Imposto

Uma abordagem jurídica

Autor

26 de fevereiro de 1998, 23h00

continuação

3 – UMA ABORDAGEM JURÍDICA:

O artigo 225 e seus parágrafos, da Constituição da República Federativa do Brasil, estabelece princípios de respeito ao meio ambiente, determinando controle e penalizações sobre condutas e atividades lesivas à natureza e ambiência. Paralelamente, existe legislação federal que normatiza juridicamente as questões relativas à proteção do ecossistema e do ambiente. Há, também, legislações estaduais e municipais acerca do assunto, com eficácia dentro de suas respectivas competências.

O doutrinador Toshio Mukai, reforçando-se nos juristas Michel Prieur, Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Sérgio Ferraz, entende o Direito Ambiental como um conjunto de regras jurídicas relativas à proteção da natureza e ao combate às poluições, sendo ele um Direito “horizontal” que cobre os diferentes ramos do Direito (privado, público e internacional), e um Direito de “integração”, que tende a penetrar em todos os setores do Direto para neles introduzir a idéia ambiental.

Isto posto, chama a atenção do observador mais atento o fato de que, sendo o Direito Ambiental um Direito que transpassa os demais Direitos, praticamente não mantenha um contato mais íntimo com o Direito Tributário. Isto porque, sendo a tributação um fenômeno ligado umbilicalmente na sociedade moderna, com atuação básica sobre fatos econômicos, sua conduta deveria encontrar-se de acordo com princípios básicos estabelecidos pelo Direito Ambiental.

Um análise epidérmica de nossa Carta Maior constata que em seu art. 170, que trata da atividade da ordem econômica, são consagrados, dentre outros, os princípios da propriedade privada, função social da propriedade, defesa do consumidor e do meio ambiente. De outro lado, o art. 225 reza acerca da proteção do meio ambiente.

No entanto, em que pese a exigência constitucional de respeito pelo meio ambiente, a atividade empresarial, em grande escala, desconsidera os efeitos nocivos de determinadas ações. Não existe, pelo lado das empresas, preocupação com a questão de exploração indiscriminadados recursos naturais não-renováveis brasileiros, nem tampouco com o desequilíbrio do ecossistema.

O especialista em Direito Ambiental, dr. Paulo Affonso Leme Machado, enfatiza que a poluição que prejudica os seres humanos, de um modo persistente e cumulativo, como também a natureza, não pode ser encarada com um inconveniente normal mas anormal na relação de vizinhança. Lamentavelmente, no Brasil, em nome da liberdade e da competitividade de mercado, tem-se perpretado crimes hediondos contra a natureza e o próprio homem.

Os países do chamado mundo desenvolvido, onde o capitalismo também está assentado, controlam rigorosamente seu meio ambiente e suas reservas naturais estratégicas. Aqui, existe uma frouxidão incompreensível do Poder Público no combate à degradação ambiental, apesar de significativa quantidade de leis reguladoras do assunto.

É pertinente observar que a livre iniciativa não pressupõe irresponsabilidade por prejuízos causados à natureza e à comunidade. O instituto da propriedade privada, em que pese ser erga omnes, deve ater-se ao princípio de sua função social. A subordinação da propriedade privada à sua função social está claramente determinada nos artigos 5 º, inciso XXVII e 170, ambos da nossa Lei Maior.

Considerando o fato de que nossa Constituição Federal é bastante minudente ao tratar de alguns assuntos, é de se ressaltar que uma visão rápida mas responsável sobre o nosso sistema tributário nacional aclara sua discordância com o dispositivo constitucional que limita as ações de ordem econômica. Isto porque, entre os tributos previstos no sistema, nenhum prevê, implícita ou explicitamente, qualquer forma de tributação mais forte sobre atividades destruidoras do meio ambiente ou causadoras da exaustão dos recursos naturais não-renováveis. Os princípios tributários básicos são o da anualidade, da legalidade, da irretroatividade, havendo inclusive previsão de tributação diferenciada sobre produtos considerados essenciais. Neste ponto, constata-se uma falha no sistema de tributação nacional, pois a seletividade de alíquota deveria ser não somente em função de sua essencialidade, mas também, em consonância com os artigos ambientalistas antes referidos (arts. 5 º, XXVII; 170 e 225), em razão da degradação do meio ambiente, da retirada de recursos não-renováveis ou mesmo do tempo de duração do produto.

Afora essa questão constitucional abordada, cabe enfatizar a possibilidade jurídica da utilização do imposto como contenção da exploração indiscriminada da natureza. A utilização do imposto com caráter de extrafiscalidade é expediente largamente aceito na doutrina jurídica, nacional e internacional. O grande administrativista Hely Lopes Meirelles nos ensina:

“A extrafiscalidade é a utilização do tributo como meio de fomento ou de desestímulo a atiidades reputadas convenientes ou inconvenientes à comunidade. É ato de polícia fiscal, isto é, de ação de governo para o atingimento de fins sociais através da maior ou menor imposição tributária.

Modernamente, os tributos são usados como instrumento auxiliar do poder regulatório do Estado sobre a propriedade particular e as atividades privadas que tenham implicações com o bem-estar social. Até mesmo o Direito norte-americano, tão cioso das liberdades individuais, admite essa nova função extrafiscal dos tributos, para o incentivo ou repressão da conduta do particular.

Com efeito, através da agravação do imposto podem-se afastar certas atividades ou modificar-se a atitude dos particulares reputadas contrárias ao interesse público, como pelo abrandamento da tributação pode-se incentivar a conduta individual conveniente à comunidade.”

Desta forma, enquanto os impostos chamados fiscais destinam-se somente para obter receitas para o gasto público, os impostos extrafiscais possuem fins diversos, para abranger os de política econômica ou social, de política administrativa, de política demográfica, de política sanitária, de política cultural e até mesmo de política ambiental e de proteção dos recursos naturais não renováveis.

A modernidade não é sinônimo de destruição. Ninguém tem o direito de exaurir indiscriminadamente os recursos naturais não-renováveis e nem de impor situação de vida desumana às pessoas, mesmo sob o manto mistificador da livre iniciativa e da propriedade privada. Os recursos naturais são patrimônio da humanidade. Esta busca de maior humanização e respeito à natureza pode perfeitamente contar com o apoio importante da tributação em prespectiva de extrafiscalidade.

Para os admiradores incontestes dos irmãos do norte e para reforço da tese esposada de utilização de um imposto extrafiscal para contenção da degradação ambiental e do exaurimento dos recursos naturais, transcreve-se posição do lembrado tributarista Aliomar Baleeiro:

“Os impostos confiscatórios e proibitivos, que se atritam com os direitos e garantias constitucionais da propriedade ou do exercício de profissões e atividades lícitas, são tolerados, muitas vezes, pela jurisprudência norte-americana como manifestações do poder de polícia, desde que, em caso concreto, se apure sua eficácia na defesa da segurança, saúde e bem-estar do povo.”

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!