Consultor Jurídico

14 de maio de 1998, 0h00

Por Mohamed Amaro

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Os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, promulgaram, sob a proteção de Deus, a Constituição da República Federativa do Brasil, formada, por força do artigo 1°, pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal.

Subsiste, pois, o Estado Federativo, orientado por preceitos, dentre os quais, destacam-se: o princípio federal, consistente no método de dividir os poderes, de modo que os governos central e regionais ou locais sejam cada um, dentro de sua esfera, coordenados e independentes; o equilíbrio da pluralidade com a unidade; a manutenção da unidade do Estado para que a descentralização não leve à dissolução da comunidade jurídica; a Constituição surge como norma principal que tem eficácia e validade para dar suporte, também, aos ordenamentos locais; a preeminência da Constituição Federal, que, todavia, não retira a atribuição dos Estados particulares em elaborar a própria organização constitucional, bem como, ordena uma distribuição de competência que determina as relações entre a Federação e os Estados-Membros.

Dessa declinação sobressai, como característica necessária, lógica e historicamente demonstrada, da Federação, a separação de competências materiais entre a União e os Estados.

Questão fundamental, portanto, na Federação, é a da repartição da competência, desde que cada um de seus componentes tem sua órbita de ação.

Assim, no âmbito do Poder Judiciário, a Constituição da República, dentre outros princípios, na repartição da competência, estabeleceu, no artigo 96, que “compete privativamente: I – aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos; …” “II – ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: …;” ” b) a criação e a extinção de cargos … ;” “c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores; d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;” e, ainda, por força do artigo 125, “Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1° . – A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

Em verdade, a matéria relativa à repartição da competência assume excepcional relevância ao ensejo da elaboração das Constituições dos Estados-Membros, em consonância e subordinação à Constituição da República Federativa. E, obedecidos os princípios desta, como emerge do artigo 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, com poderes constituintes, elaborou a Constituição Estadual.

Vale dizer que essa Assembléia Constituinte foi o instrumento, e a Constituição, o resultado almejado. Porém, no tocante ao Poder Judiciário, dentre outras inovações, criou: um Órgão Especial (cf. art. 60); um Vice-Corregedor Geral da Justiça, para desempenhar funções, em caráter itinerante, em todo o território do Estado (cf. art. 62, §1°.); Tribunais de Alçada para serem instalados em regiões do interior do Estado, pela forma e nos termos em que dispuser a lei (cf. art. 71); determinou que cada Seção do Tribunal de Justiça será presidida por um Vice-Presidente (cf. art. 62, §1°.).

Cumpre salientar, entretanto, que, na órbita Federal, dentro do Estado, o Poder Constituinte é soberano e incondicionado, só devendo encontrar limites nos direitos fundamentais da pessoa humana. Por conter essa força é que lhe compete definir as formas de Estado e de Governo, a organização e funções do Poder, os valores culturais e políticos que influenciam ou influenciarão o destino de um país.

Esse é o Poder Constituinte originário – o Poder de elaborar Constituição nova – que se distingue dos poderes constituídos, criados pela Constituição (Legislativo, Executivo e o Judiciário); a sua fonte é a emanação direta da própria soberania, funcionando como poder político do Estado, na fase anterior a qualquer organização constitucional.

Mas, na verdade, o Poder Constituinte originário não se confunde com o Poder Constituinte instituído ou derivado ou secundário, de que é espécie o Poder Constituinte dos Estados-Membros de um Estado Federal, e, consequentemente, a Constituição do Estado. Portanto, a sua natureza é tipicamente de Direito Constitucional. E, nesse diapasão, espécie do Poder Constituinte derivado é, ainda, o Poder de emendar, de revisar ou de reformar a Lei Magna, no modo por ela previsto ou estabelecido (JARBAS MARANHÃO – Constituinte e Constituição, in Revista de Informação Legislativa – Senado Federal, vol. 99, pág. 58; AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO, in Curso de Direito Constitucional Brasileiro, pág. 106, n°, 186, ed. For., 1968). Nessa conformidade, o Poder Constituinte instituído caracteriza-se por ser derivado (provém de outro), subordinado (está abaixo do originário) e condicionado (só pode agir nas condições postas, pelas formas fixadas). Logo, o Poder Constituinte derivado só pode agir validamente no âmbito estabelecido pelo poder originário, que fixa princípios explícitos e implícitos e, mesmo, regras acabadas que devem ser por ele respeitadas (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, in “Curso de Direito Constitucional págs. 26 e 27, n°s. 12 e 13, ed. 1986).

À propósito, cabe observar que, na elaboração das Constituições estaduais, dá-se a manifestação de um poder que é normalmente tido por constituinte. Mas, o ponto comum que apresentam, o Poder Constituinte nacional e o estadual, é que ambos, ao se exercitarem, levam à elaboração de uma Constituição.

Entretanto, ressalvada essa identidade, tudo o mais são diferenças. O primeiro exerce-se sem qualquer limitação jurídica, enquanto que o segundo atua dentro de um vazio deixado por um ordenamento jurídico existente. Tira, portanto, seu fundamento de uma ordem jurídica preexistente.

Por certo, é a Constituição Federal que empresta validade às Constituições estaduais. Estas não são o último degrau da pirâmide jurídica, acima do qual apenas tem o poder de ditar o direito, poder este, contudo, colocado sobranceiramente às normas jurídicas. O Poder Constituinte estadual, ao contrário, é submetido ao direito, suscetível de ser controlado e inibido naquilo em que exceda à sua efetiva competência.

Continua…(ver EDITORIA/ARTIGOS)