Reforma da Previdência

Como fica o PIS/PASEP e a COFINS com a reforma da Previdência

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22 de dezembro de 1998, 23h00

I – Introdução

1.1 – Foi aprovada a Emenda Constitucional nº 20, de 16.12.1998 (“EC 20/98”), que modifica o sistema de previdência social e estabelece suas normas de transição. Neste trabalho, entretanto, analisaremos apenas as alterações promovidas pela EC 20/98 ao artigo 195 da Constituição Federal de 1988 (“CF/88”), que trata do financiamento da seguridade social. Além disso, analisaremos os impactos dessa alteração face à recente Lei 9.718, de 27.11.1998 (“Lei 9.718/98”), que ampliou a base de cálculo das contribuições PIS/PASEP e COFINS e ampliou o universo de contribuintes da COFINS.

II – Cf/88 – Artigo 195 – antes da Ec 20/98

2.1 – A redação anterior do artigo 195 da CF/88, antes da atual EC 20/98, estabelecia que a seguridade social seria financiada por toda a sociedade, de forma direta ou indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(i) dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;

(ii) dos trabalhadores;

(iii) sobre a receita de concursos de prognósticos.

2.2 – O § 4º do artigo 195 da CF/88 estabelece que a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no artigo 154, I da CF/88, que exige lei complementar, entre outros requisitos.

2.3 – Sob a vigência dos dispositivos acima mencionados, foi editada a Lei 9.718/98, que promoveu, como visto, alterações na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, produzindo efeitos a partir de 1.2.1999. Com base na nova legislação (Lei 9.718/98), tais contribuições serão calculadas sob o faturamento, assim entendido como a receita bruta da pessoa jurídica, a partir de 1.2.1999.

2.4 – Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para essas receitas, admitindo-se algumas exclusões expressas na mesma Lei.

2.5 – Na ocasião, manifestamos o entendimento de que o conceito de faturamento, tal como consta do artigo 195 da CF/88 vigente à época (antes da EC 20/98), está relacionado com o ato de faturar ou de emitir fatura de venda mercantil e/ou de prestação de serviços. Afora isso, as demais receitas que não correspondam à venda mercantil ou à prestação de serviços são receitas brutas, mas não integrantes do conceito de faturamento.

2.6 – Assim, a Lei 9.718/98, ao ampliar o conceito de faturamento e considerar todas as receitas auferidas pela pessoa jurídica, criou uma outra fonte de manutenção e financiamento da seguridade social. E como visto, nos termos do artigo 195, § 4º da CF/88, tal instituição somente poderia ser feita mediante lei complementar, o que não é o caso da Lei 9.718/98, que reveste a forma de lei ordinária.

2.7 – Além disso, a Lei 9.718/98 permite que até um terço da COFINS efetivamente paga seja compensada com eventual contribuição social sobre o lucro (“CSL”), devida no mesmo período de apuração.

2.8 – Essa disposição viola os princípios da isonomia e da capacidade contributiva. Com efeito, a Lei trata, de forma igual, contribuintes que se encontram evidentemente em situações econômicas distintas (aquele que apurou lucro e tem CSL a pagar; e aquele que apurou prejuízo e tem base negativa da CSL), afrontando o princípio da isonomia. Da mesma forma, a Lei 9.718/98 também afronta o princípio da capacidade contributiva, uma vez que possibilita a compensação da COFINS ao contribuinte que apurou lucro e, conseqüentemente, tem maior capacidade contributiva, mas impede a compensação da COFINS devida para os contribuintes que não apuraram lucro e, conseqüentemente, têm menor capacidade contributiva. Ademais, e dado esse fenômeno da compensação, a COFINS, nessa parte, adquire natureza de CSL e, portanto, não seria devida onde a CSL não o for.

III – Ec 20/98 – Nova Redação ao Artigo 195

3.1 – A EC 20/98, ao alterar o artigo 195 da CF/88, continua a estabelecer que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta ou indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e por contribuições.

3.2 – No tocante às contribuições, a EC 20/98 altera a redação anterior, estabelecendo que as mesmas serão exigidas:

(i) do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (b) a receita ou o faturamento; (c) o lucro;

(ii) do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência.

3.3 – Dentre outras alterações, a EC 20/98 introduz um § 9º ao artigo 195 da CF/88 estabelecendo que as contribuições sociais previstas no item (i) acima poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra.

3.4 – Em vista das alterações acima, duas questões são colocadas, a saber:

(i) a EC 20/98 teria tornado válida e constitucional a Lei 9.718/98, uma vez que permite, por lei ordinária, a cobrança de contribuições para financiar a seguridade social sobre a receita ou o faturamento?

(ii) seria constitucional o § 9º do artigo 195 da CF/88 trazido pela EC 20/98, que permite alíquotas e bases de cálculo diferenciadas em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra?

3.5 – A nosso ver, a resposta para ambas as indagações é negativa.

3.6 – A EC 20/98 não seria capaz de validar a Lei 9.718/98, editada sob a égide da redação anterior do artigo 195 da CF/88, que não permitia a manutenção e o financiamento da seguridade através da instituição de contribuições sobre a receita veiculadas sob a forma de lei ordinária.

3.7 – Assim, seria necessária a edição de uma nova lei ordinária sob a égide da nova redação da EC 20/98 para validar a tributação. Vale ressalvar, entretanto, que a nova lei não poderia ferir princípios tributários, sob pena de comprometer a sua constitucionalidade.

3.8 – Além disso, a nova lei ordinária deve ser editada através de conversão de projeto de lei, e não por conversão de medida provisória, uma vez que o artigo 246 da CF/88 estabelece que é vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda.

3.9 – Outro aspecto decorre da utilização da conjunção ou no texto relacionado com a “receita ou o faturamento”. Essa conjunção é alternativa, de tal forma que ambos, a receita e o faturamento, não podem ser escolhidos concomitantemente. A base de cálculo, nesse caso, só poderá ser representada pela receita ou pelo faturamento. Não por ambos.

3.10 – Por fim, a nosso ver, o § 9º introduzido ao artigo 195 pela nova EC 20/98, ao permitir que as contribuições sociais tenham alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra, fere o princípio da igualdade assegurado no artigo 150, II da CF/88. E, por força da própria CF/88, artigo 60, § 4º, não poderá ser objeto de emenda qualquer disposição que vise abolir direitos e garantias individuais.

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