Mercosul e casa de marimbondos

União Européia e sua aproximação com o Mercosul

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7 de janeiro de 1998, 23h00

A relação do Mercosul com a Alca e com os Estados Unidos da América assemelha-se, de certo modo, ao grande que sabe que é grande (Estados Unidos) e ao médio que age como pequeno pensando ser grande (Mercosul). Algumas vitaminas diplomáticas devem ser tomadas para evitar que passemos a sofrer de nanismo institucional e cheguemos ao final do século como anões.

Está certo que o bloco é considerado o quarto maior do mundo, em termos de produto interno bruto, mas morre muito longe da praia se comparado ao Nafta e a União Européia. E é exatamente sobre a União Européia e sua aproximação com o Mercosul que pretendo escrever essas linhas.

Durante a Cúpula Presidencial de 15 de dezembro de 1997, em Montevidéu, foi emitido um Comunicado Conjunto dos Presidentes dos Países do Mercosul. Alguns avanços foram conseguidos, como a aprovação do Protocolo de Montevidéu sobre o Comércio de Serviços no Mercosul, que amplia o âmbito de funcionamento da União Aduaneira, mediante um mecanismo para a liberação progressiva do comércio de serviços, em um prazo de 10 anos, como um passo a mais para alcançar o objetivo da livre circulação de bens, serviços e fatores de produção, conforme assinalado no Tratado de Assunção e a incorporação plena da República do Chile, a partir dessa data, à estrutura institucional do Mercosul, segundo o disposto pela Decisão n.º 12/97 ditada pelo Conselho do Mercado Comum.

Entretanto, comecei a matutar a respeito de quatro itens do Comunicado (itens n.ºs 28, 29, 30 e 33), pois poderão cutucar a onça com a vara curta.

No item n.º 29, os presidentes declararam que reconheciam os avanços realizados durante as reuniões com a União Européia, levadas a cabo em novembro do ano passado, e que tiveram curso em Punta del Este, com o qual se deu um passo adiante na direção da associação interregional prevista no Acordo-Marco firmado na cidade de Madrid, em dezembrro de 1995.

No item 30 manifestaram seu agrado pela cooperação com a União Européia, em especial o Acordo de Cooperação Estatística Mercosul-UE, que permitirá harmonizar metodologias e interconectar as bases de dados Eurostat com os Centros de Estatísticas do Mercosul.

No item 33 expressaram a satisfação pelo aprofundamento do diálogo do Mercosul com outros interlocutores extrarregionais, como Japão e China, dentre outros.

Neste ponto, estremeci. Quem conhece meus livros e artigos deve estar familiarizado com os problemas que resultaram na divergência Estados Unidos x União Européia. Estados Unidos, atravessando problemas estruturais graves, lançou-se desesperadamente na conquista de mercados latino-americanos, seu tradicional quintal. A Comunidade Econômica Européia também, em 1992. Após o Tratado de Maastricht, já como Comunidade Européia (sem o “Econômica”) firmou um acordo em 1995 e tem enviado constantemente delegações para os países do Mercosul. A perspectiva de intercâmbio comercial com a União Européia para o próximo milênio é grande e crescente, ao passo que com os Estados Unidos é decrescente, conforme projeções e estudos realizados na área de comércio exterior.

Afirmar categoricamente que o namoro com a União Européia já tem anel de compromisso (se é que isso ainda é utilizado), como atesta na reunião de cúpula a presença do vice-presidente da Comissão da União Européia, Manuel Marín, é dar “bandeira” de que a Alca realmente não é do agrado dos países do Mercosul.

Aliás, o item 28 não poderia ser mais reticente, quando afirma a importância da participação construtiva do Mercosul no processo de integração hemisférica e expressa sua convicção de que a IV Reunião de Ministros Responsáveis pelo Comércio das Américas, a realizar-se dia 20 de março de 1998, em San José da Costa Rica, concretizará novos avanços com vistas a preparar a Cúpula Hemisférica que se celebrará em Santiago do Chile em abril de 1998.

Essa declaração não significa rigorosamente nada, apenas descreve um fato objetivo, a reunião ministerial e sua importância para a II Reunião Presidencial (a primeira foi em Miami em 1994). Sob a ótica subjetiva, o Mercosul deixa claro que gostaria de participar de maneira mais construtiva e sabe que a divergência de posições com Estados Unidos é insuperável, a não ser que um dos dois ceda (quem seria?).

Sinalizar tão claramente sua aproximação com o Japão (que detém importantes créditos em relação aos Estados Unidos) e China, com todos os aspectos e considerações de caráter político, econômico e ideológico que a envolvem também tem a força de um tapa. A Alca, em que Bill Clinton tenta de todas as maneiras obter o fast track do congresso e que não interessa no momento para a maioria dos países latinos (ver “Por que nossas vidas mudarão em 1998 – A Alca e o futuro dos povos da América”, prof. Armando Alvares Garcia Júnior, Editora Jurídica Brasileira; 1998) está preterida, na medida do possível, o que, na realidade, não é possível.

Por tudo isso, poderia alguém imaginar que o Mercosul é poderoso e sua coesão é bárbara. Que nada, embora tenha se comportado bem, de forma coesa, na reunião ministerial preparatória para a Alca, em Belo Horizonte, e nas reuniões vice-ministeriais de Costa Rica, quando é para ordenar seu relacionamento doméstico, erram feio, xingam e perdem a classe. Fora de casa agem bem, ao menos andam de braços dados e não pisam nos respectivos calos.

Prova disso foi o tremendo fiasco da reunião de dezembro de 1997, intitulada primeiro foro de “MÁXIMAS” autoridades regionais do Mercosul, na cidade de Salto, no Uruguai. Mais “MÍNIMO” não poderia ser: as autoridades brasileiras e argentinas não compareceram ou compareceram e se retiraram na primeira jornada. O próprio e inconformado governador do departamento de San Pedro do Paraguai, Erico Ibáñez Ramírez agregou que a ele o haviam chamado minutos antes de sua intervenção – uma das únicas – porque havia uma manifestação em frente à casa do governo de seu departamento, reclamando sua presença frente aos problemas climáticos que enfrentam em virtude do fenômeno “El Niño”. Julio María Sanguinetti, presidente da República Oriental do Uruguai e Enrique Iglesias, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento estavam lá, e foi exatamente esse último quem tomou a palavra para minimizar as declarações de Erico Ibáñez. Eduardo Malaquina Ugolini, intendente de Salto, que organizou o foro denominado de “MÁXIMAS”, provavelmente não se sentirá empolgado com a idéia de repetir o evento.

Esperamos melhores perspectivas para 1998, e que a criança cresça forte, saudável e amadureça, pois está em um mundo de adultos grandes e fortes. Um feliz ano para todos e que DEUS nos abençoe.

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