Imprensa condenada

Aperta o cerco à imprensa

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13 de novembro de 1998, 23h00

O Judiciário está impondo aos jornalistas e empresas de comunicação uma revolução de hábitos no país. Na mesma medida em que se avolumam os pedidos de indenização na Justiça, cresce o número de reportagens não publicadas pelo medo das ações. Na quarta-feira passada, o jornal O Globo e dois jornalistas foram condenados por texto publicado em 1994, em que se afirmava que a CBF teria pago à Federação Equatoriana de Futebol para que o jogo das eliminatórias da Copa daquele ano fosse realizado ao nível do mar, na cidade de Guayaquil. A indenização foi arbitrada em 200 salários mínimos mais correção e honorários. Um dos jornalistas, Zózimo Barrozo do Amaral, já morreu. A conta ficou para o espólio.

Também na semana que passou, a Folha de S.Paulo teve de reservar meia página de seu primeiro caderno para publicar a sentença de juiz do TJ do Rio de janeiro, onde se revela a condenação ao pagamento de 300 salários mínimos, acrescidos de juros mais custas arbitradas em 20% do valor da causa. O motivo foi uma coluna de Janio de Freitas publicada em 1994. Tratando de uma lista de autoridades encontrada em poder de bicheiros, Janio aventou a possibilidade de o nome Nilo Batista, encontrado na lista, referir-se ao delegado Nilo Augusto Batista, e não ao ex-governador do Rio, Nilo Batista. O delegado pediu reparação de danos morais.

Exemplo marcante da mudança de comportamento da imprensa é o caso do dossiê que envolve o nome do presidente Fernando Henrique Cardoso e aliados seus. Embora já se soubesse de sua existência antes das eleições, a cautela adotada manteve o presidente fora do noticiário. Mesmo depois da divulgação inicial, o caso tem sido tratado com cuidado.

Considerado o número de publicações e seu faturamento, as condenações não são tantas nem tão altas, avalia um especialista na matéria, o advogado Paulo Esteves – cujo escritório administra cerca de 400 processos contra órgãos de imprensa. Segundo ele, há uma parâmetro fundamental para o qual as empresas jornalísticas devem atentar diante das indenizações desproporcionais a que são submetidas: “A Constituição estabelece que nenhuma reparação deverá exceder a capacidade econômica do agressor”. Assim, recomenda ele, esses casos devem ser levados até o Supremo Tribunal Federal para evitar os abusos.

No mês passado, a mesma Folha de S.Paulo já havia sido apenada com a publicação de sentença resultante de reportagem feita pelo jornalista Cláudio Júlio Tognolli. O repórter indicara dois delegados como envolvidos no assassinato de um investigador que, dias antes de ser morto, havia procurado o jornal para apontar policiais que estariam ligados a contrabando. Como a Corregedoria da Polícia Civil afirmou não haver provas ou indícios de culpa dos acusados, o jornal foi condenado.

Entre as mudanças de entendimento do Judiciário, estão a que deixa de examinar as queixas apenas no âmbito da Lei de Imprensa; a que admite a existência de dano moral a empresas (ou entidades, no caso da Federação de Futebol do Equador); e a que exclui os jornalistas da lide. Foi o caso de outra decisão recente, envolvendo o colunista Juca Kfouri.

Excluído na primeira e na segunda instâncias da acusação, Juca Kfouri passou a responder, solidariamente com a Folha de S.Paulo, por texto publicado em junho de 1996. Tudo começou quando o juiz Marcos Gozzo, do Fórum Criminal de São Paulo, rejeitou denúncia do Ministério Público sobre suposto esquema de arbitragem que teria beneficiado um time da cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Sua decisão foi criticada por Juca Kfouri.

Gozzo entrou com processo alegando que o título da notícia – “Não é gozação…”- fazia alusão, de forma pejorativa, ao nome de sua família e dava a impressão de que sua sentença teria beneficiado os acusados no processo criminal.

Não satisfeito, o juiz entrou com recurso no STJ, apresentando decisões dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal e de São Paulo em que, tanto a empresa jornalística como o autor da matéria foram responsabilizados pela reparação.

O relator do processo, ministro Carlos Alberto Menezes Direito, afirmou que “o artigo 49 da Lei de Imprensa não comporta interpretação que exclua a legitimação passiva daquele que, diretamente, foi responsável pela ofensa ao autor”. Para o ministro, “uma vez malferida a honra, pode o atingido investir, se identificado o autor, contra este diretamente, sem prejuízo de responsabilizar o veículo que, por negligência, deu curso à ofensa, falhando no seu dever de avaliar o que publica”.

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