Lei Falencial

Lei Falencial - Derrogação anômala da norma jurídica

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23 de março de 1998, 18h38

O festejado BACON ensinou que: “A lei é a garantia do cidadão. O juiz, a garantia da lei”. Existe um preceito milenar, que adverte: “Fora da lei, nasce o arbítrio”.

Pois bem. Determinada empresa de uma próspera cidade do interior paulista, ingressou com um pedido de FALÊNCIA contra outra empresa, sob a alegação de que é credora desta, de determinada quantia, representada por duplicata vencida, a qual foi levada a protesto, sem que a devedora apresentasse solução.

O título em questão foi acompanhado das respectivas notas fiscais, comprovando, inclusive, o recebimento das mercadorias, gozando, portanto, de liquidez e certeza de uma dívida.

O MM. juiz sentenciante, louvando-se em parecer ministerial, entendeu que o valor do crédito reclamado é diminuto não havendo “… motivo suficiente ou bastante para o credor pedir a falência do devedor comerciante, sobretudo porque existem meios próprios eficazes para que tal dívida seja cobrada, como a execução contra devedor solvente, sem ser o pedido de falência”.

Em outro caso similar, aqui da Capital, o magistrado entendeu que: “O estado de insolvência presumido, condição para a quebra sem iniciativa do devedor, somente se evidencia com seguidos e reiterados inadimplementos de dívidas que reúnam expressão financeira, e não mais com a impontualidade de OBRIGAÇÕES LÍQUIDAS ISOLADAS, DE VALOR POUCO EXPRESSIVO (COMO NO CASO DOS AUTOS, EM QUE O VALOR DO CHEQUE E DESPESAS EQUIVALEM POUCO MAIS DE SEIS SALÁRIOS MÍNIMOS)”. (grifos do articulista).

Entrementes, em grau de recurso, em lúcido parecer, o ilustre procurador de Justiça, entre outras coisas, salientou: “… solução como a aplicada à espécie resulta em sério desprestígio do Judiciário, submetendo-o à execração pública, posto resultar na proteção de espertalhões e de maus pagadores”.

Com efeito, não cabe ao magistrado eleger a via pela qual deva o credor reivindicar o seu direito, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais do direito de ação, esculpidos no art. 5º, XXXV.

Nos casos em tela, os títulos foram protestados por falta de pagamento, e, inobstante o pequeno valor dos débitos, as empresas devedoras, citadas, não pagaram e nem se dignaram procurar os credores para uma possível composição, caracterizando-se o seu estado de insolvência, fundado na impontualidade.

O digno procurador de Justiça, ainda, ponderou: “Em que pese a boa intenção do ilustre julgador, cujo propósito teria sido não afogar a sua pauta e evitar custos elevados, implicitamente acabou por dar um conselho: deva muito a muitos, devendo só um pouquinho a cada um, que nada lhe acontecerá”.

O pedido falimentar, com esteio na impontualidade, é forma judicial de cobrança de dívida. Em havendo depósito elisivo, tomará forma de execução singular; contrariamente, acabará em execução coletiva. Não há, no ordenamento falencial, dispositivo algum dispondo que o valor do crédito ou reiteradas inadimplências, sejam erigidos como condição para a abertura do concurso.

Em realidade, o que se fez, foi revogar, parcialmente, de maneira anômala, a Lei de Falências, tarefa que não cabe ao Poder Judiciário.

“Caracterizam-se ainda as normas jurídicas por sua irrefragabilidade, o que significa que somente através de outra norma jurídica poderão deixar de ser aplicadas”. (“Lições de Direito Penal”, Parte Geral – José Bushatsky – Editor – 1976 – pág. 81 – HELENO CLÁUDIO FRAGOSO).

Vale sempre a pena rever a belíssima lição de ALIOMAR BALEEIRO, in “JUSTIÇA FORMAL, JUSTIÇA SUBSTANCIAL” – Geraldo Ataliba – “Revista de Direito Público”, vol. 7º, págs. 201 e seguintes:

“Não me cabe psicanalizar os eminentes representantes da nação”.

E, citando D’ARGENTRÉ: “NÃO JULGO A LEI, JULGO SEGUNDO A LEI”.

Logo mais, “QUEM SE QUEIXAR DA JUSTIÇA DA LEI, QUE VÁ ÀS URNAS E SUBSTITUA OS DEPUTADOS E SENADORES. NOSSO PAPEL NÃO É FAZER LEI, MAS JUSTIÇA SEGUNDO AS LEIS CONSTITUCIONAIS”.

A respeito da importância da aplicação da lei em vigor, já se professou sabiamente, que a construção dogmática não deve ser barrocamente confundida com apreciações extranormativas, com opiniões pessoais. Uma coisa é a lei, e outra é a nossa opinião. Quando estas não coincidem, nada nos privará de dizer o que pensamos; mas, devemos saber distinguir o que é a lei, do que é só o nosso desejo.

O ministro MÁRIO GUIMARÃES, comungava com a mesma linha de pensamento de SEBASTIAN SOLER, um dos maiores juristas desta era: “Deverá o juiz obedecer à lei, ainda que lhe pareça injusta. É um constrangimento que o princípio da divisão dos poderes impõe ao aplicador. Seria um império da desordem se cada qual pudesse, a seu arbítrio, suspender a execução da norma votada pelos representantes da nação”.

E, invocando FRANCISCO CAMPOS: “Não existe nenhum sistema jurídico em que se conceda ao juiz permissão para substituir à regra legal a que lhe seja ditado pela sua consciência, ou pelo seu sentimento de Justiça, ou pela sua filosofia econômica, política ou social”. (MÁRIO GUIMARÃES, “O Juiz e a função Jurisdicional”, C.E.Forense, Rio de Janeiro, 1958, págs. 330 e 331).

O juiz não pode substituir-se ao legislador, para impor a regra de direito que lhe pareça mais justa ou adequada, segundo o seu entendimento.

Assim pontificou o Pretório Excelso in “RBDP”, 50/159: “Não pode o juiz, sob alegação de que a aplicação do texto da lei à hipótese não se harmoniza com seu sentimento de Justiça ou equidade, substituir-se ao legislador para formular ele próprio, a regra de direito aplicado. Mitigue o juiz o rigor da lei, aplica-a com equidade e equanimidade, mas não a substitua pelo seu critério”.

Derrogando a lei, de maneira anômala, o juiz estará avalizando o arbítrio, desvirtuando suas nobres funções e invadindo a esfera de outro Poder.

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