Continuação: Avanço da evasão fiscal agrava as contas da Previdência
3 de dezembro de 1998, 23h00
Renúncia
O valor total da renúncia fiscal (R$ 7,9 bilhões), envolvendo diferentes segmentos econômicos ou categorias de segurados, foi calculado com base numa estimativa de contribuição da ordem de R$ 10,4 bilhões, em relação a R$ 2,6 bilhões efetivada, ou 25,52% do estimado. Acrescenta-se ao total das renúncias a perda calculada em R$ 150 milhões com o impacto negativo da CPMF.
O total das renúncia fiscal representou, no ano passado, 16,12% do valor total da arrecadação da Previdência Social, que atingiu R$ 47,9 bilhões. A soma das perdas de receitas correspondeu a 15,9% do valor total dos benefícios pagos em 1997 pelo INSS, que foi de R$ 48,6 bilhões.
Segundo o estudo da Anfip, os segmentos econômicos ou categorias de segurados que contribuíram para se chegar ao montante da renúncia fiscal na Previdência foram: Entidades Filantrópicas, Setor Rural, Segurados Especiais, Clubes de Futebol Profissional, Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples).
Filantropia – A renúncia fiscal dentre o grupo de entidades filantrópicas representou, no ano passado, cerca de R$ 2 bilhões, valor resultante das contribuições estimadas à Previdência, da ordem de R$ 2,7 bilhões, e as que foram efetivamente arrecadadas, de R$ 700 milhões. Essas entidades gozam de isenção da contribuição patronal para Seguridade Social.
Existem atualmente um total de 5.279 instituições filantrópicas registradas no País, sendo que 80% delas se concentram nas regiões Sul e Sudeste. Tal distribuição contribui para agravar ainda mais o desequilíbrio da renda nacional, visto que a renúncia fiscal beneficia mais, nesse caso, as regiões mais desenvolvidas do País. As isenções para a Previdência Social referem-se às obrigações patronais e são previstas na Constituição Federal. Mas, no caso das entidades beneficentes acabam sendo estendidas também aos trabalhadores.
“Tais recursos não arrecadados devido às isenções, após comprovados e estabelecidos critérios mais rigorosos para seu funcionamento, deveriam ser subvencionados pelo Tesouro Nacional, através do Orçamento Fiscal”, sugere o estudo da Assessoria Econômica da Anfip. “Seria uma forma de implementar políticas públicas, com base nos serviços efetivamente prestados e voltados para as entidades que realizem atividade de assistência social.”
Também a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou desvios no Orçamento da União em 1995 – conhecido como o escândalo da Máfia dos Anões – propôs, entre suas conclusões, uma redefinição das subvenções fiscais às chamadas entidades filantrópicas ou beneficentes. Além da reformulação, sugeriu uma limpeza nas entidades “fantasmas”, montadas meramente para obter favores a alguns parlamentares, seus familiares e amigos. Do mesmo modo que o estudo da Anfip, a CPI sugeriu que o Tesouro explicitasse as subvenções às entidades, eliminando-se as chamadas entidades “pilantrópicas”, como forma de reduzir a evasão fiscal.
Rural – Os segurados especiais do setor rural, englobando os produtores que exploram a atividade econômica em regime familiar, registrou num montante de renúncia fiscal avaliado pelo INSS em R$ 5,1 bilhões em 1977. O potencial de receita projetado no ano era de R$ 5,5 bilhões, quando o total arrecadado foi apenas R$ 385,1 milhões. O percentual da renúncia, portanto, atingiu a espantosos 93%, ao passo que se arrecadou apenas 7% do previsto.
Em relação à Contribuição sobre a Comercialização da Produção Rural, incidente sobre produtores divididos em pessoas físicas e pessoas jurídicas, em substituição à contribuição patronal incidente sobre a folha de pagamento. A exceção é para a agroindústria, que continua contribuindo com base na folha de salários, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Conforme as projeções da Diretoria de Arrecadação e Fiscalização do INSS, ajustada com a arrecadação efetivada, face ao Anuário Estatístico da Previdência Social/97, verificou-se que esse segmento apresentou uma renúncia fiscal de R$ 210,4 milhões ano passado. O valor é resultante da diferença entre a arrecadação estimada, de R$ 790,9 milhões, e o efetivamente observado, de R$ 580,4 milhões. Tais números demonstram que houve renúncia fiscal de 26,6% nesse segmento.
O estudo da Assessoria Econômica da Anfip demonstra que o segmento rural é um dos mais deficitários dentro do Orçamento da Previdência. Para uma despesa total de R$ 8,97 bilhões com benefícios nesse setor, no ano passado, houve uma receita direta de apenas R$ 965 milhões. Diante desse assombroso déficit, o Governo já está se mexendo para alterar o sistema de contribuições previdenciárias na área rural
A contribuição do setor rural não é apenas insuficiente, mas, da forma como vem sendo feita – um percentual sobre a comercialização, no caso do trabalhador rural – tem permitido enorme evasão fiscal. Quem afirma é o ministro da Previdência e Assistência Social, Waldeck Ornelas. “A contribuição previdenciária do setor rural vai mudar”, avisa. Ele informa que os estudos para reformular a contribuição do trabalhador e do produtor rural estão sendo executados em parceria com a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
As novas alíquotas e a forma de contribuição ainda serão definidas, mas a principal meta do Governo, segundo o ministro Ornelas, é obter uma contribuição mais efetiva e menos sujeita à sonegação e fraudes. Segundo ele, o trabalhador rural com renda insuficiente para pagar a própria aposentadoria terá assegurado o benefício mesmo assim. O subsídio fiscal, nesse caso, de acordo com o ministro, será explícito e transparente. “A sociedade tem de saber o que está pagando e a quem”, diz.
Simples – O modelo de arrecadação do Simples, implantado para simplificar as atividades das empresas de pequeno e médio porte, acabou complicando de forma decisiva a receita da Previdência. Conforme estimativa da Diretoria de Arrecadação e Fiscalização do INSS, observou-se uma renúncia fiscal de R$ 364 milhões nas receitas de contribuições previdenciárias por conta desse modelo no ano passado. Estimava-se uma arrecadação de R$ 1,3 bilhão nesse universo de empresas e obteve-se, efetivamente, uma receita de R$ 936 milhões, ou seja, apenas 72% do que foi projetado.
Além da evasão verificada, a projeção nesse segmento – micros, pequenas e médias -, por conta do Simples, é de um grande déficit a médio e longo prazo. Segundo dados do INSS, a receita média mensal de arrecadação pelo Simples, durante 1997, foi de R$ 85 milhões – considerando onze meses, pois o modelo foi implantado em fevereiro. “Se dividirmos a receita pelo número de empresas, num total de 1,8 milhão, chegamos a uma média mensal de R$ 42,10 por empresa. Considerando que cada uma tem no mínimo um empregado e que ele é remunerado em um salário mínimo, ou R$ 130 atualmente, a Previdência já começa com um déficit de R$ 82,80 por segurado”, assinala o trabalho da Assessoria Econômica da Anfip.
De acordo com dados da Receita Federal, no âmbito do Imposto de Renda da pessoa jurídica, a renúncia fiscal provocada pelo Simples saltou de R$ 534 milhões em 1996 para R$ 1,3 bilhão em 1997. O modelo permitiu a desoneração de tributos federais, estaduais e municipais. No caso da evasão no campo das contribuições do INSS, o que se questiona é o fato de que as despesas com benefícios a empregados e empregadores desse segmento continuam crescendo, ao passo que a receita dele advinda tem caído constantemente, provocando assim um déficit no sistema.
Futebol – A contribuição estimada para o setor foi de R$ 60 milhões, enquanto que a efetivada foi de R$ 23,6 milhões em 1997. Isso significa 39,33% do total, gerando uma renúncia fiscal de R$ 36,4 milhões. Essa renúncia é possivelmente resultante de uma virtual omissão de dados reais pelas confederações, federações e empresas patrocinadoras sobre a realização de eventos/contratos e à modificação da base de cálculo substitutiva utilizada atualmente, segundo o estudo da Anfip.
A contribuição empresarial associação desportiva, destinada à Seguridade Social, corresponde a 5% da receita bruta decorrente dos espetáculos desportivos, em substituição à cota patronal, que é a remuneração paga ao empregado, empresário, autônomo e equiparados.
CPMF – O impacto negativo causado pela implantação da CPMF sobre a receita da Previdência foi da ordem de R$ 150 milhões/ano, conforme cálculos do INSS. A cobrança desse imposto sobre movimentação financeira resultou da redução nas alíquotas de incidência dos trabalhadores, de 8% para 7,82% e de 9% para 8,82%, e um aumento de 0,20% nos benefícios até três salários mínimos.
A pretendida elevação da alíquota da CPMF de 0,20% para 0,38%, incluída pelo governo no recente pacote fiscal enviado ao Congresso Nacional, redundará em impacto maior ainda nas contas da Previdência. Mas o valor desse aumento no prejuízo da arrecadação de contribuições ainda não foi calculado pelo INSS. De qualquer modo, resta a certeza: mais uma vez se estará retirando receitas da Previdência, ao passo que suas despesas crescerão, aprofundando-se o déficit desse setor.
Outras formas de evasão
O estudo técnico da ANFIP assinala ainda que devem ser acrescentados, aos valores resultantes da sonegação e renúncia fiscal, as reduções de receitas previdenciária promovidas pela legislação que concede tratamentos diferenciados a diversos segmentos. Esses artifícios, que resultam em grandes perdas para a Previdência, ainda não estão quantificados, mas os exemplos existem aos montes. Alguns deles:
– Opção, por parte das empresas, de recolher a contribuição instituída pela Lei Complementar 84/96 sobre o salário base do trabalhador autônomo em substituição àquelas sobre o total da remuneração paga (de 15% da remuneração recebida, para 20% do salário base, com opção sempre pelo menor.
– Salário de contribuição inferior ao salário mínimo mensal versus benefícios igual ao salário mínimo. Isto significa que o salário mínimo é estabelecido por mês, dia ou hora, qualquer empregado poderá prestar serviço por alguns dias da semana ou por poucas horas diárias com seu salário contribuição inferior ao mínimo recolhendo para a Previdência somente o total recebido. Mas na hora da concessão do benefício esse trabalhador recebe da Previdência Social o salário mínimo integral.
– A Cooperativa de Trabalho, cuja contribuição chega a ser reduzida em até 80%, como já foi mencionado no presente texto.
– Redução da alíquota da contribuição patronal de 20% para 15% sobre as remunerações pagas aos trabalhadores avulsos.
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