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Nova Lei da Propriedade Industrial

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24 de março de 1998, 0h00

Continuação…

A Concorrência Desleal e o Registro de Marca Vs. Nome de Domínio no Âmbito da Internet

3. O Registro de Marca Vs. Nome de Domínio no Âmbito da Internet

3.1. A Nova Lei da Propriedade Industrial no Brasil

A chamada nova Lei da Propriedade Industrial (Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1.996), introduziu uma série de modificações no ordenamento jurídico brasileiro no que se refere às normas inerentes à proteção das marcas e patentes. Entretanto, essa nova lei é absolutamente silente no que tange à questão da proteção das marcas no âmbito da Internet, em face dos registros dos chamados Nomes de Domínio. Da mesma forma, embora se tenha conhecimento de alguns poucos litígios, principalmente no âmbito administrativo, colocando frente a frente a questão da proteção conferida pelo Registro de Marca vs. Nome de Domínio, não houve, ainda, tempo hábil para que os Tribunais do país pudessem se manifestar sobre o assunto, firmando uma posição de nossos magistrados que pudesse servir como orientação para os estudiosos da matéria. Portanto, na falta de legislação específica, bem como de julgados de nossas Cortes Superiores, a análise legal da questão deve ser encarada no Brasil como preliminar, sujeita a revisões futuras, na medida em que o nosso ordenamento jurídico contemplar, de maneira mais precisa, os avanços da tecnologia.

3.2. O Comitê Gestor da Internet no Brasil e Suas Atribuições

A partir de 1.995, os Ministérios das Comunicações e Ciência da Tecnologia outorgaram, conjuntamente, poderes ao chamado Comitê Gestor Internet Brasil (“CG”) para ser no país o órgão responsável pelo registro de Nomes de Domínio na rede eletrônica Internet. Através do Ato Normativo 1 (O Ato Normativo 1 foi aprovado em 10 de dezembro de 1.996 e posto em vigor a partir de 1º de março de 1.997), o CG estabeleceu as normas pertinentes ao registro dos Nomes de Domínio, que se consubstanciam, em linhas gerais, no seguinte:

(a) É adotado como critério para registro do Nome de Domínio, o princípio de que terá direito a ele, aquele que primeiro requerer o registro;

(b) O CG fica isento de qualquer responsabilidade com referência à escolha do Nome de Domínio requerida pelo usuário, bem como por quaisquer danos decorrentes de sua má utilização;

(c) Ao requerente obriga-se a utilização corrente do Nome de Domínio solicitado, na forma do documento intitulado Solicitação de Registro de Nome de Domínio;

(d) Somente as pessoas jurídicas devidamente constituídas no Brasil e corretamente inscritas no Cadastro Geral dos Contribuintes (“CGC”) do Ministério da Fazenda, poderão solicitar o registro dos Nomes de Domínio;

(e) A cada pessoa jurídica mencionada no item (d) acima, será garantido o registro exclusivo de um Nome de Domínio, exceção feita aos casos em que houver expressa autorização do CG;

(f) Ao CG cabe zelar pela manutenção e preservação dos registros de Nomes nas categorias de Domínio: (i) para órgãos governamentais – .gov.br; (ii) para órgãos não-governamentais – .org.br; (iii) para entidades comerciais – .com.br.; (iv) para órgãos educacionais – .”edu”.br; (v) militares – .mil.br; (vi) empresas de telecomunicações – .net.br; (vii) ou qualquer outro sub-domínio que venha a ser criado pelo CG sob o espaço reservado ao Brasil – .br, pelo InterNic. ( no caso dos Nomes de Domínio solicitados por empresas para uso comercial, cuja categoria está identificada por .com.br, o CG outorgou à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo — “FAPESP”, o poder de conduzir tais registros);

(g) Diz o Ato Normativo 1 do CG, que o requerente obriga-se a responder por todas e quaisquer ações judiciais ou extrajudiciais decorrentes de violação de direitos de terceiros ou por prejuízos a estes causados, eximindo o CG de qualquer responsabilidade com referência a utilização danosa dos Nomes de Domínio; e

(h) O direito ao uso de um Nome de Domínio, registrado na Internet sob o domínio .br, extingue-se pela renúncia expressa do requerente com relação a tais direitos; pelo término do prazo de proteção de 12 (doze) meses, contados a partir da data da concessão do registro por parte do CG. Se não houver renovação do direito do uso do Nome de Domínio, o registro será cancelado em 30 (trinta) dias; pela não utilização regular do Nome de Domínio, no período contínuo de 180 (cento e oitenta) dias; por ordem judicial; pela falta de obediência às regras estabelecidas pelo CG, emanadas por meio de Notificação escrita, no prazo de 30 (trinta) dias, sendo possível a redução de tal prazo em razão de cumprimento de ordem judicial. Tais hipóteses não conferem ao requerente que teve seu registro cancelado, qualquer direito à indenização ou ressarcimento pelo cancelamento do registro; e

Os tópicos acima representam os aspectos mais importantes relativos às normas que regulamentam, no Brasil, o registro dos Nomes de Domínio. Isso não quer dizer, entretanto, que todas as determinações expostas pelo Ato Normativo 1 são plenamente legais e constitucionais, principalmente no aspecto em que se diz que o CG fica isento, em face do requerente, de quaisquer responsabilidades pelo cancelamento do direito de uso de um Nome de Domínio. Ora, muito pelo contrário, se houver comprovação de que o cancelamento de tal direito deu-se, por exemplo, em razão de ato ilegal, arbitrário, desprovido de fundamento jurídico, praticado pelo CG, ficando evidente que, em decorrência de tal ato, o requerente sofreu qualquer tipo de lesão ou prejuízo, não haverá como escapar do dever de indenizar. Além do mais, há de se notar que a norma legal em questão não é Lei (trata-se de um mero Ato Normativo). Assim, certos atos do CG poderão sempre ser questionados nos Tribunais, baseando-se no princípio constitucional que ressalta que ninguém estará obrigado a fazer, ou a não fazer algo, a não ser em virtude da existência de lei (Artigo 5, inciso II, da Constituição da república Federativa do Brasil).

3.3. Nome de Domínio Vs. Registro de Marca Vs. Nome Comercial no Brasil

Não obstante a legislação brasileira não estabeleça qualquer menção expressa à proteção da marca em face dos pedidos de registro de Nome de Domínio, o fato que se tem conhecimento é que, na prática, a política do CG, quando se trata de solicitações de registro de Nomes de Domínio na categoria .com.br (nesse caso específico a FAPESP, como visto, por delegação de poderes do CG, tem a prerrogativa de proceder o registro), ou seja, para uso comercial, tem sido no sentido de recusar a concessão dos registros específicos sempre que houver evidente conflito com nomes comerciais ou marcas previamente registradas que sejam reconhecidamente notórias. Recentemente, um grande jornal brasileiro noticiou o caso de uma empresa comercial sediada no país que solicitou o registro do Nomes de Domínio sony.com.br, coke.com.br., nestlé.com.br, bmw.com.br, dentre outros. Essa empresa, como não poderia deixar de ser, teve negado seus pedidos de registro. Embora o Ato Normativo 1 não preveja essa situação de maneira específica, o órgão governamental utilizou-se da política do bom senso, para justificar a sua recusa de proceder tais registros. Alegou o órgão que tais Nomes de Domínio, apresentavam inegável similaridade com marcas previamente registradas, sabidamente notórias, de propriedade de terceiros. Entenderam as autoridades que, se concedessem tais registros, estariam lesando aqueles que seriam os reais proprietários das marcas em questão, mundialmente conhecidas, em benefício de um terceiro que estaria, sem sombra de dúvidas cometendo um ato de “pirataria”. Considerou-se que esses Nomes de Domínio estariam reservados para seus verdadeiros proprietários, detentores daquelas marcas reconhecidamente notórias, sendo certo que um terceiro não poderia apropriar-se delas simplesmente pelo fato de terem solicitado o registro perante o CG/FAPESP, sob pena de estar cometendo um ato ilícito.

A decisão do CG/FAPESP, no caso relatado acima, havida logo no início das atividades do órgãos, deu-se, sobretudo, em razão da utilização do bom senso. Não havia, como ainda não há, previsão legal expressa que autorizasse o órgão governamental a rejeitar tais solicitações de registro pelo fato de serem conflitantes com marcas notórias já devidamente registradas. Como visto, a legislação brasileira limita-se a dizer que tem direito ao uso do Nome de Domínio aquele que primeiro solicitar seu registro, sem fazer qualquer menção à eventuais conflitos com marcas já protegidas.

O fato é que, com o passar do tempo, a forma de atuação do CG/FAPESP tem levado várias empresas a obter o registro de Nomes de Domínio, cujo conteúdo conflita claramente com marcas anteriormente já registradas em nome de terceiros. Isso pode ocorrer, principalmente, com relação às marcas não tão famosas como aquelas relacionadas acima, mas cujos seus proprietários possuem, há muito tempo, a devida proteção legal, em determinado ramo de atividade empresarial. Ora a regra geral deve valer para todos os casos e não somente para aquelas marcas reconhecidamente notórias. Estaria, também, cometendo um ato ilícito aquele que registrasse para si um Nome de Domínio que contivesse expressão idêntica ou similar à marca de propriedade de outrem que, embora não notória, já tenha sido divulgada no mercado, como elemento identificador de um determinado ramo de atividade ou produto. Seria uma flagrante atitude de má-fé, com o objetivo claro de induzir o consumidor a erro, em benefício próprio. Essa situação não prevaleceria se levada à apreciação dos Tribunais brasileiros, motivo pelo qual muitas das decisões levadas a efeito pelo CG/FAPESP estão sujeitas a revisão dos nossos magistrados.

Sem dúvida alguma, o surgimento da Internet lançou novos desafios no campo do direito. A questão da concorrência desleal e da proteção à marca e ao nome comercial no âmbito da Internet é um dos pontos mais fascinantes. Não houve ainda tempo hábil para que o Ordenamento Jurídico brasileiro acompanhasse o avanço tecnológico, no sentido de criar normas para regular as inusitadas relações jurídicas havidas na sociedade em razão do progresso da ciência, no caso, a Internet. Mas nem por isso o Poder Judiciário poderá esquivar-se de julgar os casos que forem levados à sua apreciação. Assim, na lacuna da lei específica, para resolver essas questões, nossos magistrados terão de exercer, em sua plenitude, sua capacidade criativa, analisando essas novas situações surgidas no mundo do direito a partir de experiências similares vividas no passado, em outras situações, em que o avanço da sociedade os obrigou a dar novas interpretações às leis até então existente, produzindo, até certo ponto, decisões revolucionárias e em sintonia com o mundo moderno. Senão vejamos.

Durante anos debateu-se no Brasil a questão do Nome Comercial vs. Registro de Marca. Essa questão antiga, trazida ao cenário de hoje, pode apresentar correlação com a questão da proteção da Marca em face do Nome de Domínio, no âmbito da Internet, para resolução de conflitos. No passado, nossos Tribunais insistiam em entender que mesmo em face da existência anterior do registro na Junta Comercial (“nome comercial”), a denominação e a marca utilizadas pela empresa deveriam ceder vez às sociedades mais recentes, que as tivesse registrado como marca perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (“INPI”). Ou seja, o entendimento era de que a proteção conferida pelo INPI em face do registro da marca era mais ampla e poderosa do que aquela conferida ao nome comercial. Além de gerar injustiças, essa interpretação era um convite à “pirataria”.

Com o passar do tempo, nossos Tribunais, unanimemente, passaram a reconhecer que um registro não era mais contundente, ou eficaz, do que o outro e que a proteção do nome comercial a nível nacional não estava sujeita ao registro da marca perante o INPI. Com relação à empresas estrangeiras de marca reconhecidamente notória em nível internacional (Lacoste e Hermès, por exemplo), o entendimento passou a ser de que mesmo o nome não estando registrado no Brasil, a sociedade do exterior teria direito de ação contra as empresas nacionais que estivessem indevidamente utilizando-o.

Continua…

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