Uma política penitenciária

Uma política penitenciária

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18 de novembro de 1998, 23h00

Um cidade exigiu, durante muito tempo, solução para o problema da sua cadeia pública superlotada, entremeando esse justo movimento com uma posição contrária à construção de penitenciária, em seu território. Hoje, o que era projeto do atual governo estadual, mesmo com as dificuldades financeiras herdadas, converte-se em realidade de mais fácil compreensão e leitura.

Presos judicialmente condenados em definitivo, e que deveriam estar em penitenciárias para cumprirem suas penas, encontravam-se em todas as cadeias do interior e da capital, retirando qualquer possibilidade de uma política razoável, dentro do sistema prisional. Não existindo penitenciárias para tantas vagas, o espaço disponível em todo o estado de São Paulo era espaço disponível à tensão, à perversão, à promiscuidade e à agressão à dignidade do ser humano.

Essa falta de vagas no sistema prisional, acumulada durante anos e anos, arrastou a polícia civil à condição de carcerária de presos condenados; com isso, espaços e pessoas tiveram a finalidade de suas funções completamente alteradas e reduzidas na sua eficiência de combate à criminalidade. O perfil dessa política, definido pela alienação de políticas governamentais, gerou a desconfiança do cidadão na atuação policial, levando de roldão um comprometimento da própria legitimidade do Estado. Simultaneamente, a imprensa comprometida destila uma ideologia do medo, assumido por uma parcela ponderável da população que, no seu direito de segurança, opta pela solução simplista do demagogo de velha estirpe, que promete acabar com a criminalidade, num passe de mágica. São esses demagogos que insinuam ou falam na receita da pena de morte, como se o remédio fosse combater a estupidez com a estupidez institucionalizada.

Não há ação, nem discurso, que deva transigir com a bandidagem. Não há política que possa perder de vista a equação criminoso-vítima e respectivas famílias. Mais ainda, não pode existir política pública que perca de vista a equação criminoso-vítima-agentes públicos. Nesta última categoria, incluem-se delegados, investigadores, escrivães, diretores de presídio, agentes penitenciários, e tantos outros como juízes e promotores.

Os procuradores, os que procuram, os que julgam; homens, todos, que fazem da relação homem com homem ou uma relação de respeito e compreensão ou um exibicionismo, às vezes até desvairado, de autoritarismo e, até, de barbárie.

Não porque tenham a investidura da autoridade legal, mas, antes dela, encerram a condição de seres humanos, envolvidos pela circunstância da vida, com valores, princípios, ambições, virtudes e defeitos, frustrações e sonhos, que respondem pela maneira como agem e reagem em nosso meio social, no cumprimento de suas obrigações sociais.

A opinião contrária à construção de uma penitenciária, nesse estágio da organização do cumprimento da pena criminal no Brasil, contribui para dificultar a compreensão do problema. A criminalidade, em todos os seus aspectos, não será combatida eficazmente se não contar com a participação da sociedade civil, não só aceitando a construção de penitenciárias, como acompanhando e cooperando de todas as formas com a formulação de políticas que no combate à criminalidade não favoreçam a reincidência criminal pela fatalidade de um desumano do condenado, mas favorecendo, sim, o retorno dele ao convívio social, resgatado em sua auto-estima. E, antes, prevenir-se a criminalidade, com as políticas públicas que vão da educação democratizada ao trabalho remunerado.

A sociedade civil participante é a sociedade civil politizada, a que opina permanentemente sobre os negócios públicos que decidem sobre nossa vida e nosso bem estar; só ela, assim mobilizada, organizada, falante, decisiva, poderá controlar a execução dessas mesmas políticas, acuando e estreitando o campo da corrupção e do desperdício.

No debate da segurança pública que ensejamos, a construção de penitenciárias não é a única nem a principal, mas nesse momento tornou-se uma vertente importantíssima dessa política. Porque começa a prevenir a situação da “cadeia como universidade do crime”, da qual saem os prisioneiros de primeira viagem, após o convívio não-separado com todo tipo de criminoso, para uma reincidência que coloca em risco o cotidiano de nossa segurança.

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