Direito Previdenciário

Reflexos da separação fática e do companheirismo

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25 de maio de 1998, 0h00

Efeitos previdenciários da separação fática e da união estável

Um dos maiores problemas enfrentado pelos sistemas de previdência, diz respeito a concessão de benefícios previdenciários ao cônjuge ou companheira(o) do segurado.

O problema começa a surgir, quando o segurado casado, porém separado de fato, procura inscrever a pessoa com quem está convivendo, como seu dependente para o regime previdenciário, ou mesmo quando sobrevindo a morte deste, concorrem ao benefício da pensão a “viúva” e a companheira(a).

É inquestionável que o Direito Previdenciário tem por fundamento e finalidade dispor de elementos básicos para a segurança social dos segurados e seus dependentes. Desta forma, um de seus princípios fundamentais encontra-se na relação de dependência econômica entre o segurado e o pretenso dependente. Desta forma, muito antes do advento da Constituição de outubro/88 e da Lei Federal 8.213/91 ou mesmo, no caso do Paraná, da Lei Estadual 10.219/92, o Direito Previdenciário vinha reconhecendo os direitos das companheiras, mormente pelo desforço jurisprudencial.

Nos dias de hoje não são poucos os casais que se encontram separados de fato e, via de conseqüência, é elevado o número de pedidos de instituições de conviventes que tramitam nos vários Institutos de Previdência. Também não é pequeno o número de pedidos de pensão formulados de forma conjunta por “viúva(os)” e conviventes.

Cabe aqui um questionamento: será que podemos chamar de viúva(o) aquele cônjuge que está separado de fato do segurado não mantendo com este nenhuma relação direta e nem tampouco sendo credor de alimentos?

Uma leitura conjugada do que determinam os textos legais que tratam da matéria, deixa evidente que o sistema de previdência pressupõe a existência de classes de dependentes como o cônjuge, a companheira(o), o filho menor, etc.

Partindo apenas da definição cível ou do Direito de Família, poderíamos entender que se o segurado é casado não lhe é dado inscrever a companheira. Ora, este entendimento seria apressado, equivocado e contrário ao fundamento primordial do Direito Previdenciário, que não oferece segurança à “viúva”, mas aos dependentes do segurado.

Para dirimirmos todas as dúvidas, é necessário perquirir o que venha a ser o cônjuge para efeitos previdenciários, e mais, não se pode dizer de forma singela que a simples existência do cônjuge afasta o direito do convivente.

A Constituição de outubro/88 e a legislação ordinária reconhecem efeito jurídico na separação fática, o exemplo mais gritante é o seu reconhecimento como condição para se obter a separação judicial ou o divórcio direto.

Desta forma, se a própria Constituição reconheceu efeitos jurídicos na separação fática, nada mais justo e correto que aceitá-la como meio e forma de dissolução da sociedade conjugal. E isto tem sido feito, inclusive por nossos Tribunais, que em reiteradas jurisprudências, têm negando direito a alimentos às mulheres que estavam separadas de fato há muito tempo sem terem postulado pensão alimentícia.

Com tais decisões o nosso Judiciário acaba por minorar a rigidez da legislação civil. Por outro lado passou a distinguir de forma mais clara e precisa a concubina ou amante da companheira ou convivente e este critério foi trazido para o bojo da legislação previdenciária. No caso do Paraná a mencionada Lei Estadual 10.219/92, em seu art. 26 § 4º, estabelece que: “não será computado o tempo de coabitação simultânea no regime marital, mesmo em tetos distintos, entre o segurado e outra pessoa, desde que não se tenha verificado o fim do vínculo matrimonial“.

Para tanto é necessário que se dê reconhecimento à importância e à força da separação de fato de modo a uma vez mais realçar que a conseqüência jurídica da ruptura da vida em comum é pôr termo a sociedade conjugal e ao seu regime de bens.

Até meados do século, o apego à literalidade dos dispositivos relacionados ao Direito de Família, assim como a influência da Igreja, fazia com que ocorresse a desigualdade de tratamento jurídico entre os conviventes. É certo que, em casos de dissoluções do concubinato ocorria um enriquecimento sem causa de um dos companheiros, via de regra o homem, que ficava com todo o patrimônio adquirido com do esforço comum do casal.

Felizmente a Justiça ao lançar luzes sobre essa realidade, corrigiu esse tipo de situação aplicando-lhe os princípios da sociedade de fato, integrantes do Direito das Obrigações, até mesmo para que não se considerasse irrelevante o esforço e o trabalho dos parceiros na convivência marital.

Presentemente, a Lei Federal 9.278/96, mal interpretada pela imprensa e assodadamente criticada por “juristas de plantão”, chega a presumir a existência de esforço comum na aquisição de bens durante a convivência numa união estável, e determina, expressamente, o direito dos conviventes à meação daquele patrimônio assim adquirido.

Assim, não é incorreto concluir que se justifica aplicação, dos mesmos princípios em relação a dissolução de fato da sociedade conjugal, na medida em que, por força da ruptura da vida em comum não se poderá assegurar ao cônjuge separado de fato, direitos ao patrimônio e à tardia pensão alimentícia e, muito menos, à pensão previdenciária.

Na separação de fato, cada um dos cônjuges passa a viver sua própria vida, deixando de existir a proteção que a vida em comum oferece. Neste ponto os interesses materiais e morais, que a coabitação enseja se dividem. Cada um passa a tratar de forma particular a sua vida, restando apenas a mera existência do ato formal do casamento por seu registro, com o desaparecimento da convivência e de todas as obrigações decorrentes, como por exemplo a mútua assistência.

É certo que o casamento só se realiza e se efetiva se os cônjuges exercitam no dia a dia as virtudes e desvirtudes desta união, de modo que, subsistindo apenas a forma jurídica que recobre o casamento e estando rompidos ou ausentes todos os demais elementos deste instituto, não se pode ser indiferente a tal fato, para dizer-se, com hipocrisia e atraso social, que há um casamento apenas porque o registro persiste. Certidão de casamento não é casamento, que o digam os clérigos, juristas e sociólogos de plantão.

Modernamente não se pode sustentar juridicamente o formal em detrimento do material ou substancial. As relações de Direito de Família moderno devem ser fundadas no princípio da verdade e autenticidade, valorizando-se a convivência responsável, consciente nos fins propostos pela instituição matrimonial, relegando-se as meras fórmulas a um segundo plano.

Vê-se, pois, que para efeitos previdenciários o que deve prevalecer é a relação fática da dependência. O cônjuge que estando separado de fato e não exercita o direito a alimentos, ou que não faça jus a eles, não pode e não deve concorrer no recebimento da pensão previdenciária, na medida em que resta configurado o fato de que não depende do segurado. Por outro lado a companheira ou companheiro que comprovadamente convive ou conviveu com o segurado com animus de casamento pode e deve figurar como dependente para efeitos previdenciários devendo receber a pensão decorrente.

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