Eletropaulo privatizada

STJ confirma venda da Eletropaulo

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15 de abril de 1998, 0h00

Em nome do governador Mario Covas, a Procuradoria-Geral do Estado requereu e foi atendida no pedido para que fosse considerado válido o leilão da Eletropaulo Metropolitana – uma das quatro empresas em que se desdobrou a estatal.

O ministro Antônio Pádua Ribeiro, presidente do STJ, levou em conta “a situação notoriamente caótica das finanças públicas, premidas por um passivo asfixiante do Estado e equacionadas mediante refinanciamento da dívida mobiliária junto ao Banco do Estado e Nossa Caixa Nosso Banco, num total de mais de cinquenta bilhões de reais”.

Em seu despacho, o ministro deu razão ao presidente do TJ, Dirceu de Mello, contra os atos do vice-presidente, Amador Cunha Bueno. Manter a anulação da venda, afirmou Pádua Ribeiro, seria “outra interveniência tumultuária da Justça no episódio, acendrando a insegurança e causando maior perplexidade”.

Cassada a liminar, continuarão tramitando os diversos processos contra a privatização apresentados em diversas cidades paulistas – que ainda serão julgadas no mérito.

Leia a decisão do STJ:

Suspensão de Segurança nº 652/SP (98/0019663-3)

Requerente: Estado de São Paulo

Advogados: Márcio Sotelo Felipe e outros

Requerido: Desembargador Primeiro Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Impetrante: Ernesto dos Santos Filho

Advogado: Paulo José Nogueira da Cunha

Decisão

O Estado de São Paulo formula pedido de suspensão de segurança, concedida pelo eminente Desembargador Vice-Presidente do Tribunal de Justiça daquele Estado-Membro, que determinou a suspensão do leilão de alienação acionária do capital social da Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A. da Empresa Bandeirante de Energias S/A e da Empresa de Transmissão de Energia Elétrica S/A.

Sustenta o Requerente que o Impetrante inundou o Poder Judiciário de pretensões da mesma natureza, tendentes a obstaculizar o processo desestatizante, sem lograr sucesso em nenhuma das ações. Como última estratégia, o interessado em evitar a alienação impetrou mandado de segurança perante a Egrégia Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (MS 48.903.0/2) e, simultaneamente, alegando omissão na prestação jurisdicional, impetrou novo mandado de segurança (MS nº 48.922) contra o Presidente do Tribunal, oportunidade em que obteve a liminar ora hostilizada.

Descreve o Requerente a situação notoriamente caótica das finanças públicas, premidas por um passivo asfixiante do Estado e equacionadas mediante o refinanciamento da dívida mobiliária junto ao Banco do Estado e Nossa Caixa Nosso Banco, num total de mais de cinqüenta bilhões de reais (exatos R$ 50.388.788.542,92).

Como mecanismo ensejador do refinanciamento, o Estado afirma que “entregou à União duas opções não padronizadas de compra (warrant), garantidas por ações ordinárias nominativas de suas empresas energéticas (CESP e ELETROPAULO) contra o crédito, na conta gráfica aberta no Tesouro Nacional, no valor de R$ 2.950.000.000,00 ( dois bilhões e novecentos e cinqüenta milhões de reais), que deveria ser amortizado por ocasião da concretização dos leilões agora suspensos”.

Como conseqüência nefasta da suspensão do leilão, alega o Requerente que a não-concretização da hasta pública impede a amortização do saldo existente naquela conta gráfica, impondo ao Estado encargos contratuais relativos à correção de seu passivo pelo IGP-DI, editado pela Fundação Getúlio Vargas, acrescidos de juros à razão de seis por cento ao ano. De outra parte, afirma que os recursos da alienação de ativos estaduais estão estimados como receita orçamentária do exercício e que a não-realização de tais receitas (ou mesmo seu postergamento) provoca imenso problema de administração e desequilíbrio às finanças públicas.

Ciente de que se afigura indevido, no patamar do presente feito, adiantar qualquer juízo de valor quanto ao mérito do mandado de segurança, não posso deixar de assinalar a minha perplexidade, nessa sumario cognitio, diante da aceitação de writ, aparentemente desprovido do fato autorizador de sua impetração, com o escopo inadequado de sua utilização como sucedâneo recursal.

De fato, o fundamento do mandamus impetrado em faca do Presidente do Tribunal de Justiça aponta a falta de prestação jurisdicional como o ato omissivo lastreador da impetração. Ocorre que, ao despachar a liminar, o eminente Desembargador Vice-Presidente (magistrado competente, que sempre foi credor do meu respeito e admiração) expressamente assinala:

“O ilustre Presidente desta Corte, ao indeferir a liminar solicitada, terminou possibilitando a realização do leilão, in casu, justamente o que busca evitar o impetrante…”

Resulta evidente que se conhecia, de antemão, a total ausência de ato omissivo ou negativa de entrega da prestação jurisdicional, porquanto a decisão ora hostilizada reconhece expressamente a inexistência da base fática asseverada na inicial e, mesmo assim, culmina por proferir decisão que repercute em outro processo. Isso significa que ab initio se admitiu o exame de omissão inexistente para deferir liminar, a pretexto de reformar decisão regular e oportunamente proferida. Vale dizer, tudo indica evidenciar-se na espécie, a utilização indevida do mandado de segurança como sucedâneo recursal.

Ademais, impede registrar que, em se examinando a plausibilidade das alegações do Impetrante, em idêntico contexto (e quase sempre patrocinado pelo mesmo procurador), vários órgãos do Poder Judiciário posicionaram-se em sentido contrário à pretensão. Confiram-se, a propósito, as decisões proferidas pelos seguintes magistrados: Juiz Federal Valter Antoniassi Maccarone (Ação Popular 98.0014169-3, de fls. 70/73); Juíza Federal Diana Brunstein (Ação Popular 98.0014150-2, de fls. 74/77); Juíza de Direito Maria de Fátima dos Santos Gomes (Ação Cautelar nº538/98, de fls. 107/111) Juiz de Direito Carlos Bortletto Schmitt Corrêa (Ação Popular nº 544/98, de fls. 155/156); Juiz de Direito Manoel Ricardo Rebello Pinho (Ação Popular nº 527/98, de fls. 190/192); Juiz de Direito Odimir Fernandes (Ação Popular nº 525/98, de fls. 223/224); Juiz de Direito Venicio A. de Paula Salles (Ação Popular nº 504/98, de fls. 251/254); Juiz de Direito José Vitor Teixeira de Freitas (Ação Popular nº 5694/98, de fls. 285).

Por último, anoto a decisão do eminente Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça de fls. 28/29, na qual Sua Excelência põe em dúvida a pertinência subjetiva do Governador do Estado para figurar no pólo passivo da relação processual, bem como a ausência de direito certo e líquido de mero acionista a se contrapor ao processo de privatização à guisa de alegado prejuízo.

Todavia tais considerações hão de ser dilucidadas adequada e convenientemente no exame do mérito da impetração. Por ora, convém cingir o exame do presente pleito aos requisitos autorizadores da drástica medida requerida. Nessa moldura, afiguram-se-me presentes os pressupostos legais.

De fato, considero relevantes os fundamentos econômicos esgrimidos pelo Estado requerente no que concerne à grave lesão à economia estadual provocada pela decisão, mercê do comprometimento do tesouro estadual com o cumprimento dos negócios jurídicos celebrados, objetivando a solução do passivo, e com a realização da receita estimada no orçamento.

De outra parte, ainda sob a perspectiva econômica da causa, não se pode desconsiderar a precisa observação lançada pelo eminente Desembargador, ao indeferir a liminar no anterior mandado de segurança, quando anotou a falta de interesse do acionista minoritário em se contrapor ao processo de privatização da empresa da qual detém parcela ínfima do capital.

Nessa vertente, reputo imprescindível o alerta de que o Poder Judiciário não pode afastar-se do seu papel de contribuir, em harmonia com os demais Poderes, para a consecução dos fins do Estado. No ponto, a deliberação no sentido da conveniência e oportunidade da alienação de ativos acionários públicos é privativa do Legislativo, não compete ao Poder Judiciário obstaculizar a desestatização (salvo, claro, nas hipóteses de manifesta ilegalidade ou abuso de direito – à primeira vista inocorrentes).

Se a opção desestatizante é boa ou danosa, conveniente ou oportuna, é ônus (ou bônus) atribuível ao Poder Executivo, a quem compete a escolha política da providência. O acolhimento de pretensão liminar como a da espécie, tisnada pela falta de interesse econômico do postulante, parece traduzir uma discordância que está centrada no viés político do tema e que, a meu juízo, deve ser evitada.

Finalmente, preocupam-me sobremaneira os desdobramentos da presente causa sobre a ordem pública. Consta dos autos que, após indeferir a liminar no mandado de segurança n.º 48.903.0/2, o eminente Desembargador Presidente enviou ao Presidente da Bolsa de Valores de São Paulo o ofício que se vê por cópia à fl. 359, no qual Sua Excelência afirma que, até aquele momento (9h45min), não havia nenhuma decisão contrária à sustação do leilão e, mais, dá notícia de que o signatário havia indeferido pedido de liminar que visava à suspensão do leilão.

Realizado o pregão, o eminente Vice-Presidente solicita informações sobre o ocorrido e culmina por proferir a decisão que se vê à fl. 372, na qual afirma a nulidade dos atos praticados e a possível ocorrência de crime de desobediência com a realização do leilão.

Ora, afigura-se-me, nesse contexto, que o jurisdicionado tem fundadas razões para desconfiança e descrença na Justiça, porquanto a mais alta autoridade do Poder Judiciário é desautorizada pelo seu Vice-Presidente: aquela afirma que não há óbice, e este ameaça com alegação de ocorrência de crime.

Sem dúvida, a ordem pública, situações dessa natureza, vê-se seriamente comprometida e ameaçada, o que gera insegurança e descrédito na atuação do Poder encarregado de zelar justamente pela preservação da segurança e certeza que devem presidir o relacionamento jurídico intersubjetivo.

Ademais, no instante em que debruço sobre o tema, encontro delineada a circunstância de haver sido realizado o leilão, mercê da contraditória forma pela qual as decisões do Judiciário chegaram ao conhecimento dos jurisdicionados. Em face do fato consumado, a sua anulação, com base na cognição sumária promovida nesta causa, parece-me ensejar outra interveniência tumultuária da Justiça no episódio, acendrando a insegurança e causando maior perplexidade.

Tudo isso aponta no sentido da conveniência de prestigiar-se a decisão do eminente Desembargador Presidente, que permitiu a realização do leilão (colimando a preservação do status quo), cassando-se a decisão ora hostilizada, da lavra do eminente Desembargador Vice-Presidente, até que aquela Egrégia Corte melhor examine o tema ao enfrentar o mérito da controvérsia.

Diante do exposto, considerando presentes os pressupostos autorizativos, defiro a medida pleiteada em ordem a suspender os efeitos da decisão proferida pelo eminente Desembargador Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Mandado de Segurança n.º 48.922, bem como casso a eficácia de decisões posteriores tomadas com base naquele decisório, até o efetivo julgamento do mérito do writ na origem.

Intimem-se, com urgência

Brasília, 17 de abril de 1998.

Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.

Presidente

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