Pioneiro tem direito tutelado

Leis tutelam direito autoral e dos softwares

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18 de fevereiro de 1998, 23h00

Duas novas normas fazem parte da legislação brasileira: a do direito autoral e a que dispõe sobre o regime de proteção à propriedade intelectual de programas de computador.

A primeira, que entrará em vigor 120 dias após a publicação no Diário Oficial da União, modifica as definições de reprodução, publicação, transmissão, fonograma, comunicação ao público e distribuição de produtos na área cultural. Segundo o ministro da Cultura, Francisco Weffort, essas modificações adequam a lei ao texto constitucional dentro dos parâmetros de novas tecnologias. O novo diploma legal assegura a tutela dos direitos pelo prazo de 50 anos, independente de registro e fixa sanções e penalidades aos violadores dos direitos de autor.

A segunda – a chamada lei do software – traz inovações sobre o regime de concessão de propriedade intelectual para as obras de computador por um prazo de 50 anos, punição para indivíduos que praticam a pirataria de software, que varia de detenção de seis meses a quatro anos e multa que poderá chegar a 3.000 vezes o valor de cada cópia ilegal.

A sanção presidencial era aguardada há muito, o projeto tramitava no Congresso desde 95 – PLC 14/96 (antigo PL 200/95).

Essa espera finalmente acabou. Agora, na esfera tecnológica, a nova norma determina medidas que protegem a propriedade intelectual de programas de computador, classifica a pirataria de software como crime de sonegação fiscal, estabelece garantia aos usuários, dispõe sobre os contratos de licença de comercialização e determina o registro de contratos de transferência de tecnologia no INPI, para que produzam efeitos contra terceiros. Além disso, dá poderes à Receita Federal para investigar empresas e saber a procedência das cópias de programas utilizados nos microcomputadores.

Veja a integra do discurso de Fernando Henrique Cardoso, por ocasião da sanção presidencial:

“…senhores e senhoras representantes da comunidade cientifica, da comunidade artística.

Me dá grande alegria poder firmar uma lei que regulamenta a questão da propriedade intelectual, no diz respeito ao software.

E aí queria só me referir a dois pequenos fatos: um, é que eu sou da época pré-software. Muito pré-software! Recordava-me, enquanto firmava essa lei, que quando me iniciei fazendo alguns trabalhos de pesquisa, na Universidade de São Paulo, isto na década de 50, o professor Vargas já era professor…

E, naquela época, tínhamos que fazer alguns esforços para introdução de certas técnicas estatísticas na análise de problemas sociais. Era uma enorme dificuldade! Nós, evidentemente, tínhamos curso de estatística, tínhamos curso de análise matemática que, para mim, foi muito difícil. O professor Weffort era tão ruim quanto eu na matéria, mas fazíamos um grande esforço para entender alguma coisa e havia um momento em que era preciso uma aplicação prática daquilo.

Na época, havia um livro, nos Estados Unidos, famoso e outros de alguns autores, que eram os primeiros sociólogos. Os primeiros, não; mas eram sociólogos americanos que estavam utilizando técnicas de análise matemática um pouquinho mais sofisticada e de análise estatística. Li esses livros, não entendia quase nada, tinha muita dificuldade e pedi apoio dos meus professores de estatística, que não tinham a menor noção do assunto porque não havia familiaridade entre os modelos que se estavam criando e as práticas de análise. Notadamente, na Faculdade de Economia, havia um professor inglês, excelente professor de estatística. Esse é que sabia um pouco mais das coisas.

Bom, então, quando fui tentar por em prática isso, tínhamos que operar os computadores. Não eram computadores. Era aquela máquina separadora, não sei nem o nome. Tinha que perfurar a mão, entrava naquela maquininha e um aparelhinho contava os bolinhos de fichas que caíam. A gente anotava à mão o resultado dos cruzamentos.

E só se fazia – pelo menos na minha época, eu fiz na Faculdade de Medicina – porque lá havia um professor chamado Saad, que depois foi presidente da Fapesp e reitor da Unesp, e a drª Elza Berquo, que trabalhou conosco. Eles entendiam um pouco das coisas – mas, o computador era utilizado para o pagamento de pessoal. Tínhamos que ir a parte de administração para tentar utilizar uma técnica deste tipo.

Bem, isso era o Brasil anos 50. Nos anos 60, na Franca, não era diferente. Hoje, não está aqui uma pessoa que trabalha comigo, o professor Luciano Martins, mas tentei com o Luciano, e até eu sabia um pouquinho mais porque tinha tido essa experiência lá de São Paulo, fazer um trabalho que nós escrevemos – eu escrevi um; ele, outro – utilizar, enfim, um instrumental para análise cientifica.

Também na Universidade de Nanterre, era na administração que íamos para poder utilizar um computador, para tentar utilizar, até que descobri, por um amigo meu, que era argentino e que trabalhava nessa matéria, no aeroporto, então, de Orly, que era o aeroporto que se utilizava, que lá havia uma capacidade um pouco melhor de análise. Isso foi ontem.

Hoje, estamos aqui no Brasil regulando software e o ministro Vargas acaba de dizer que estamos vendendo software para robô, 25 milhões de dólares. Não é muito, mas é alguma coisa. O salto é imenso. Quer dizer, no decorrer de uma vida, passamos da era da absoluta inexistência de qualquer instrumental de análise mais sofisticada, em matéria de computação, para a regulação da produção intelectual, nem mais de hardware, mas de software. É uma coisa extraordinária.

É compreensível, por isso mesmo, que nós, brasileiros, tenhamos apanhado muito nessa matéria. Muitos de nós, eu inclusive, defendemos a antiga Lei de Informática como a salvação de tudo, porque achávamos que tínhamos que recriar a pólvora e que era preciso, então, uma proteção à competição tivemos que refazer tudo aqui. Os dados mostram – como disse o ministro Vargas – que, com a mudança da nossa atitude, houve um aumento da produção.

Já como senador pude participar, juntamente com o então senador Nelson Wedekin e com o senador Roberto Campos, de uma tentativa de modificação dessa matéria. E eu me recordo, era líder do MDB e indiquei o senador Nelson Wedekin para ser o relator. O senador Roberto Campos ficou assustadíssimo, porque tanto eu quanto o Wedekin tínhamos uma visão – que ao ver, do senador Roberto Campos, ele acha a mesma coisa hoje – uma visão que não era o que vocês hoje chamam de neoliberal. E não é até hoje.

Ele tinha medo de que nós não fôssemos capazes de entender o processo necessário de abertura. Nós entendemos. Entendemos e começamos a modificar uma série de regulamentos. O ministro Vargas mencionou o fato de que quando eu estava no Ministério das Relações Exteriores pude participar, juntamente com ele, com o ministro Eduardo Vieira e outros mais, de uma mudança mais recente, no que diz respeito à concepção geral do Brasil sobre propriedade intelectual.

Custou-nos mudar essa concepção e muitos parlamentares participaram desse enorme esforço de revisão da nossa mentalidade. Aí me empenhei já mais a fundo, porque já foi na década de 90. Eu estava muito longe da década de 50, tinha entendido que o mundo havia mudado, e que nós também precisávamos, enfim, mudar as nossas concepções, as nossas práticas, a nossa legislação.

E, hoje, eu estou quase finalizando aos sinais dessa lei, sobre o software. Quase finalizando o conjunto de medidas necessárias porque nós temos a Lei de Patentes, temos a Lei Cultivares, que permite também a mesma coisa no que diz respeito à parte agronômica. Falta, ainda, algo na lei para biodiversidade, que não é exatamente no mesmo âmbito, mas precisamos trabalhar nessa matéria. Falta alguma de circuito integrado, suponho. Enfim, falta, ainda, alguma regulamentação que permita, realmente, garantir a criatividade intelectual e assegurar os direitos aqueles que produzem, intelectualmente.

De modo que, o percurso foi um pouco vagaroso talvez, mas está sendo feito no decorrer, no fundo, de algumas décadas do Brasil, realmente se colocar em condições de competir, de uma maneira produtiva e criativa. É claro que, no que diz respeito, mais especificamente, a lei do direito autoral, isso tem nossa tradição de produção artística – como disse o ministro Vargas – é muito maior. E nós já temos uma longa tradição, problemas grandes e precisávamos enfrentar as dificuldades todas. O ministro Weffort chamou a atenção porque é essencial.

Foi um debate extremamente aberto, extremamente democrático, que implica, naturalmente, conceder aqui, ali, avançar um pouco, não avançar tudo que se deseja, mas compor um conjunto de regulamentos. Creio que os deputados aqui presentes, notadamente (…) Aloísio Nunes Ferreira que me escreveu uma carta pedindo para eu não vetar nada – e muitos pediram. Mostra, exatamente, o deputado Aloísio sabe, mais os outros parlamentares, que isso foi uma composição complexa. O governo achou melhor deixar essa composição complexa como está, apenas um ou outro reparo técnico menor, porque mais tarde, se houver algum inconveniente, corrige-se.

Acho que, por conseqüência, podemos dizer que, ao firmar esses dois diplomas legais, estamos dando um avanço grande, no respeito que temos que ter ao criador intelectual que se garantem os direitos, a liberdade de criatividade, a expansão do espírito. Sabe-se que, hoje, cada vez mais os bens culturais são bens econômicos, tem repercussão na área econômica. Precisamos, também por essa razão – embora ela não seja única e muitas vezes nem é principal – garantir condições que permitam investimentos maiores. Mas, não podemos deixar que esse investimento liquide o direito e até os interesses materiais do produtor individual, da pessoa que realmente está produzindo. Porque nessas áreas, seja em ciência e tecnologia, seja na área cultural, se bem que como todo produto humano, seja um produto social, e portanto, depende de relações, de instituições etc., são áreas nas quais chega um momento em que a imaginação individual é insubstituível, e que, portanto, tem que ser, também, valorizada devidamente, porque é assim mesmo.

Quer dizer, são áreas em que a pessoa vale, em que alguém que descobre, que inventa, que imagina, que cria, vale, não é? Daí o exemplo de que a Brigitte Bardot, sozinha, vale mais do que a Renault. Eu digo isso sem pedir desculpas aos diretores da Renault porque prefiro a Brigitte Bardot do que o Renault.

Mas acho que, realmente, é necessário preservar, portanto, também tudo que diz respeito à criatividade. Espero que essas leis que estamos assinando, dado que foram produtos dessa discussão imensa na comunidade científica, cultural e com o Congresso, alcancem esses objetivos. Certamente, alguma falha que possa ocorrer, juntos, em cooperação, nós a corrigiremos.

Muito obrigado aos senhores.”

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