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A questão econômica

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26 de fevereiro de 1998, 23h00

continuação

2 – A QUESTÃO ECONÔMICA:

a) Uma nova visão da economia. Crítica à economia moderna.

A origem da economia dita moderna surgiu inspirada nos modelos newtonianos, ou seja, já a partir daqueles tempos, em torno do século XVIII, a economia foi apresentada basicamente através de modelos matemáticos (números, pesos e medidas), sendo postos de lado os argumentos e palavras.

Sob tal suporte de inspiração puramente mecânica, foram desenvolvidos os conceitos liberais da oferta e da procura e da “mão invisível”. De acordo com a primeira arquitetura conceitual, à medida que se aumenta a oferta, diminuem-se os preços dos produtos; se a procura aumentar, os preços tendem a ser crescentes; diminuindo a procura, os preços reduziriam. Já o conceito elaborado por Adam Smith, de que o mercado ajusta-se por si mesmo, sem necessidade de qualquer intervenção, na medida em que consumidores e produtores, buscando seus interesses pessoais, equilibram o sistema, é o que foi chamado de “mão invisível” (ou Mão de Deus).

Se esses dogmas valeram em um determinado período da história, hoje, com os monopólios e oligopólios nacionais e internacionais, eles são elementos componentes de discursos ultrapassados e suspeitos. É sabido que o consumidor, na maioria das vezes, vê-se cativo de ofertas que encontram-se, direta ou indiretamente, em um sistema oligopolizado. Isto demonstra que os conceitos mecânicos de oferta e procura e de ajuste automático do mercado, ao contrário do que apregoam seus ferrenhos defensores, não funcionam no vigente modelo econômico mundial, como se dois mais dois fossem igual a quatro. Isto porque, no mercado, a relação entre produtor e consumidor está essencialmente assimétrica, com raras exceções em que aquelas equações tradicionais quase-mágicas funcionam a contento.

A atual ciência econômica, ao dimensionar a riqueza, nunca leva em conta se os recursos utilizados são renováveis ou não. Ao calcular o PIB (Produto Interno Bruto) de uma economia, chega-se ao absurdo de acrescentar, como soma de produção, os gastos com saúde, acidentes (inclusive os ecológicos), etc., itens que, na realidade, deveriam ser deduzidos na produção de riqueza.

Em contraposição às teorias econômicas tradicionais, uma nova corrente, capitaneada pela economista inglesa Hazel Hendersen, acredita que as grandes causas da inflação, e, conseqüentemente, da pobreza e da miséria, são a crescente utilização de matérias-primas e energias não-renováveis, cujas reservas estão cada vez mais inacessíveis, juntamente com a enormidade dos custos sociais provocados pelo crescimento ilimitado e desordenado da economia. Estes custos e ambientais são decorrentes da “transferência” que as empresas fazem ao meio ambiente e à sociedade, sem registrar tais perdas em seus balanços. Então, a responsabilidade de preservação e recuperação ambiental, controle da criminalidade, assistência à saúde, custo com litígio (ações eminentemente não-produtivas e decorrentes da antes referida … “transferência”) ficam a cargo dos governos e, desta forma, penalizam toda a sociedade, pois os recursos auferidos pelos Estados para tais empreedimentos não-produtivos são os impostos, cobrados de toda a sociedade.

b) Outras críticas ao pensamento econômico moderno.

O pensamento econômico ortodoxo trabalha com o conceito de crescimento contínuo e ilimitado, sem considerar que vivemos em um mundo finito, onde as coisas são necessariamente limitadas. Herman Daly estabeleceu um espectro de fins e meios, que são os seguintes:

1.º) Meios Fundamentais (matéria-prima de baixa entropia).

2.º) Meios Intermediários (estoques de artefatos, força de trabalho).

3.º) Fins Intermediários (saúde, educação, etc.).

4.º) Fim Supremo (o que é intrinsicamente bom, cuja busca é intermediada pela Ética em direção à Religião).

A economia política, atuando fundamentalmente entre os meios e fins intermediários, perde a percepção do uso sábio dos Meios Fundamentais em prol do atingimento do Fim Supremo. Nesta perspectiva, Daly detecta uma insanável contradição da economia chamada do crescimento, qual seja, a de, por um lado, ser extremamente materialista ao ignorar o Fim Supremo e a Ética, e, de outro, ser insuficientemente materialista ao ignorar os Meios Fundamentais, não perquirindo a absoluta limitação e escassez dos recursos naturais não-renováveis.

Hoje, impera a economia simbólica, com as empresas jogando com números, dissociando-se da economia real, onde o dinheiro deveria mover-se de acordo com as atividades de produção. Apesar dessa visão irreal dos economistas tradicionais, não podem eles revogar a verdade irretorqüível de que a riqueza, ao ser dimensionada em unidades de valor, não tem anulada sua dimensão física. E esta massa física que incorpora o valor necessita estar em consonância com um estado equilibrado na natureza.


Georgescu-Roegen, citado por Herman Daly, nos adverte:

“O máximo de quantidade de vida requer uma mínima taxa de exaustão de recursos naturais. Usando estes recursos muito rapidamente, o homem joga fora aquela parte de energia solar que ainda estará atingindo a terra por um longo tempo depois de partirmos. E tudo que o homem fez nos últimos 200 anos o colocou na posição de fantástico perdulário. Não há dúvida sobre isto: qualquer uso dos recursos naturais para a satisfação de necessidades não-vitais significa uma menor quantidade de vida no futuro. Se entendemos bem o problema, o melhor uso para o nosso aço é a produção de arados e grades onde são necessários e não de Rolls Royces e nem ao menos tratores agrícolas.”

Na lógica imperante, onde o homem é o conquistador na Natureza, foi construído um palco em que o homem-econômico, na busca de suas satisfações individuais, destrói tudo o que obstaculiza seus intentos, não importando o que seja. Esta dilaceração ética da economia leva, por exemplo, a que os economistas avaliem uma floresta somente pelo seu resultado morto – a madeira – quando ela é um recurso vivo que segue permanente dinâmica evolutiva, tendo função decisiva na vida da ecosfera, conforme nos atesta J. W. Batista Vidal.

Na sociedade capitalista, ao contrário do que afirma Adam Smith, sendo as necessidades do indivíduo que dominam, é a sociedade como um todo que tem a perder (junto com o próprio indivíduo, por derradeiro). Já nas ex-sociedades comunistas, eram as necessidades da sociedade que dominavam e o indivíduo é que tinha a perder (junto com o Estado, em última instância). Nos dois casos, percebe-se que a realidade pessoal continua uma em que “eu” estou “aqui” e o mundo está “lá fora”; a realidade pessoal continua sendo “eu contra você”.

De acordo com Peter Russel, esta separação entre o “nós” e os “demais” levou a cultura ocidental a uma postura de cisão da “Humanidade versus Natureza”. Neste cisma, foram procuradas justificativas na ciência e na tecnologia que, no entanto, em máxima instância, não têm culpa; o que houve foi sua incorreta utilização. Em geral, ciência e teconologia têm estado a serviço dos egos (pessoais, empresariais ou nacionais), não auxiliando a humanidade ou o planeta. Desta forma, em busca de soluções imediatas e egóicas são deixados legados de desastres ecológicos e calamidades em potencial.

c) A situação sócio-econômica brasileira.

No caso específico do Brasil, os problemas econômicos assumem características bem mais graves. Sendo nosso país do chamado terceiro mundo, vê-se ele alijado das reais condições de um justo desenvolvimetno social e econômico, de vez que a ordem econômica internacional não tem interesse para que isso ocorra. Isto porque, se houvesse a independência econômico-financeira do Brasil, desapareceria a atual e sangrenta desigualdade nas relações internacionais de troca comercial, onde somos sistematicamente espoliados. Os recursos naturais brasileiros são desvalorizados, enquanto existe superavaliação de nossas dívidas financeiras com os organismos internacionais.

Em conluio com o ordenamento econômico-financeiro internacional massacrante, existem os maus nacionais que, sem qualquer ética e completamente corrompidos pelas enganosas luzes dos interesses pessoais, são o baluarte da dominação até agora perpretada contra os interesses brasileiros. Está sendo entregue, cada vez mais, para as forças internacionais, nosso patrimônio de riquezas naturais. Exemplo ímpar desta sangria está no exaurimento quase total da segunda reserva mundial de manganês (localizada no Estado do Amapá), cujo destino são os desertos norte-americanos, formando, a preços aviltantes, reservas de estoques estratégicos para aquele país.

Em nome da religião chamada crescimento econômico e de uma adoração à economia de mercado, são devastadas regiões tropicais, destruindo o equilíbrio ecológico que se mantém há bilhões de anos. Em nome de um imaginário e nunca atingido futuro dourado são dilapidados recursos não-renováveis que mais tarde farão falta para o bem-estar do nosso e de outros povos. Sob o pretexto de equilíbrio na balança comercial são transferidos para o exterior, a preços baixíssimos, riquezas nacionais insubstituíveis.

São contrabandeados de nosso país, anualmente, bilhões de dólares de pedras preciosas e de ouro. Porém, ainda temos grandes reservas de metais estratégicos para enfrentar nossas necessidades, ao contrário de argumentos cínicos de que não temos o suficiente.

Lamentavelmente, com conivência de dirigentes muitas vezes servis, são realizados negócios extremamente prejudiciais à Nação e à Natureza, Batista Vidal nos informa:

“Exportamos minério de ferro a menos de 15 dólares a tonelada, quando nos custa 18, somente para extraí-lo e transportá-lo: ou seja, vendemos essa riqueza natural por preço patrimonial negativo. Exportamos alumínio com preço de energia elétrica variável, já tendo chegado a menos de dez dólares, quando o preço internacional é de 52 dólares e nos custa 42 dólares a sua geração, principalmente devido ao ônus do serviço da dívida externa contraída com a construção, para este fim, da barragem de Tucuruí. Este absurdo econômico é fruto de imoral política de vincular o preço da energia a uma porcentagem fixa do preço internacional do alumínio, que é manipulado por cartel do qual fazem parte compradores dessa energia. Exportamos açúcar, por muitos anos, com prejuízo anual de 500 milhões de dólares. Somente no setor elétrico, estamos perdendo vários bilhões de dólares ao ano em subsídios que beneficiam grandes interesses, especialmente do exterior. Com os derivados de petróleo, objetivando reduzir artificialmente efeitos inflacionários, mas, de fato, para garantir sua importação desnecessária, dispende-se por ano outros tantos bilhões de dólares em subsídios.”


Neste contexto, a Nação brasileira, em geral capitaneado por uma elite despreparada e egóica, vê-se aturdida e enlutada pelos crimes sociais, econômicos e ecológicos aqui perpretados.

Sob o cínico lema de “produção em massa”, como se nossos miseráveis pudessem participar de alguma fatia econômica, são sofismada situações logicamente insustentáveis. Nosso país precisa, na verdade, de “produção das massas”, deixando de lado as tecnologias externas que nos tornam dependentes nesta área. A lógica perversa do capitalismo selvagem em nossa Pátria é enorme. As organizações transnacionais detentoras de oligopólios e monopólios de mercado destróem as pequenas iniciativas, deixando atrás de si rastros de miséria e perplexidade. Agem como vampiros, indo embora quando nada mais resta a sugar.

Não é verdadeiro o argumento de que o alto grau de industrialização trará benefícios para o povo brasileiro. Nem tampouco as propagandas de que a abertura das fronteiras econômicas trarão o desenvolvimento para nossas empresas. Muito menos a falácia de que a exportação de nossos produtos primários faz bem à nossa economia. O fato é que nunca a população brasileira, de forma consistente, usufruiu de qualquer benefício. Tanto que os contrastes atualmente existentes entre os pouquíssimos brasileiros abastados e os milhares de nacionais miseráveis são de uma distância inimaginável.

Esta abordagem sucinta do drama sócio-econômico do Brasil, onde a miséria e a indigência atingiram níveis alarmantes, serve para pontuar que a proposta do presente trabalho não tem a ingenuidade de servir como acessória em um processo de desenvolvimento auto-sustentado nos moldes pretendidos pelos interesses alienígenas, contrário aos interesses nacionais. Pretende-se, isto sim, que as idéias aqui expendidas sejam protetoras dos recursos naturais não-renováveis nacionais e da qualidade de vida dos brasileiros, em total e completo respeito aos outros povos irmãos.

d) Resultados perversos.

Analisando genericamente, verifica-se que por causa dos diferentes desequilíbrios até aqui elencados, como os econômicos e os de exploração do homem e da natureza pelo próprio homem, somados à incapacidade dessa correta percepção, as nações, inclusive e principalmente o Brasil, encontram-se em sistemáticos impasses, passando por graves crises econômicos-sociais.

É forçoso reconhecer que a quase-totalidade destas economias nacionais, que apresentam uma visão mercantil egoísta predatória de exploração ilimitada dos recursos naturais, traz em seu bojo a penalização da maior parte da sociedade, pois está gerando a exaustão da natureza, a incompreensão sistêmico-econômica, o desemprego e o crescente aumento de impostos. Estes últimos são cada vez mais necessários para cobrir ou compensar prejuízos causados por essa visão míope e imediatista da economia, tais como o combate ao crime (em geral, de pessoas marginalizadas pelos sistema), assistência à saúde (causado pela miséria, poluição e estresse), seguridade social (desemprego, desamparo), recuperação do meio ambiente (natureza contaminada) e outros litígios decorrentes deste sistema bandido.

Não se pretende dizer que os serviços sociais antes elencados e prestados pelo Poder Público sejam desnecessários. Eles são importantes. Contudo, observa-se que em nosso país, por exemplo, comparativamente ao PIB nacional existem pesados investimentos em certas áreas de “recuperação” que ficariam bastante minimizados se houvesse dispositivos políticos e sociais de controle desses desajustes. Estas visões e ações equivocadas, tanto do particular quanto do Estado, agravam sobremaneira o fenômeno inflacionário, haja vista que o Poder Público investe grandes quantidade monetárias em áreas não-produtivas, que são meras tentativas de reparação de estragos ocasionados, basicamente, pelos particulares, sem que estes sejam chamados a cobrir os prejuízos sociais, de saúde e ao meio ambiente, causados por suas atividades mercantis.

No caso particular do Brasil, convém ressaltar que a lógica econômica imperante, além dos problemas acima descritos, traz uma espoliação econômica internacional, onde os recursos naturais não-renováveis nacionais são “vendidos” a preços aviltantes, em detrimento dos interesses maiores da sociedade brasileira.

continua…

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