. “Daí dizer Lopes da Costa que o Ministério Público defende o interesse da justiça, do lado em que ela estiver. O do advogado do Estado é o interesse da administração pública, como parte. Imparcial a função do Ministério Público. Parcial, a segunda”.

A legitimação processual do Ministério Público no âmbito da jurisdição civil está afetada ao interesse público. Assim, consiste a atribuição ministerial em dever e poder previsto e amplamente amparado em norma constitucional e infraconstitucional, independentemente da função institucional que o órgão ministerial exerça.

A Constituição Brasileira de 1.988, art. 127, caput, diz que “O ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (destacamos).

No tocante à função institucional de fiscal da lei, temos a referência no conceito dado pela norma constitucional, de ser o Ministério Público essencial à função jurisdicional do estado, vale dizer: sem ele a Justiça não se completa. Contudo, isto se aplica somente “quando se trate de feitos nos quais esteja em jogo o interesse geral, como os chamados interesses sociais e individuais indisponíveis. Em outras palavras, desde que haja alguma característica de indisponibilidade parcial ou absoluta de um interesse, ou desde que a defesa de qualquer interesse, disponível ou não, convenha à coletividade como um todo, aí será exigível a iniciativa ou a intervenção do Ministério público junto ao Judiciário”. (destacamos)

O Código de Processo Civil editado anteriormente a Constituição de 1.988, em seu art. 82, ao estabelecer a legitimação processual do Ministério Público para intervir nos feitos judiciais, já apontava hipóteses onde se encontram de imediato o interesse público:

Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:

I. nas causas em que há interesses de incapazes;

II. nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade’

III. em todas as demais causas em que há interesse público, evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (destacamos).

No inciso I temos a defesa dos incapazes, posto que interessa à sociedade como um todo a tutela dos direitos de quem ainda não adquiriu ou não tem capacidade de manifestar-se por si. Trata-se de interesse público, porque o Estado como entidade ético-jurídica não pode deixar desamparado o incapaz, pessoa hiposuficiente para manifestar-se juridicamente, devendo contribuir para que se alcance por completo o equilíbrio da vida social de interesse geral.

O inciso II trata de matérias de ordem pública, por ser o bem objeto da demanda de indisponibilidade absoluta ou relativa, ligados a uma pessoa (estado civil, p. ex.) ou a uma relação jurídica (casamento, p.ex.). Assim, devido os valores admitidos pelo ordenamento jurídico brasileiro ensejarem na indisponibilidade de certos bens ou direitos, mesmo aqueles individuais, surge o interesse público.

No inciso III, a atuação processual do Ministério Público dependerá ou da natureza do objeto jurídico da demanda, sendo este de interesse geral ou social; ou dependerá da qualidade das partes, pois de seus interesses não possam estas dispor, de forma absoluta ou parcial, ou os titulares dos interesses em litígio padeçam de alguma forma de acentuada deficiência, que justifique a intervenção protetiva. No entanto, em qualquer dessas hipóteses, o interesse público está presente na forma de interesse social, geral ou individual indisponível.

Quando a própria lei expressamente determina a intervenção ministerial, não se discute ou se questiona a necessidade dela ocorrer. Então, o Ministério Público, ao atuar como custos legis nas causas elencadas no art. 82 do Código de Processo Civil, é legítimo representante do interesse público, eqüidistante das posições subjetivas das partes. Ademais, essa legitimidade advém do fato de que o interesse que verse a causa deve ser exercido dentro de um regime especial, conforme estabelecem as normas de ordem pública, tendo em vista que a lei lhe dá maior relevância, em outras palavras, forma de interesse público.

A expressão interesse público mencionada no último inciso, dá ensejo a atuação ministerial em casos não expressamente enumerados na lei; melhor seriam que fossem casuisticamente enumerados, mas não foram, pois o legislador reconheceu sua falibilidade humana para conhecer de todos os casos de interesse da coletividade. Por isso, preferiu o legislador editar uma norma de encerramento, deixando em aberto a possibilidade de atuação ministerial nas demais causas em que há interesse público. Assim, ao ter de identificar, em cada caso concreto, se existe ou não interesse público a ser defendido, o membro do Parquet deve observar a lei e sua própria convicção jurídica, regrando esta com os ensinamentos da doutrina e jurisprudência.

Por oportuno, saliente-se que o interesse é jurídico quando se refere sempre a necessidade de satisfação de um sujeito, determinável ou não, estando seu conteúdo já pré-fixado valorativamente na norma, portanto, trata-se de acepção técnica; diferentemente do interesse de acepção laica, limitada à esfera do pensamento ou do subjetivo, sem poder ser exigível.

O interesse público, em acepção jurídica, é aquele que se evidencia nas causas que abrangem os interesses individuais indisponíveis e os gerais ou sociais, pois o exercício destes se revestem de uma utilidade maior tida como relevante pela lei. Contudo, “o fato de um interesse ser exercido por via individual ou coletiva, não altera sua essência. A natureza de um interesse advém da finalidade a qual ele está afetado, e não da forma escolhida para o seu exercício” . Portanto, quando falamos de interesse público nos referimos à forma de exercer um interesse, independentemente de sua essência.

Outrossim, diz-se que o interesse é público se pertinente à sociedade civil, personificada no Estado enquanto entidade ético-jurídica. Trata-se de interesse impessoal, concernente diretamente ao bem comum, e não apenas a satisfação exclusiva e egoísta de um, de um grupo ou de parcela da sociedade, nem mesmo é o interesse só do Estado, enquanto pessoa jurídica e política do direito administrativo empenhada na concretização de seus fins, que podem ou não coincidirem com os interesses da coletividade. Portanto, o interesse público é universal e abstrato, por isso, indisponível às partes litigantes.

Note-se que, quando se fala em bem comum é o mesmo de dizer bem geral. Por sua vez, o interesse geral aproxima-se do interesse social, pois ambos se opõem ao individual. Com efeito, sob certas conotações que tangenciam as acepções social e jurídico, há íntima ligação entre os três conceitos: interesses social, geral e público, todos são metaindividuais transcendendo o indivíduo isoladamente considerado .

Por fim, o Ministério Público tem legitimidade processual para defender o interesse geral, pois a própria lei reconhece que este revela na forma de seu exercício uma relevância ou utilidade maior, qualificado então como interesse público. Em última palavra, o interesse geral se trata de interesse público, mesmo que ora abranja o bem comum de todos, ou ora proteja pessoa determinada ao passo que sua tutela interessa a sociedade como um valor social ou moral fundamental.

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