Toda legislação ambiental do país está sob ameaça
5 de setembro de 1997, 0h00
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n° 62 – Câmara (substitutivo do PL n° 1.164 de 1991, do Senado), que promete, a princípio, ser a primeira e inovadora coletânea da legislação ambiental brasileira (Consolidação das Leis Ambientais – CLA).
O Projeto de Lei é importantíssimo e apresenta grandes inovações no campo do Direito, como, por exemplo, a responsabilidade das pessoas jurídicas (até então inexistente no Brasil e de enorme importância para a prevenção e reparação do dano ambiental, além da repressão ao criminoso ambiental).
O PL prevê diversos tipos de punições para as pessoas jurídicas: liquidação forçada; perda de bens e valores; interdição permanente de seu estabelecimento, obra ou atividade; proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele receber subsídios, subvenções ou doações; ter que custear programas e projetos ambientais; executar obras de recuperação de áreas degradadas; manter espaços públicos; e contribuir a entidades ambientais ou culturais, públicas ou privadas – além de outras, que podem ser determinadas pelo Poder Judiciário.
Há também inovações na tipificação dos crimes contra a fauna e a flora, como, por exemplo, para a exportação de peles e couros de anfíbios e répteis; a prática de atos de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos; e para a realização de experiência dolorosa ou cruel com animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos – dentre outras.
Fabricar, vender, transportar ou soltar balão; receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição da licença do vendedor e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento; deixar de promover reposição florestal obrigada por lei, bem como impedir ou dificultar a regeneração natural de floresta ou de outras formas de vegetação; comercializar motoserra ou utilizá-la em floresta e demais formas de vegetação, sem licença ou registro da autoridade competente, dentre outras, são condutas específicas tipificadas para proteger a fauna.
O combate a poluição também recebeu uma atenção especial, seja qual for sua natureza, no ar, no solo, nas águas interiores de superfícies ou subterrâneas, no estuário, no mangue, nas águas jurisdicionais brasileiras ou nos demais componentes do meio ambiente, desde que resultem ou possam resultar em danos ou perigo ao meio ambiente, à incolumidade humana, animal ou vegetal. Agora, incorrerá em crime ambiental quem produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades.
O PL ainda prevê crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural, como, por exemplo, destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, bem como arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial.
Promover a construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida; pichar, grafitar ou, por outro meio, conspurcar edificação ou monumento urbano, também fazem parte dos crimes previstos no projeto.
Na área da administração ambiental também houve importantes especificações. Comete crime contra a administração ambiental o funcionário público que faz afirmação falsa ou enganosa, omite verdade, sonega informações ou dados científicos em procedimentos de autorização ou licenciamento ambiental, bem como aquele que concede licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as obras, atividades ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público, dentre outros.
A infração administrativa ambiental é considerada como toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
O PL determina ainda o dever de o governo realizar a cooperação internacional para a preservação do meio ambiente.
Como se percebe, é o maior avanço da legislação ambiental brasileira, senão mundial, fruto do estudo, dedicação e colaboração da sociedade (ONGs), de profissionais de várias áreas e de juristas brasileiros, altamente capacitados para cumprir seu compromisso profissional.
Entretanto
Diz o ditado popular que “quando a esmola é muita, até o santo desconfia”. É preciso atentar para o disposto no artigo 90 do PL. In verbis:
Art. 90 “Revogam-se as disposições em contrário, em especial os artigos 26 e parágrafo 3o do art. 45, da Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965; 27 e 34 da Lei n 5.197, de 3 de janeiro de 1967, 20 e 22 da Lei n 6.453, de 17 de outubro; 15 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981; 2o da Lei n 7.643, de 18 de dezembro de 1987; 8o da Lei n 7.679, de 23 de novembro de 1998; 15 e 16 da Lei n 7.802, de 11 de julho de 1989; e 21 de Lei n 7.805, de 18 de julho de 1989.”
Qual o problema? Os vetos, que já se prenunciam, do presidente da República. No último dia 4, às 10h, no Auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, em Brasília, foi realizada uma audiência pública para a discussão desse PL. Durante esse evento, foi possível apurar que setores ligados a diversos interesses específicos irão pressionar o governo de forma a provocar um festival de vetos.
Há fortes indícios de que isso pode ocorrer. Se os lobbies contra o projeto obtiverem o sucesso que esses grupos esperam, de forma a se desfigurar o Projeto de Lei e, nesse processo, acabar entrando em vigor o art. 90, toda legislação ambiental brasileira de significativa importância terá sido revogada, sumariamente.
Será o caos ambiental no Brasil. Teremos a “liberalização do meio-ambiente”, a exemplo da liberação da economia e da educação, porque o setor ficará desregulamentado. O Poder Judiciário e a sociedade não disporão de instrumentos para a prevenção, proteção, preservação e conservação do meio ambiente brasileiro.
As ONGs ambientais, a OAB e a sociedade devem prestar muita atenção na movimentação do Poder Executivo e Legislativo, exigir seus direitos, mormente os garantidos pelo art. 225 da Constituição Federal e exercer integralmente a cidadania.
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