O que é a Constituição?

Teoria da separação dos poderes e sua aplicação na CF

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9 de junho de 1998, 0h00

Entre as pessoas que neste país puderam ter acesso à educação é comum se ouvir que “A Constituição é a Lei Maior do país”; para alguns mais “eruditos”, ela é a “Carta Magna”. No entanto, tal entendimento é muito superficial e demonstra que a maioria das pessoas não conhece uma das maiores funções da Constituição: a limitação do poder dos “governantes”.

É de caratér quase científico, a afirmação de que o poder corrompe. Se fosse possível determinar as atitudes dos homens via ciência, certamente este tipo de atitude estaria entre as de maior probabilidade de ocorrência, lamentavelmente.

Como são características precípuas ao Homem a racionalidade e a inteligência, desde a antigüidade se buscam soluções para tão intrigante questão – a limitação do poder daqueles que legitimamente o detêm.

Não se faz necessário explicar porque o desafio era (e é), a busca da limitação do poder exercido de forma legítima, porque de outra forma, seria exercido despoticamente, de maneira que somente à força se poderia limitá-lo ou destituí-lo. O real desafio consiste na limitação do uso do poder por meios “supostamente” civilizados. Logo, devemos nos reportar à história para compreender os princípios que informam nosso atual sistema constitucional.

Antes de encontrar as soluções, faz-se necessária a análise do objeto do problema. E desta forma agiu John Locke ao analisar a estrutura do poder, tendo sido o primeiro a visualizar as diferentes funções de seu uso. Constatou que o poder é uno, mas possui diferentes faces, diferentes funções. Assim, o todo poderoso Leviatan, a figura que expressava o poder estatal, podia ser decomposta. Mas, que proveito se poderia tirar da decomposição das funções estatais?

Com base nas idéias de Locke, Montesquieu criou a tese que posteriormente veio a ser adotada por todos os Estados Constitucionais: A teoria da separação dos poderes. No intuito de preservar a liberdade dos cidadãos (objeto da separação de funções), Montesquieu atribuiu a diferentes classes, as diferentes funções estatais, quais sejam as de criar as leis sob as quais deve viver a sociedade, governar com base nestas leis e julgar aqueles que supostamente tenham violado as normas de convivência consubstanciadas nas leis, a fim de puni-los.

E por que atribuir as diferentes funções a diferentes classes sociais? É inegável que a tônica da história universal humana sempre foi – e é – a disputa para satisfação de interesses. As teorias de Marx e Engels sobre a “luta de classes” são uma reconfirmação de uma preocupação muito antiga. Então, imaginando que cada segmento social eleja seus representantes, e atribua-se a cada um destes, uma parcela do exercício do poder, estariam protegidas as liberdades dos cidadãos, na medida em que os interesses de uma classe não poderiam se sobrepor às demais, também detentoras do poder. Assim, a célebre constatação do “Poder limitando o poder”.

Então, é no interesse de garantir as liberdades individuais que se limita o uso do poder.

E, quanto mais complexa for a estrutura social, mais complexa deverá ser a estrutura jurídica, de maneira que permita a todas as diferentes estratificações sociais, nas mais distantes regiões do país, que se respeite a sua representatividade, para que todos, teoricamente, detenham parte do poder, não sendo subjugados para atender mesquinhos interesses alheios.

Sob este prisma pode se observar o Título IV da Constituição Federal, que aborda a “Organização dos Poderes”. Este Título é divido em quatro capítulos: I. Do poder legislativo; II. Do poder executivo; III. Do poder judiciário; e IV. Das funções essenciais à justiça.

Nestas disposições constitucionais ficam estabelecidas as prerrogativas de cada poder, de acordo com a função que lhe for atribuída com primordialidade, ou seja, aquela função na qual predominará sobre os outros. No intuito de exemplificar, cite-se o artigo 49 e alguns de seus incisos:

Art.49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

IX – julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo;

X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;

XI – zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes.

Nos incisos V e XI, o Poder legislativo tem suas prerrogativas primordiais protegidas face às prerrogativas legislativas do Poder Executivo. Nos incisos IX e X, a Constituição estabelece limites ao poder de governar do Executivo, atendendo ao sistema de freios e contrapesos, o chamado checks and balances. E é seguindo este espírito que a Constituição define as competências de cada poder, para que cada um deles proteja seus interesses e fiscalize as atividades dos demais.

Em sendo a Constituição a fonte de validade de todas as demais normas, estas lhe devem obediência, sob pena de serem consideradas “inconstitucionais” e perderem sua vigência e eficácia, pelo menos no caso concreto, quando não puder ser utilizado o controle de constitucionalidade concentrado, nas chamadas Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

Então, a Constituição é o limitador do uso do Poder na medida em que entrega diferentes parcelas do mesmo a diferentes sujeitos, legitimamente empossados (seja pela via eleitoral, seja por concursos públicos em conformidade com a legislação, de modo a prezar pela idoneidade da investidura em cargos públicos), para que lutem por seus interesses, limitando-se uns aos outros, garantindo ao Cidadão o fruir de suas liberdades constitucionalmente garantidas.

Infelizmente, existe hoje uma série de mecanismos para “descumprimento” das determinações e princípios constitucionais, como as medidas provisórias e suas inconstitucionais reedições, mas isso já é outra história…

Resumindo: Constituição, em uma de suas mais importantes acepções, é o meio (limitador do uso do poder legítimo) através do qual se busca, como fim, resguardar as liberdades individuais.

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