Um mundo xenófobo

Xenofobia: controle de estrangeiros nos países

Autor

26 de janeiro de 1998, 23h00

O Brasil é tradicionalmente um país de acolhida de estrangeiros, embora muitas vezes não sejamos bem recebidos no exterior. A Lei n.º 6.850, de 19 de agosto de 1980, com as alterações da Lei n.º 6.964, de 09 de dezembro de 1981, estabelece em seu artigo 1º que: “Em tempo de paz, qualquer estrangeiro poderá, satisfeitas as condições desta Lei, entrar e permanecer no Brasil e dele sair, resguardos os interesses nacionais”.

A legislação brasileira vai ainda mais longe, consagra em sua Lei Maior (art. 5º) que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…” e, a seguir, elenca 77 incisos e dois parágrafos.

Todavia, o recente endurecimento da fiscalização e controle de ingresso de estrangeiros tem transbordado em xenofobia em muitos países. Na África do Sul, há mais de 100 anos que trabalhadores migrantes, vindos principalmente do Zaire, Ruanda, Somália, Etiópia, Libéria, Lesotho, Zimbabwe, Moçambique e até da ex-Ioguslávia procuram refúgio de seus países dilacerados pela guerra, em busca de menos sofrimento e um pouco de comida.

O fluxo de imigrantes aumentou após o desencarceramento de Nelson Mandela e o fim do apartheid. Entretanto, a presença, cada vez mais visível de estrangeiros na África do Sul tem provocado algumas reações negativas por parte da população local, que vê nos recém-chegados uma concorrência desleal em relação aos escassos empregos, oportunidades educativas e serviços sociais existentes. Tendo lutado contra o Estado do apartheid e abolido aquele regime, frequentemente com enormes custos pessoais, muitos sul-africanos encontram-se agora relutantes em partilhar os frutos da sua luta com pessoas de outros países.

Por outra parte, alguns líderes de comunidades e políticos têm manifestado publicamente sentimentos racistas e xenófobos. Resultado, muitos estrangeiros são violentamente expulsos de seus casebres e assassinados. Ironicamente, o líder da campanha de “limpeza da área” é um ex-refugiado, que durante o regime de apartheid, encontrava-se entre os milhares de exilados sul-africanos que regressaram ao país com a assistência do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados em 1993.

Relativamente aos curdos, que formam um dos maiores grupos étnicos apátridas do mundo, a situação também é bem complicada. O êxodo decorre da guerra no sudeste da Turquia, que já dura 13 anos (entre separatistas e o Exército turco) e da luta no norte do Iraque. Em sua fuga, ingressam no território italiano, com oito mil quilômetros de costas no Mediterrâneo, viajam deste país para a França, de onde penetram pelo sul da Alemanha.

No dia 8 de janeiro, chefes de polícia da Turquia e de sete nações européias se reuniram em Roma para coordenar os esforços no sentido de reforçar a vigilância das fronteiras e restringir a imigração de curdos turcos. A reunião foi organizada a pedido da Alemanha, onde há quase meio milhão de curdos.

Nisso tudo, existe um aspecto grotesco do direito internacional. Existem diversos tratados regulando a questão dos refugiados. Apenas para citar aqueles celebrados no âmbito das Nações Unidas: Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951; Protocolo de Nova Iorque, de 31 de janeiro de 1967, adicional à Convenção de 1951; Estatuto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. No âmbito regional há instrumentos jurídicos na África, na América e na Europa, sendo o último documento europeu datado de 13 de março de 1996.

Entretanto, existe a distinção entre “refugiado” e “imigrante econômico”. Os primeiros poderiam entrar, com essa condição, em territórios europeus; os segundos, devem dar meia volta e bater em outra porta, mas todas elas estão fechadas.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados elogiou a decisão da Itália de aceitar pedidos de asilo dos curdos. Entretanto, desde outubro de 1997, a Itália integra o acordo de Schengen, assinado em 14 de junho de 1985 pelos governos dos Estados da União Econômica Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo), República Federal da Alemanha e República Francesa, relativo à supressão gradual do controle nas fronteiras comuns. O acordo não será cumprido com o recrudescimento do controle de fronteiras pela França e Alemanha, dois de seus signatários originários. Cumpri-lo, significará opor-se às convenções da ONU. É uma situação complicada em todos os sentidos, inclusive para os estudiosos do direito internacional público.

Após essa pequena digressão, permito-me explicar porque iniciei este artigo com o Brasil. Nosso país, mais Argentina e Paraguai assinaram a ata de Foz do Iguaçu, relativo ao controle de fronteiras. Acontece que o ministro do Interior da Argentina, Carlos Corach, em jornais argentinos, tem cobrado empenho das polícias brasileira e paraguaia neste sentido. Em 26 de janeiro, o diretor-geral da Polícia Federal, Vicente Chelotti, esteve em Foz do Iguaçu para acompanhar a operação de controle de estrangeiros irregulares. Entretanto negou o diretor-geral que o aumento do rigor na fiscalização a estrangeiros se deva à pressão da Argentina. Segundo Chelotti, apenas existe um apelo desse país para se aumentar o controle.

Controle é necessário, mas devemos sobretudo evitar que excessos resultem em xenofobia. Não acredito que o Brasil venha a se tornar xenófobo. Todavia, cautela e caldo de galinha nunca fazem mal.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!