erro judiciário

sequestradores do empresario abilio diniz

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23 de dezembro de 1998, 23h00

ERRO JUDICIÁRIO

Como bem definiu o saudoso Ruy de Azevedo Sodré, o julgamento de Jesus foi o maior erro judiciário da História.

Esse julgamento, em que ficou estereotipada a falibilidade da justiça humana, foi proferido em menos de 24 horas, no maior processo da História. E, maior processo da História, porque foi ele que abriu uma nova era para a humanidade, porque foi ele que fez da data do nascimento desse réu condenado ao mais ignominioso dos suplícios, o marco divisório da História Universal.

Essa coesão de sentimentos tem um significado muito expressivo, de vez que, ainda mesmo que alguns poucos não professem a fé católica, vêem, contudo, na imagem de Cristo crucificado, um símbolo de justiça.

Por mais paradoxal que pareça, a verdade é que, injustiçado pelos homens que o levaram à Cruz, Cristo se ofereceu a esse sacrifício máximo para salvação da humanidade.

Trata-se da morte do juiz do mundo, que expirou na cruz, para que pudesse ser feita, plenamente, justiça eterna aos homens que se haviam desviado do caminho que Deus lhes traçara.

Ainda que Jesus Cristo não se apresente a alguns espíritos como o próprio Deus feito homem, mesmo assim devemos reconhecer que Ele encarna um alto ideal de justiça e de verdade, que, durante o perpassar de vinte séculos, constituiu sempre, como hoje ainda constitui, uma esperança para a vida do direito e um consolo para todos os que, como advogados ou partes, sofrem os efeitos de decisões injustas.

Hoje, mais do que nunca, vemos diariamente nos jornais exemplos típicos da falibilidade da justiça humana, cujo ápice, como já dissemos, foi o julgamento de Cristo.

E o exemplo vem do judiciário paulista, em relação aos seqüestradores do empresário Abílio Diniz.

Trata-se de verdadeira aberração jurídica, eclipsada por uma tendenciosa manipulação dos meios de comunicação, que os transformou em bodes expiatórios de todos os males decorrentes da violência urbana que se instalou no País a partir do início da década.

Não se justifica, por exemplo, que os assassinos da atriz Daniela Perez, condenados à pena de dezoito anos de prisão, pelo crime perpetrado com requintes de crueldade, obtenham benefícios da Lei de Execuções Penais, i. e., a concessão de progressão da pena após 1/6 de cumprimento desta, ou o livramento condicional, após o cumprimento de 1/3 do total da pena, e o mesmo não se conceda aos seqüestradores do empresário Abílio Diniz, que já cumpriram mais de dez anos de cadeia em regime fechado.

Como é sabido, no referido seqüestro não houve conseqüências tão sérias quanto no caso da atriz Daniela Perez: apenas alguns dias de cárcere privado; lesões apenas psicológicas na vítima.

Pergunta-se: por que a justiça paulista ainda não concedeu o livramento condicional aos seqüestradores, já que cumpriram mais de 1/3 de suas penas e o direito é garantido pela Lei de Execuções Penais. Será que estão esperando a morte de um deles em decorrência da greve de fome? Onde estão seus advogados que não buscam a correção desse manifesto erro judiciário, por omissão, nas instâncias superiores, no caso o Supremo Tribunal Federal?

Como é sabido, o art. 75 do Código Penal vigente, fixou em trinta anos o máximo da pena privativa de liberdade.

Permitir que uma pena se prolongue, irremissivelmente, por trinta anos, em regime fechado e em condições institucionais sobejamente conhecidas, é o mesmo que permitir a pena perpétua, tendo em vista a deterioração psíquica e física que sofre, inevitavelmente, a pessoa. Não se trata de execução penal que tenha objetivos ressocializadores, nem de melhoria, mas de deteriorização irreversível e neutralizadora. A nós parece que uma pena que traga como resultado a deterioração da pessoa da pessoa como meio de neutralizá-la é similar a uma pena mutilante, só que executada com bastante paciência, deixando passar o tempo e o período de prisão.

A persistir a situação aberrante, expondo, em toda sua plenitude, o lado triste do sistema penitenciário brasileiro, teremos, com a morte de um deles, o nascimento de um mártir, o mártir do sistema judiciário brasileiro, mais um dentre os milhares que povoam os cárceres que, infelizmente, para eles, não seqüestraram o dono de uma grande rede de supermercados, ou o irmão de uma dupla famosa de cantores sertanejos, não obtendo por isso a notoriedade que a mídia divulga. Estão esquecidos e lá ficarão, até que algum juiz zeloso, com um mínimo de sentimento humanitário, lhes dê algum benefício decorrente da lei.

Nunca é demais lembrar os ensinamentos de BECCARIA, na sua imorredoura obra : “o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o delito já cometido…é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo…de tal modo que, conservadas as proporções, causem impressão mais eficaz e mais duradoura no espírito dos homens, e a menos tormentosa no corpo do réu” (CEZARE BECCARIA, Dos Delitos e das Penas).

MAURICIO CAMATTA RANGEL

Juiz de Direito

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