FAPI

Estudo acerca da natureza jurídica do Fundo de Aposentadoria e Pensão

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14 de novembro de 1998, 23h00

Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Sistema anterior de previdência privada complementar: 3. Fundo de Aposentadoria e Pensão Individual (FAPI) e Plano de Incentivo à Aposentadoria Programada; 4. FAPI: Parte do Sistema Previdenciário Complementar?; 5. Conclusões.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

É intenção declarada das autoridades que regem a nossa economia a estimular-se a previdência privada complementar. Como vantagens, apontam elas sempre o aumento do volume de poupança interna, indispensável ao desenvolvimento de qualquer país, e o alívio da Previdência Social oficial, que estaria impossibilitada de conceder benefícios de valor digno .

A discussão da validade ou não de tais argumentos refoge aos limites deste artigo, mas é certo que, fossem ao menos seriamente tentado o combate às fraudes e à sonegação, ou empreendidas medidas como a constituição de um fundo, com os recursos das privatizações, para adimplir as aposentadorias e pensões (como pioneiramente fez o Estado da Bahia, com o Funprev), talvez fosse outro o quadro.

De qualquer sorte, tais soluções não parecem estar na pauta do governo federal, que prefere o incentivo à alternativa privada.

2. SISTEMA ANTERIOR DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR

Obviamente, só se pode falar de previdência privada complementar após o surgimento da básica (oficial). No entanto, Wladimir Novaes Martinez consigna que “o surgimento da Previdência complementar brasileira — sem natureza acessória e inexistente a básica — pelas características de facultatividade e mutualismo, pode ser fixado em 10 de janeiro de 1835, com a criação do MONGERAL — Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado, proposto pelo Ministro da Justiça, Barão de Sepetiba. A entidade, é uma das primeiras e funcionou continuamente como montepio, isto é, previdência aberta sem fins lucrativos” .

O fato é que o primeiro diploma normativo a tratar especificamente acerca das entidades de previdência privada complementar, entre nós, é a recente Lei n. 6.435, de 15 de julho de 1977, alterada posteriormente pela Lei n. 6.462, de 9 de novembro do mesmo ano.

A definição de entidade de previdência privada está no art. 1° da Lei n. 6.435/77: “Entidades de previdência privada, para os efeitos da presente Lei, são as que têm por objetivo instituir planos privados de concessão de pecúlios ou de rendas, de benefícios complementares ou assemelhados aos da previdência social, mediante contribuição de seus participantes, dos respectivos empregadores ou de ambos”.

Classificou, ainda, a Lei as entidades em dois grupos: o das entidades fechadas, “acessíveis exclusivamente aos empregados de uma só empresa ou de um grupo de empresas”, denominadas patrocinadoras (art. 4°, I, “a”, da Lei n. 6.435/77) , e o das entidades abertas, às quais pode se inscrever qualquer interessado.

Cada uma das modalidades recebeu uma regulamentação própria: o Decreto de n. 81.240, de 20 de janeiro de 1978 , destinou-se às entidades fechadas, enquanto o de n. 81.402, de 23 de fevereiro de 1978, dispôs sobre as entidades abertas .

Todo o sistema foi organizado, para a prevenção de fraudes, sob forte controle estatal.

As entidades fechadas são consideradas “complementares do sistema oficial de previdência e assistência social, enquadrando-se suas atividades na área de competência do Ministério da Previdência e Assistência Social” (art. 34 da Lei n. 6.435/77; art. 3° do Dec. 81.240). Seu funcionamento depende de prévia autorização, por portaria, do Ministro da Previdência e da Assistência Social, portaria esta somente exarada depois diante de comprovante de depósito, feito pelo patrocinador, “em favor da entidade de previdência privada, a título de dotação inicial, de importância mínima correspondente a 7% (sete por cento) da folha de salário dos participantes no ano imediatamente anterior” (art. 6°, § 1°, do Dec. 81.240), bem como após prévio exame dos estatutos da entidade que se pretende criar (art. 6°, § 2°, do mesmo Decreto) .

Além disso, foram postas sob a direção do Conselho de Previdência Complementar (CPC) e à fiscalização da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), ambos integrantes do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS).

Já as entidades abertas se sujeitam a prévia autorização, também por portaria, do Ministro da Indústria e Comércio (art. 2° do Dec. 81.402), sob as diretrizes fixadas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e fiscalização da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). O intermediário legalmente autorizado a intermediar a inscrição de interessados nas entidades abertas é o corretor, devidamente inscrito na SUSEP.

Apesar da concessão de incentivos, a exemplo, da dedutibilidade das contribuições no cálculo do imposto de renda, nunca houve grande adesão do público às entidades abertas de previdência privada, talvez até pelo malogro de tentativas outras de alavancagem do sistema, feitas durante o regime militar (de que resultaram benefícios de valor irrisório) .

Já as entidades fechadas, graças a uma generosa política de transferência de recursos dos cofres das patrocinadoras, prosperaram, participando ativamente de investimentos de vulto, como nas privatizações. Infelizmente, contudo, não são acessíveis a todos os brasileiros.

3. Fundo de Aposentadoria e Pensão Individual (FAPI) e Plano de Incentivo à Aposentadoria Programada

Tentando reverter o descrédito popular, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda coordenou a elaboração de um projeto de lei que, relatado pelo Senador José Serra, transformou-se na Lei n. 9.477, de 24 de julho de 1997, instituindo o Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI) e o Plano de Incentivo à Aposentadoria Programada Individual.

Declaradamente inspirados no modelo norte-americano, onde existiriam “615 mil fundos semelhantes ao FAPI, cobrindo 37 milhões de pessoas, sendo o mais populares os chamados ‘401(k)’ ” , os FAPI são “constituídos sob a forma de condomínio aberto”, têm seus recursos aplicados de acordo com as determinações do Conselho Monetário Nacional (art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.477). O ingresso se dá mediante a aquisição de quotas, e havia a possibilidade de dedução da base de cálculo do imposto de renda até o limite anual inicial de R$ 2.400,00 (art. 10, I, da Lei n. 9.477), modificado, mediante o art. 11 da Lei n. 9.532/97, para “a doze por cento do total de rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos”, valor limitado, pelo art. 11, §2º, da Lei n. 9.532/97, “em cada período de apuração, a vinte por cento do total dos salários dos empregados e da remuneração dos dirigentes da empresa, vinculados ao referido plano”, devendo o excesso ser adicionado na apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido (art. 11, § 3º).

Ao mesmo tempo, possibilitou a lei ao empregador a instituição do Plano de Incentivo à Aposentadoria Programada Individual, mediante o qual o empregador pode adquirir quotas para os empregados e administradores, com ou sem participação deles, podendo também deduzir o valor do imposto de renda, até o limite de 10% do salário bruto de cada integrante do plano.

O prazo de carência para o resgate das aplicações, para que não haja incidência de imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativos a títulos e valores mobiliários, é de dez anos, salvo em caso de invalidez permanente, aposentadoria ou morte do participante.

“Outra novidade está no instituto da portabilidade, ou seja, os titulares do FAPI poderão levar consigo o valor acumulado quando se transferirem para outra empresa que tenha Plano de Incentivo à Aposentadoria Programada Individual, ou para outro Fundo semelhante, com uma administração eficiente em termos de rentabilidade e segurança, que ofereça custos de administração mais baixos” .

Com efeito, a portabilidade é, de longe, a maior vantagem trazida pela Lei n. 9.477.

4. FAPI: Parte do Sistema Previdenciário Complementar?

A primeira impressão que se tem é a de que os FAPI nada mais são que uma tentativa de simplificar o sistema de previdência complementar que ora possuímos.

De fato, não é necessária, para a instituição e administração do fundo, a criação de uma entidade aberta autônoma, pois as próprias instituições financeiras ou sociedades seguradoras autorizadas pela SUSEP podem institui-lo. Tampouco exige o novo diploma normativo que o intermediário seja corretor inscrito na SUSEP .

Além disso, a operacionalização, para as empresas, é bem mais simples, eis que há a transformação das contribuições em quotas.

Sendo mera tentativa de desburocratização, surgiria a seguinte questão: Por que motivo, em vez de criar um novo regime, não se optou por revisar o regramento já existente das entidades abertas?

A resposta a tal pergunta passa pela constatação que a criação legislativa não é exatamente pertinente ao Direito Previdenciário Complementar, e sim ao Direito Econômico.

Trata-se, em verdade, de um fundo de investimentos, e não de mais um instituto do sistema previdenciário complementar brasileiro, informado, segundo Wladimir Novaes Martinez, dos mesmos princípios técnicos do Direito Previdenciário .

Não há, com efeito, nenhuma vinculação com a Previdência Social pública que autorize a classificação do FAPI e do Plano de Incentivo à Aposentadoria Programada Individual como integrantes da previdência privada complementar.

Aliás, outra não é a conclusão que se pode haurir do trecho seguinte, capturado do site do Ministério da Fazenda:

“Trata-se de um fundo de investimento capitalizado, que será administrado pelas instituições financeiras e seguradoras, com planos de benefícios variados, destinados a incentivar a formação voluntária de poupanças individuais. Os recursos capitalizados serão aplicados no mercado financeiro e de capitais, respeitando regras de prudência e de diversificação, de forma a proteger os participantes”.

Uma das conseqüências práticas disso é que as regras e princípios aplicáveis subsidiariamente ao FAPI serão as de Direito Econômico, e não as de previdência complementar.

Outra é que os argumentos usados para defender a incompetência da Justiça do Trabalho para conhecer de lides em que se trata de previdência complementar não terão necessariamente validade.

5. Conclusões

a) a previdência privada está sendo estimulada, como forma de aumentar a poupança interna e, com isso, contribuir, em termos macroeconômicos, com o esforço de estabilização da economia;

b) o sistema previdenciário complementar privado continua regido pela Lei n. 6.435/77, regulamentada pelos Decretos n. 81.240/78 e n. 81.402/78;

c) em face do modelo norte-americano, criou-se, mediante a Lei n. 9.477/97, o Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI) e o Plano de Aposentadoria Programada Individual;

d) malgrado aparentem as inovações integrar o sistema previdenciário complementar, não passam elas de fundos de investimento, a cargo do Direito Econômico;

e) como conseqüência, são aplicáveis subsidiariamente às criações da Lei n. 9.477/97 os princípios e regras do Direito Econômico, e não da Previdência Complementar, e tampouco é possível a utilização automática dos argumentos dos que defendem a incompetência da Justiça do Trabalho para conhecer de lides com conteúdo previdenciário complementar.

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