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Uma Introdução ao Estudo do Constitucionalismo.

21 de julho de 1998, 0h00

Por Maria Elisa Gay da Fonseca Allgayer

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INTRODUÇÃO AO CONSTITUCIONALISMO

“Se indagarmos em que consiste precisamente o maior de todos os bens, que ele deve ser o fim de qualquer sistema de legislação, chegaremos à conclusão de que ele se reduz a estes dois objetivos principais: a liberdade e a igualdade. A liberdade porque toda dependência particular é igualmente força tirada ao corpo do Estado; a igualdade, porque a liberdade não pode subsistir sem ela”. J.J. ROUSSEAU

Uma análise que parta para avaliar o que há de peculiar nesse final de milênio, apanha a humanidade em um momento interessante: Talvez nunca, em nenhum estágio da história, tantos países tenham conseguido se organizar, seguindo os pressupostos mínimos do Estado Democrático, nem tantas comunidades tenham sido beneficiadas pelo que representa o Constitucionalismo, como garantia de direitos individuais e de liberdades públicas, como o momento em que estamos vivendo.

Há muitos exemplos que poderiam ser citados para indicar este estágio histórico da humanidade. Ressalte-se, neste sentido, o desmoronamento do regime socialista real, que dominou a maior parte da Europa, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e os países da ex-União Soviética, durante um período superior a setenta anos. Também é interessante, deste ponto de vista, o desaparecimento das ditaduras militares que se instalaram em praticamente todos os Países da América do Sul, a partir dos anos sessenta.

Em seguimento, destaque-se a superação de situações antagônicas em Países do Oriente Médio, da Ásia, da África, como o problema palestino de um povo sem Estado, o “apartheid” e as ditaduras de partidos ou de pessoas que vieram perdurando por alguns decênios. Indiscutivelmente, nunca tantos viveram sob a proteção de um sistema constitucional, que de algum modo, expressa a vontade da maioria. Isso se exprime no fato de que, para o homem comum, a Constituição deixa de ser apenas uma abstração, ao contrário, adquire condições palpáveis.

Com efeito, o aumento das liberdades públicas e da consciência em torno dos direitos e garantias individuais adquiriram, a partir dos eventos citados, um impulso extraordinário. Certamente não estaremos exagerando se afirmarmos que o Constitucionalismo universal conseguiu ampliar a abrangência de seus postulados sobre um inusitado panorama da geografia humana, passando, assim, a ser assunto de interesse imediato para um número cada vez maior de Nações, inclusive a brasileira

Aliás o exemplo de nosso País é interessante. O Brasil viveu vinte longos anos de Regime Militar autoritário, em que a vontade de pequenos grupos conseguiu impedir a manifestação de grandes maiorias. Foi imposto um sistema centralizador de decisões, pela utilização de verdadeiros simulacros de Constituições, no intuito de empurrar as concepções de “ordem e progresso”. Agora, pelo menos no texto constitucional vigente, já respiramos um ar de liberdade ampla, com um crescente respeito aos direitos do homem, incluindo indiscutíveis garantias para o cumprimento da Lei. Tudo isso baseado em regime constitucional democrático, já que a Carta atual emana de uma Assembléia Nacional, eleita pelos cidadãos. Por mais que se possa acusá-la de imperfeições, essa Carta garante -como nenhuma outra que a precedeu- as regras sobre as relações entre o Estado e o indivíduo e os direitos deste com relação ao Estado e aos demais indivíduos.

Estas constatações indicam a importância da Constituição para pessoas que em tempos anteriores, nunca haviam sequer prestado atenção ao significado desse termo, para a sociedade como um todo e para si próprias. Daí o motivo pelo qual o acesso ao conhecimento relacionado a Constituição indica a necessidade de ampliar as possibilidades de se chegar à compreensão do Constitucionalismo e do que ele representa como doutrina política.

Com efeito, se o cidadão é um indivíduo prestante, cônscio de seus deveres e dos seus direitos em relação ao grupo coletivo a que pertence, e se desejar levar às conseqüências mais amplas a sua participação no progresso da sociedade, a ele deve ser facilitado o acesso a conhecimentos mais profundos sobre a fundamentação da lei Maior.

Leciona José Alfredo de Oliveira BARACHO (Revista de informação legislativa, p.06):

O desenvolvimento do constitucionalismo, pelos estudos de suas manifestações doutrinárias e experiências institucionais implementadas, mostra o lugar que a Constituição ocupa. A relação com as doutrinas e ideologias que se manifestam na fixação do ‘Estado Constitucional’, no ‘Regime Constitucional’, no Estado Liberal, no Estado de Direito e no estado Social de Direito, fornece-nos elementos essenciais da evolução do Constitucionalismo.

Após essa breves colocações, ficam algumas idéias acerca do que representa e o que representará o Constitucionalismo para a humanidade. É verdade que, ao longo da história, constata-se uma grande evolução no pensamento do homem, no que tange aos assuntos aqui abordados. Creio, no entanto, que ainda temos uma longa jornada a percorrer. Apesar de varrido o despotismo de grande parte das regiões do mundo e também do fato de praticamente a maioria das nações viverem sob a égide de um governo democrático, com instituições populares, há que se intensificar a batalha para que toda essa programação adquira um cunho de exequibilidade.

Na concepção do Constitucionalismo Latino, vislumbramos Cartas programáticas, ou seja, mandamentos que objetivam o horizonte das conquistas a serem alcançadas pela sociedade sempre alicerçados nas liberdades do cidadão e nas garantias das mesmas.

O caso brasileiro não foge a essa realidade. Assim ocorreu com as Constituições que antecederam a atual e, pode-se dizer, continua ocorrendo. A carta de 1988 apresenta um conteúdo amplamente voltado à justiça social, à elevação dos padrões de

desenvolvimento da sociedade, enfim, à igualdade e dignidade dos cidadãos. Em virtude desse conteúdo, chega-se a imaginar que possuímos uma Constituição irreal, beirando a utopia. Entendo, porém, que não se pode esquecer que é exatamente a partir de um planejamento que conseguimos transferir as idéias para o plano da realidade.

Se tomarmos como exemplo o art. 5§da Constituição brasileira de 1988, chegaremos à conclusão de que ao lado de inovações concretas – como a maior penalização do racismo (Inciso XLII) – ou de aperfeiçoamentos processuais – como o Habeas-Data (Inciso LXIX), o mandado de segurança coletivo (Inciso LXX) e o mandado de injunção (Inciso LXXI)- ainda temos por serem atingidos princípios gerais como os velhos objetivos liberais do “Todos são iguais perante a Lei”, “A propriedade atenderá sua função social” ou “Garante-se inviolabilidade do direito à vida”, etc.

O desafio que se apresenta à humanidade continua sendo o da busca incansável dos princípios que estão no fundo de cada um de nós, e que a corrente jusnaturalista tem insistido em trazer para a realidade palpável. É importante, por isso, que a expressão maior do pacto que une as sociedades – a Constituição- não perca jamais de vista esses valores, por mais distantes que eles continuem a estar. Não se admitiria que, em virtude da dificuldade de atingí-los, fossem desprezados e alijados dos textos constitucionais.

Diante dessas considerações, retomamos a idéia da epígrafe desse texto. O pensador ROUSSEAU pões luzes sobre dois dos valores individuais e sociais- Liberdade e Igualdade- que continuarão sendo perseguidos enquanto o homem for homem e a humanidade existir sobre a terra.

MARIA ELISA GAY DA FONSECA ALLGAYER

ADVOGADA