Modelo sindical

Modelo sindical brasileiro

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9 de abril de 1998, 0h00

O movimento sindical no Brasil se iniciou nos primeiros anos deste século durante a República Velha, período em que a indústria brasileira dava os seus primeiros passos, impulsionada pelos ares de desenvolvimento que sopravam da Europa já consolidada neste setor e pela mão-de-obra barata, representada pelos contingentes rurais que gradativamente se concentravam nos grandes centros e pelos imigrantes, que traziam consigo toda a ideologia do movimento anarco-sindical europeu, que pregava a total liberdade de associação entre os trabalhadores e a enérgica atuação na defesa de seus interesses. Nessa fase, imperava no Brasil o pluralismo sindical, sendo freqüentes as greves, especialmente em meados da década de 20.

Com a ditadura de Vargas, veio a fase repressiva, com a implantação de um modelo de normatização corporativista (transplantado da Itália fascista – Carta del Lavoro), dando-se ênfase ao controle estatal, que tinha no reconhecimento sindical pelo Estado e no sistema confederativo, seus principais ícones. A Constituição de 1937 só veio reforçar esse caráter, que até hoje grassa com nitidez na estrutura sindical brasileira.

A partir da vigente Carta Maior, o sindicalismo brasileiro ganhou maior liberdade, sendo vedada ao Estado interferir na organização e na administração sindical, ressalvado o registro no órgão competente (art. 8º, I da CF/88), do qual trataremos com mais detalhes adiante.

Por outro lado, a mesma Carta, em seguida, enumera uma série de restrições, que devem ser obrigatoriamente observadas pelo movimento sindical brasileiro. Dentre elas, destaque-se as principais e inarredáveis condições a que se submete a organização sindical no Brasil, estampadas, todas, no art. 8º, II da CF/88, quais sejam: a unicidade sindical, a sindicalização por categoria e base territorial mínima.

“Art. 8º – É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte :

……………………………………

II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelo trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município. (grifamos)

Elas representam as pilastras sustentadoras do sistema de criação e organização dos sindicatos pátrios e a sua inobservância acarreta o desenquadramento da entidade infratora, não sendo esta reconhecida como sindicato.

Ressalte-se que o caput do artigo faz-se presumir a mais absoluta liberdade sindical, que retaliada logo após pelos incisos, especialmente o supra transcrito, entrando em choque com o entendimento da própria OIT.

Note-se a grande contradição que a Carta de 88 institui no ordenamento jurídico pátrio, ao tratar da matéria, contradição essa apontada com peculiar propriedade por AMAURI MASCARO NASCIMENTO (in CURSO DE DIREITO DO TRABALHO, 13ª edição, revista e atualizada – Saraiva – São Paulo, 1997, pág. 727), onde, se de um lado ao Estado está proibida a intervenção na organização sindical; de outro, são impostos grandes obstáculos ao seu livre desenvolvimento, através das restrições constitucionais ao norte referidas.

No entanto, é de se ressaltar a importância dessa restrita liberdade que alcançaram os sindicatos brasileiros a partir da nova ordem constitucional. Se é certo que ainda não atingimos o patamar ideal, que seria o da total e irrestrita liberdade de organização e, principalmente atuação das entidades sindicais, não se justificando mais a existência de amarras normativas que prendam o sindicalismo brasileiro ao nível em que hoje se encontra; pelo menos, no que se relaciona ao regramento constitucional anterior, em que ainda prevalecia o reconhecimento discricionário das entidades sindicais pelo Ministro do Trabalho, demos um grande passo, conquistando essa pequena margem de liberdade.

Essa “liberdade” de que ora tratamos se reparte em duas dimensões: a liberdade no plano coletivo e no plano individual.

No plano coletivo, a liberdade se direciona às entidades sindicais, que gozam de liberdade de associação, de organização, de administração, no exercício das funções.

Os destaques a serem feitos neste ponto são a liberdade de associação, que é o direito de criar associações econômicas e profissionais; e a liberdade de organização, que é o que MASCARO chama curiosamente de “autarquia externa/democracia interna, ou seja, tem os sindicatos a prerrogativa de não sofrerem a interferência na sua administração, que é ditada pelos rumos apontados pela classe representada, através do seu órgão deliberativo maior: a Assembléia Geral.

De qualquer modo, veremos que ainda resta um longo caminho a ser percorrido até alcançarmos um sindicalismo livre e bem estruturado, formado num movimento autônomo e espontâneo, por iniciativa da própria classe trabalhadora, que, coletivamente fará escolhas e mobilizará forças, dispondo livremente da sua organização.

A unicidade sindical é a obrigatoriedade de existir apenas um único sindicato na mesma área de atuação. Aqui há uma imposição do Estado no sentido de dar exclusividade a uma única entidade de representar a classe profissional ou econômica que for abrangida pelo seu espectro de abrangências, ao contrário da unidade sindical, que é a existência de um único sindicato, mas agora por determinação da vontade da própria classe representada. Geralmente a unidade decorre da fusão dos vários sindicatos existentes nos sistemas que adotam o pluralismo sindical. Essa unidade não necessariamente se demonstra na existência de um só sindicato, mas vislumbra-se até mesmo numa unidade de procedimentos e ações, é o que diz JOSÉ FRANCISCO SIQUEIRA NETO.

Na unicidade, porém, o enquadramento do trabalhador ou da empresa em determinado sindicato decorre da vontade da lei, que dispõe no sentido de fazer com que a classe inteira seja representada pelo único sindicato existente naquela área de atuação delimitada pela lei, a chamada base territorial.

Outra restrição estabelecida na Carta Federal é a delimitação da base territorial mínima, segundo a qual, as classes interessadas delimitarão a sua base territorial, que não poderá ser inferior à área de um município, extinguindo-se assim a possibilidade de existência dos chamados sindicatos distritais e sindicatos de estabelecimento. Mais uma vez, verificam-se vantagens e deméritos no sistema adotado. A base territorial mínima reforça a unicidade acima estudada; por outro lado, fortalece a categoria, ampliando as suas bases, mas também dificulta, e algumas vezes, até impossibilita a solução de conflitos em bases menores.

Não é uniforme a aplicação desse critério territorial nas legislações do resto do mundo, havendo os que adotam a total liberdade de coexistência de mais de um sindicato na base que seus integrantes definirem.

Nesse ponto, cabe gizar outro avanço dado pelo legislador constitucional. Na vigência da Carta anterior, observava-se a delimitação da base territorial pelo próprio Ministro do Trabalho, nos termos do art. 517 da CLT. Veja-se que a base territorial continua a ser restringida, porém agora pela lei.

A última restrição a ser analisada é a sindicalização por categoria. Como espécie de associação que é, os sindicatos se formam pela conjugação de interesses comuns, que no caso qualificam-se por serem profissionais (trabalhadores) ou econômicos (empregadores). É o que a CLT denomina de vínculo social básico, que impõe a organização homogênea, onde as classes se organizam, levando em conta geralmente a atividade desenvolvida ou a profissão exercida.

Ao contrário dos sistemas de sindicalização heterogênea, em que os trabalhadores não são guiados por critérios de uniformidade para sindicalizar-se, aqui as categorias, necessariamente formadas, fazem com que as classes sejam reunidas sob o epíteto do sindicato que as representa. As regras básicas da sindicalização por categoria está figurada no art. 511 e seguintes da CLT.

Temos, assim a sindicalização vertical e horizontal. Na primeira, observa-se o enquadramento por atividade desenvolvida pelo empregador, que vai servir de base também para a determinação da sindicalização dos empregados, não importando a função por eles exercida dentro da empresa. Na horizontal, por sua vez, o enquadramento se dá tendo em vista a profissão exercida pelo trabalhador – não se aplica ao empregador – e pela uniformidade no exercício dessa profissão, onde quer que se encontra labutando. São as categorias profissionais diferenciadas, como os vigilantes, os motoristas e os profissionais liberais.

Por fim, é de se notar que a sindicalização por categoria é exercida em qualquer grau, referindo-se ao sistema confederativo, organizado em estrutura piramidal de sindicatos, federações e confederações, que têm a finalidade de coordenar a atuação das entidades de grau imediatamente inferior, além de substituí-las, quando da sua inexistência. Isso sem falar nas centrais sindicais, reconhecidas paralelamente ao sistema confederativo, reconhecidas que são como meras associações de cunho civil, não gozando das prerrogativas dos dirigentes das primeiras, sendo, porém, o eixo de atuação política destas.

Dúvidas não há de que a sindicalização por categoria é um elo da corrente que ata as forças sindicais, que são obrigadas a submeter-se à regras que nada mais fazem senão conduzir o sindicalismo brasileiro para um sistema rígido de controle estatal atenuado e disfarçado, que traça restrições capazes de impedir a mobilização mais efetiva da classe trabalhadora, colocando “rédeas curtas” no movimento sindical.

A esperada mudança nesse sistema deve partir da concepção que se têm no Brasil da importância dos sindicatos, não só como associações de classe, mas como unidades de mobilização de força política. A mentalidade da própria classe há que se desenvolver de modo a permitir uma politização dos integrantes da classe interessando, aumentando-se a conscientização dos valores inerentes ao trabalho.

É certo que a pluralidade sindical, em princípio, causa alguns transtornos para os agentes sociais, que se vêem desgarrados de uma orientação legal. Porém, gradativamente, caminhar-se-á no sentido de que prevaleçam aquelas entidades que se destacam pela sua forte atuação ou poder econômico, havendo uma natural aglutinação de classes, mesmo que distintas, aumentando-se o poder de barganha e negociação. A tendência é a unidade decorrente da pluralidade.

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