O Juízo Arbitral

O artigo fala sobre as mudanças introduzidas no nosso ordenamento jurí

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19 de janeiro de 1998, 23h00

O Juízo Arbitral após o advento da Lei nº 9.307/96.

Daniella Simonetti Meira Pires

Aluna do 8º período do Curso de Direito UFRN

Sumário: I – Considerações preliminares; II – Breve Histórico; III – Cláusula Compromissória e Compromisso Arbitral; IV – A figura do Árbitro e a Sentença Arbitral; V – Conclusão.

I – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O acesso à Justiça, no Brasil, esbarra há muito tempo, na lentidão pela qual se desenrola o processo judicial.

As causas a dificultar um bom desempenho da atividade jurisdicional do Estado são as mais diversas possíveis. O excesso de burocracia, por exemplo, entrava e prejudica os interesses das partes, ansiosas por ver a sentença decisória do seu caso.

Não que estejamos parados. A recente reforma no Código de Processo Civil e a criação dos Juizados Especiais foram (e são) provas vivas de que estamos buscando, de alguma forma, “desafogar” o Judiciário.

Porém, não bastou.

Foram medidas inovadoras mas insuficientes para frear a entrada de processos nos órgãos do judiciário, bem como para promover uma agilização no trâmite dos processos. Não é admissível que hoje, com a informática no mercado, a internet, os cartórios ainda se utilizem de fichas preenchidas manualmente com o andamento processual.

Esses problemas sempre existiram, sabemos, mas agora alcançaram proporções alarmantes, de forma que o próprio Estado não está mais conseguindo responder satisfatoriamente às necessidades da sociedade, que é de ver solucionado seus conflitos de forma célere e justa.

Esperar seria protelar e alargar o problema que já não se encontra em pequenas proporções.

A globalização da economia, as constantes e velozes mudanças pelas quais passa a economia mundial, dia após dia, não se coaduna com essa Justiça que temos, onde os procedimentos complexos, o formalismo exacerbado e um quadro de servidores desestimulados é a regra. “Fica à mostra o descompasso entre a burocracia estatal que emperra a prestação jurisdicional e as exigências da chamada sociedade pós-moderna, que caminha num ritmo desenvolvimentista alucinante”(FILHO, Demócrito)

É nesse iter que em 24 de setembro de 1996 é publicada a Lei nº 9.307, também conhecida como “Lei Marco Maciel”, que regulou o juízo arbitral. E é sobre esse Instituto que nos propomos agora a tecer algumas considerações.

II – BREVE HISTÓRICO

Desde a época da colonização portuguesa que se tem notícia da presença do Instituto da arbitragem no nosso país.

O Decreto nº 737 de 1850 já versava sobre o juízo arbitral, quando previa a solução, por meio da arbitragem, de conflitos entre comerciantes; em alguns casos até mesmo de forma obrigatória. Incluído depois no Código Comercial no mesmo ano.

Em 1866, com a Lei 1.350 restou por ficar revogada a arbitragem obrigatória, conquanto sabemos que a própria natureza do instituto arbitral não suporta essa imposição.

O Código Civil de 1916 incluiu em seu dispositivo a arbitragem, mas em modo algum inovou. Da mesma forma os Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973 (hoje ainda em vigor), alteraram muito timidamente o procedimento sem mexer na substância do Instituto.

Só na última década três foram os projetos de Lei apresentados com o intutito de reformular ou aperfeiçoar o Juízo Arbitral no Brasil. Em 9 de maio de 1996 o Presidente da República promulgou a convenção Interamericana sobre Arbitragem.

Mas, foi sem dúvida, a Lei 9.307/96 que introduziu mudanças no tratamento da arbitragem no Brasil, como forma de torná-lo mais apto e eficaz para atender as necessidades preementes da sociedade, que urge por soluções mais céleres aos seus conflitos.

III – CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E COMPROMISSO ARBITRAL

Através da cláusula compromissória as partes manifestam a vontade no sentido de ver algum conflito, que porventura advenha da relação contratual firmada, submetido a um juízo arbitral.

Baseando-se no princípio da autonomia da vontade, as partes convencionam essa forma de solução de conflitos extrajudicialmente. “A cláusula compromissória cria apenas obrigação de fazer, caracterizando-se como pacto preliminar cujo objeto é a realização do compromisso arbitral futuro” (FILHO, Demócrito).

O compromisso arbitral, por sua vez, é a convenção firmada no intuito de resolver conflito já existente. Acordarão as partes acerca das regras, as quais se submeterão. Se, por exemplo, a arbitragem será de direito ou de equidade, se o juízo arbitral será ad hoc ou institucionalizado (1), entre outras.

Assim sendo o juízo arbitral pode ser, pelas partes interessadas, instituído por qualquer convenção de arbitragem, “assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º)”.

Inexistia, todavia, no ordenamento jurídico brasileiro, até o advento dessa nova lei, qualquer distinção entre esses dois institutos. Era, pois, difícil vislumbrar eficácia em uma cláusula arbitral, já que o Código de Processo Civil instituía o compromisso arbitral como condição essencial à validade da arbitragem. Dessa forma a validade da cláusula ficava condicionada ao subsequente compromisso.


A maior parte dos países adeptos ao juízo arbitral não faz essa distinção, o que significava um grande entrave a uma maior procura pela arbitragem no Brasil.

A Lei 9.307/96, resolveu essa questão possibilitando até mesmo o acesso ao judiciário para que fosse determinado o cumprimento da obrigação de fazer decorrente da cláusula de arbitragem instituída contratualmente, ressalvados os casos de nulidade também previstos na lei.

Se as partes acordaram validamente pela utilização da arbitragem, não seria coerente que por manifestação unilateral de vontade essa convenção pudesse ser desfeita. Onde ficaria o princípio do Pacta Sunt Servanda ?

Mister, entretanto, se faz destacar que nem sempre nos contratos as cláusulas resultam de uma livre negociação entre as partes. Os contratos de adesão, bastante comuns na economia moderna, são um grande exemplo. Neles vislumbramos a desigualdade de condições dos contratantes no tocante à definição do conteúdo do contrato.

Nessa espécie de contrato a lei, sabiamente, em seu Art. 4º §2º, vinculou a eficácia da cláusula compromissória à inclusão por iniciativa do aderente ou seu consentimento expresso e por escrito. Nem mesmo o fato dessa cláusula ter sido colocada em destaque, em outra cor, é suficiente para obrigar o aderente.

Se permitíssemos a inclusão sem distinção da cláusula compromissória nos contratos de adesão estaríamos afastando um grande número de demandas da apreciação pelo judiciário e assim, ferindo o princípio constitucional no qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, CF), pois na realidade a instituição da arbitragem, nessa espécie contratual, não resultaria de uma livre negociação.

Assim sendo, sustentamos que o art. 51, VII do Código de Defesa do Consumidor (2) não está revogado. Entretanto não mais pode ser usado indistintamente, já que a lei, conforme acima nos referimos, disciplinou casos de validade da cláusula compromissória ainda que nos contratos de adesão. “A lei mais moderna, por abrir exceção ao monopólio estatal da justiça, deve ser interpretada restritamente” (ETCHEVERRY, Carlos).

IV – A FIGURA DO ÁRBITRO E A SENTENÇA ARBITRAL

Cumpre-nos ainda, tecer algumas considerações acerca dos árbitros, “juízes de direito e de fato” (art. 18), responsáveis de proferir a sentença no âmbito da arbitragem.

A quantidade de árbitros será definida pelas partes que quando optarem por mais de um deverão escolher um número ímpar, para garantir sempre o resultado definitivo. Todos devem ser capazes e gozar de confiança das partes, as quais serão responsáveis pelo pagamento de seus honorários.

À pessoa do árbitro está confiado o poder de dirimir o conflito lhes apresentado proferindo sentença, assunto que trataremos logo adiante.

Conquanto estejam exercendo atividade até pouco tempo eminentemente estatal, os árbitros, assim como os juízes togados, estão sujeitos a impedimento e suspeição, como forma garantidora de sua imparcialidade. Eles não são funcionários públicos mas estão equiparados a estes para efeitos penais, quando no exercício da arbitragem.

Já deve ter dado para perceber que me referi à sentença e não laudo, como seria o correto antes da nova lei de arbitragem. Pois, outra mudança trazida pela Lei 9.307/96 no campo da arbitragem, foi a introdução da expressão “sentença arbitral”.

O laudo arbitral que existia anteriormente necessitava da homologação do Judiciário para surtir efeito. Hoje a decisão tomada no juízo arbitral é sentença podendo a execução desta ser feita de forma imediata.

Essa obrigatoriedade de homologar o laudo arbitral para que ele pudesse produzir os efeitos da sentença criava problemas quando por exemplo derivava de arbitragem internacional.

Sabe-se que as sentenças estrangeiras para serem executadas aqui no Brasil necessitam de homologação por parte do Supremo Tribunal Federal (3). Em assim sendo teríamos uma dupla homologação. Mas a questão surgia nos casos de no país de origem da sentença arbitral inexistir a prática de homologação pelo Judiciário. Não teríamos então como submetê-la à homologação no Supremo e por via de consequência impossível seria executá-la.

Com a atual equiparação do resultado do julgamento arbitral a uma sentença esse problema restou-se resolvido. O Supremo, hoje, pode ser imediatamente convocado para homologar sentença arbitral produzida no estrangeiro, independente da prática utilizada no país.

Apesar da pessoa do árbitro não ser investida de competência jurisdicional, a sentença arbitral da mesma forma que as demais, proferidas com julgamento do mérito, faz coisa julgada tanto formal quanto material. A irrecorribilidade da sentança arbitral também foi novidade introduzida pela Lei 9.307/96.


O não cabimento de recurso, entretanto, não é absoluto porquanto é possibilitado a intervenção do Judiciário via Ação anulatória ou de Embargos do devedor, nos casos expressamente previstos na lei – art. 32.

Conforme se pode vislumbrar não há qualquer violação dos princípios da ampla defesa e do acesso ao judiciário, como alguns insistem em considerar. “(…) A irrecorribilidade da sentença arbitral não viola o princípio da ampla defesa (….) A sentença arbitral tem efeito, força de coisa julgada entre as partes. A arbitragem é instituto de natureza contratual e as partes, que livremente e de comum acordo, instituírem o Juízo Arbitral, não podem romper o que foi pactuado” (trecho do parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Feral. In: Paulo Furtado). Além do que, utilizando-se da ação apropriada pode ainda, a parte prejudicada, ir à juízo.

O que não se poderia fazer era considerar como sentença a decisão tomada na órbita do juízo arbitral e ao mesmo tempo possibilitar o reexame da causa todas as vezes pelo Judiciário. De nada resolveria o problema do “congestionamento” deste poder, uma vez que sempre o vencido iria se valer dessa prerrogativa nem que fosse apenas para retardar sua execução.

V – CONCLUSÃO

Há quase um ano que a Lei nº 9.307 (a lei foi publicada em 24 de setembro de 1996 para entrar em vigor 60 dias após) entrou em vigor e ainda tímidos são os reflexos desse novo diploma legal no sistema jurídico nacional.

Mas temos que vencer essa resistência para que possamos avançar historicamente, apesar de sabermos que o instituto da arbitragem não é recente, muito pelo contrário, prescindiu a solução jurisdicionalizada do Estado.

As vantagens que vislumbramos nos parecem bastante razoáveis para que aceitemos de uma vez por todas essa forma paraestatal de composição da lide (TEIXEIRA, Sálvio). Ela possui amparo legal tal como a composição estatal dos litígios sem necessitar da utilização de toda aquela burocracia característica do Judiciário, posto que delegado a um particular é a função de proferir a decisão final.

O Juízo Arbitral é célere; não tem o caráter de publicidade que tem as decisões emanadas do Judiciário, o que facilita por demais uma conciliação das partes; faculta as partes a escolha dos árbitros – juízes no âmbito da arbitragem – de confiança destas, o que gera mais segurança, pois diferentemente dos juizes togados os árbitros podem ser técnicos em relação à matéria litigiosa; e ainda por não caber recurso da decisão proferida, sua execução se dará imediatamente.

Como se vê, o Juízo arbitral, com a roupagem dada por essa nova lei, veio para oferecer à sociedade uma forma alternativa de solução de litígios, sob o respaldo e as garantias da lei. O que é plenamente possível em virtude da disponibilidade dos direitos sobre os quais podem seu levados a discussão no campo da arbitragem, quais sejam os de natureza patrimonial privada.

Portanto, nos cabe apoiar o instituto do Juízo Arbitral que “retoma força e passa a ser verdadeiro respiradouro da jurisdição estatal”(TEIXEIRA, Sálvio).

Implantar o novo é bastante difícil e requer tempo. Há séculos que convivemos com o monopólio estatal de composição dos conflitos e não é de uma hora para outra que a mentalidade mudará. Mas a simples insatisfação com o sistema burocrático e ineficiente que temos de nada adianta se não tomarmos posições no sentido de mudança.

NOTAS:

(1) No juízo arbitral ad hoc as partes escolhem a pessoa de confiança para atuar como árbitro; no institucionalizado elas se utilizam de uma instituição especializada em arbitragem.

(2) Art. 51. São nula de pleno direito entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…) VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem

(3) Note-se que a competência do STF na Constituição Federal não inclui especificamente a homologação de sentenças arbitrais estrangeiras o que ocorre meramente por força da tradição. O Art. 102, I “h”, fala de sentenças estrangeiras sem referência especial as sentenças advindas da arbitragem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASSO, Maristela. Lei nova revitaliza a arbitragem no Brasil como método alternativo-extrajudicial de solução de conflitos e interesses. Revista dos Tribunais, São Paulo – SP, ano 85, nº 733, p. 11 – 23, nov. 1996.

BRASIL. Lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. DOU, Brasília – DF 24 de setembro de 1996.

ETCHEVERRY, Carlos Alberto. A nova Lei de Arbitragem e os contratos de adesão – Algumas considerações. In: http://www.teiajuridica.com/arbitral.htm.

FURTADO, Paulo. Arbitragem: Aspectos jurídicos e econômicos. Revista Consulex, Brasilia – DF, nº 4, p. 46, abr. 1997.

MACHADO, Luís Melíbio Uiaçaba. Juízo Arbitral – Comentários sobre a Lei nº 9.307/96. In: http://www.ufrgs.br/mestredir/artigos/arbitro.htm

REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. A Cláusula Compromissória de Arbitragem nos Contratos de Adesão. In: http://www.elogica.com.br/users/laguimar/arbadesao.htm.

REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. A Arbitragem como forma alternativa de solução de conflitos. In: http://www.teiajuridica.com/arbitra.htm.

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A arbitragem no sistema jurídico brasileiro. LEX, Brasília – DF, nº 223, p. 5 – 17, jul. 1997.

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