ICMS nas linhas telefônicas

ICMS não deve recair sobre a habilitação das linhas telefônicas

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11 de agosto de 1998, 0h00

Com a recente privatização das empresas de telefonia, uma nova questão surgiu para preocupar o estudioso do Direito Tributário: a possibilidade de ser cobrado o ICMS sobre a aquisição de linha telefônica ou a chamada “habilitação” nas linhas de telefonia celular.

Entendem autoridades fazendárias estaduais que o tributo seria devido não apenas quando o consumidor paga as tarifas pelo uso da linha, mas também quando, ao adquiri-la, efetua o pagamento da “habilitação” (nome usado na telefonia celular) ou da “inscrição” (telefonia fixa). Imaginam, esses agentes do Fisco, que tal pagamento estaria a caracterizar serviço tributável pelo imposto estadual.

A hipótese de incidência do ICMS, nesse caso, é atualmente definida pela Lei Complementar nº 87, de 13/9/96, artigo 2º, inciso III , que diz:

“Art. 2º – O imposto incide sobre:

III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza.;”

No Estado de São Paulo a lei nº 6.374 de 1º de março de 1989, em seu artigo 2º, inciso IX, afirma:

“Artigo 2º – Ocorre o fato gerador do imposto:

III – na geração, emissão, transmissão, retransmissão, repetição, ampliação ou recepção de comunicação de qualquer natureza, por qualquer processo, ainda que iniciada ou prestada no exterior, exceto radiodifusão”.

Em nosso entendimento, a incidência inexiste, por ser a “habilitação” ou “assinatura” da linha mera aquisição de “direito de uso”, diferente da hipótese prevista em lei, que é serviço de comunicação. Não se pode confundir a “habilitação” ou “direito de uso” quer como uma espécie de “serviço de comunicação”, quer como qualquer das hipóteses descritas na lei estadual (geração, emissão, etc.).

Serviço ou recepção de comunicação somente ocorrerá (e aí poderá ser tributado), quando o requerente, titular do “direito de uso” ou “habilitado” a usar aquele serviço, fizer ou receber ligações telefônicas através do mencionado aparelho.

Não há dúvida que a “habilitação” significa “direito de uso” , pois é público e notório que tal direito pode ser cedido a terceiros. Diariamente os meios de comunicação anunciam a “venda” de linhas telefônicas, inclusive da tecnologia celular, ou, como vulgarmente se diz, a “venda de carta”. Certos jornais, como o “Jornal da Tarde”, “O Estado de São Paulo”, “Folha de São Paulo”, etc., publicam regularmente cotações de preços de venda e locação dessas linhas.

Por outro lado, os direitos de uso de linhas telefônicas, inclusive das relacionadas à tecnologia “celular”, tem sido penhorados em execuções diversas, inclusive de natureza fiscal e trabalhista, o que por si só revela a característica de “bem imaterial”, passível de ser alienado, cedido, penhorado, arrematado, etc.- Obviamente, decorre disso o fato de ser a “habilitação” um “direito” passível de pertencer ao patrimônio do usuário e não simples serviço.

Já existem inúmeros precedentes judiciais que consideram legítimo o usucapião de linha telefônica. Além disso, a locação de linhas telefônicas é contrato corriqueiro há muitos anos, em qualquer cidade do País.

O 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, pela sua 2ª Câmara, na Apelação nº 204.703-I trata da hipótese , mencionando como “direito de uso” a linha telefônica e o 1º Tribunal de Alçada Civil, também deste Estado, pela sua 5ª Câmara, na Apelação nº 542.261-3, trata-a como espécie de “direitos reais” que merecem “proteção possessória”.

Ora, jamais alguém poderia “vender”, “ceder”, “penhorar” “alugar” ou “usucapir” serviços que já lhe tivessem sido prestados. O que se vende, cede, transfere, penhora, aluga ou se adquire por usucapião é a “linha telefônica”, o “direito de uso”, a “carta de habilitação”.

Já houve, inclusive, época em que tal direito (no caso das linhas fixas) implicavam em aquisição de ações da Telebrás ou da Telesp e antes disso da Companhia Telefônica Brasileira.

Portanto, não se confunde o “direito de uso” com o serviço de comunicação, este sim passível de tributação, enquanto aquele está fora do campo de incidência, por não ter sido previsto na lei complementar e mesmo na lei estadual.

A Constituição Federal, em seu artigo 155 , inciso II, atribui competência aos Estados e ao Distrito Federal para instituir imposto sobre a prestação de serviços de comunicação. Não existe ICMS em relação à aquisição de direitos. As linhas telefônicas poderão ser tributadas pelo Estado apenas através do imposto de transmissão causa mortis e doação.

A única propriedade que se sujeita a imposto estadual, conforme o mesmo artigo (inciso III) é a relativa a veículos automotores, tributados pelo IPVA.

O parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/3/93, estabelece as regras gerais da cobrança do ICMS e no inciso XII garante que cabe à Lei Complementar definir os contribuintes do imposto. Na letra “g” desse mesmo inciso, atribui à Lei Complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos ou revogados”.

Essa “…deliberação dos Estados…” é feita através dos famigerados Convênios do “CONFAZ” que, como se observa da atenta leitura do dispositivo constitucional, apenas podem cuidar de “isenções, incentivos e benefícios fiscais”. Não cabe a qualquer “Convênio” , mas somente à Lei Complementar, definir os contribuintes do imposto ou criar novas incidências.

A resolução dos Secretários de Fazenda, no sentido de cobrar o ICMS sobre as linhas telefônicas é, portanto, totalmente inconstitucional, pois não existe aí qualquer prestação de “serviço de comunicação”, mas somente aquisição de bem que, como já exposto, pode ser objeto de venda, cessão, penhora, usucapião, etc.

As empresas de telefonia, em nosso entendimento, terão dificuldade para questionar a cobrança, pois o suposto contribuinte de fato é o adquirente da linha, ou seja, o consumidor. Quanto a este, claro está que tem direito de questionar a cobrança, o que alguns já fizeram judicialmente.

Todavia, a ação judicial individual é por demais onerosa para o consumidor, levando-se em conta o valor do tributo, cerca de 60 reais ou até menos. Assinale-se, ainda, o fato de que vários juizes em São Paulo negam a liminar em Mandado de Segurança, por não entenderem ser líquido e certo o direito ao não pagamento. Restaria ao consumidor, nessa hipótese, intentar Medida Cautelar, depositando em Juízo a quantia discutida, para suspender a exigibilidade do tributo enquanto o questiona através da ação própria.

A anunciada cobrança do imposto incidente sobre as “habilitações” ou “linhas” entregues desde 1993 (dentro do prazo decadencial de cinco anos) , deverá ser feita através de lançamento específico, consubstanciado num auto de infração a ser lavrado contra as concessionárias, até recentemente integrantes do chamado Sistema “Telebrás”. Certamente tais empresas e suas sucessoras irão questionar a autuação e, caso venham a transferir o ônus para os consumidores, debitando-os em suas respectivas contas, estes poderão questionar a cobrança, por todas as razões já expostas.

Poderá ser intentada Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, na forma dos artigos 102, I, letra “a” e 103, incisos VI a IX da Constituição, contra os atos normativos dos Estados que insistem na cobrança. Caso seja obtida liminar nessa ação, a cobrança ficará suspensa em todo o território nacional, favorecendo a todos os contribuintes.

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